Valor Econômico
Apoio presidencial nem sempre é garantia de
vitória nas urnas
O religioso mineiro Frei Betto abre seu livro
de reflexões sobre a política transcrevendo uma poesia de Machado de Assis, uma
parábola sobre um plebeu que certo dia se deparou com uma mosca azul, de asas
de ouro e granada, que refulgia ao clarão do sol.
Deslumbrado pela beleza dos seus
movimentos, percebeu que o inseto era encantado. Em meio à vibração de suas
asas, ele viu a si mesmo como o rei de Cachemira, vestido com roupas finas
adornadas por pedras preciosas, rodeado por cem mulheres de seios nus, e a seus
pés quatorze reis vencidos, representando trezentas nações, rendendo-lhe
glórias.
O poder inebria e por isso é que, uma vez
picado pela mosca azul, quase ninguém quer largá-lo. Frei Betto diz que ele é
mais tentador do que sexo e dinheiro - até porque torna essas delícias mais
acessíveis.
No último sábado (08/01), o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pelo menos 12 de seus 23 ministros atuais devem sair para disputar as eleições de outubro; ou seja, mais da metade do primeiro escalão do governo federal foi picado pela mosca azul da política.
Na conversa com jornalistas, Bolsonaro
citou dois ministros que já se decidiram se candidatar. Onyx Lorenzoni
(Trabalho e Previdência) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) representam
dois grupos distintos de ministros com pretensões eleitorais.
Onyx está no pelotão dos políticos
profissionais, ao lado de Ciro Nogueira (Casa Civil), Tereza Cristina
(Agricultura), João Roma (Cidadania), Fábio Faria (Comunicações), Rogério
Marinho (Desenvolvimento Regional) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo).
Esse grupo traz o DNA da mosca azul já inoculado em seu sangue, e se permanecem
no governo até hoje é porque vislumbram que o apoio de Bolsonaro é a forma mais
garantida para continuarem desfrutando das benesses do poder.
Tarcísio, porém, é de outra estirpe. Assim
como Damares Alves (Família e Direitos Humanos), Marcelo Queiroga (Saúde),
Gilson Machado (Turismo), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Anderson
Torres (Justiça), são virgens em disputas eleitorais, mas foram picados pela
mosca azul e estão tentados a seguir carreira política.
Daqui até o dia 02 de abril (a legislação
exige que ministros de Estado entreguem os cargos até seis meses antes das
eleições, caso queiram se candidatar), veremos intensas articulações para a
definição dos cargos e dos Estados que serão disputados pelos
ministros-candidatos.
Mas a história recomenda cautela, tanto aos
políticos do Centrão quanto aos novatos bolsonaristas. Os dados revelam que ser
apoiado pelo presidente não é garantia de vitória nas urnas. Os números indicam
que, desde as eleições de 1998, ministros que se lançaram candidatos foram
eleitos em apenas 59,1% dos casos.
As chances de obter um cargo eletivo com o
apoio presidencial dependem muito mais do cargo que se disputa do que da
popularidade do ocupante do Palácio do Planalto, como se vê na tabela.
Se a decisão de se candidatar se guiasse
estritamente por uma lógica racional e pessoal, os ministros de Bolsonaro
deveriam se limitar a buscar a uma vaga na Câmara. Nas últimas seis eleições,
20 ministros tentaram se eleger deputados federais, e 18 deles lograram
sucesso. Reinhold Stephanes, ministro da Previdência de FHC, e Leonardo
Picciani, chefe da pasta de Esportes de Temer, foram as únicas exceções que
fracassaram, - esse último, ainda assim, assumiu posteriormente o mandato, pois
ficou bem posicionado como suplente.
Mas se os ministros buscarem alçar voos
mais altos, o risco de ser abatido aumenta consideravelmente. Apenas um terço
dos ministros de FHC a Temer que tentaram ser governadores ou senadores
conseguiu se eleger.
Em 2010, por exemplo, Lula encerrava o
segundo mandato no auge da popularidade e mesmo tendo à disposição emendas
orçamentárias bilionárias em suas pastas, os ministros Geddel Vieira Lima
(Integração Nacional), Hélio Costa (Comunicações) e Alfredo Nascimento
(Transportes) não conseguiram vencer as disputas pelos governos da Bahia, Minas
Gerais e Amazonas daquele ano.
O desempenho dos ministros de Temer em 2018
deveria servir de alerta para seus pares no governo Bolsonaro. Naquele ano, a
alta rejeição ao presidente atrapalhou bastante as pretensões de seus ministros
Maurício Quintella Lessa (Transportes, Portos e Aviação), Mendonça Filho
(Educação) e Sarney Filho (Meio Ambiente) - todos de tradicionais famílias
políticas nordestinas - a se tornarem senadores pelos seus Estados.
Ministros com perfil mais técnico que se
aventuram em disputas eleitorais majoritárias são raros - e aqui fica uma
recomendação especial para Tarcísio de Freitas, o ministro da Infraestrutura
que é o queridinho dos apoiadores de Bolsonaro. Se políticos tradicionais
raramente se deram bem em disputas majoritárias, o que dirá um neófito em
eleições.
Caso concorra a governador ou senador por
São Paulo, como quer Bolsonaro, Tarcísio pode repetir o malogro de Alexandre
Padilha em 2014. Bem avaliado entre os petistas como ministro da Saúde, foi
lançado pelo partido como candidato a governador de São Paulo e o resultado não
poderia ser mais desanimador: Padilha terminou em terceiro lugar, bem atrás do
vencedor Geraldo Alckmin e de Paulo Skaf.
Na fábula de Machado de Assis, o plebeu se
enamorou tanto pela ilusão do poder que acabou sufocando-a. “Dizem que
ensandeceu e que não sabe como perdeu a sua mosca azul”. Os números e a
história recomendam cuidado aos ministros-candidatos.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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