segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Carlos Pereira: O fantasma do segundo mandato

O Estado de S. Paulo.

O Brasil é um caso de sucesso de resistência política e judicial a um presidente iliberal

A forte resistência que Jair Bolsonaro tem enfrentado das instituições e da sociedade fez cair por terra a tese de que a simples chegada de um presidente com perfil iliberal levaria à derrocada da democracia, independentemente da qualidade das instituições.

As instituições e a própria sociedade fazem updates tanto a partir de experiências próprias como de aprendizados de outros países que refreiam arroubos autocráticos.

Existem várias derrotas sistemáticas de Bolsonaro no Legislativo e no Judiciário, mas também de iniciativas legais que visam a fortalecer as instituições para potenciais confrontos futuros.

No STF, o presidente perdeu todas as batalhas com relação ao enfrentamento da pandemia, seja na delegação aos governos locais da prerrogativa de adotar medidas de isolamento social e de acesso de pessoas não vacinadas, seja na exigência de receita médica para vacinação de crianças.

O STF também expandiu seus poderes para investigar fake news contra juízes, seus familiares ou a honra da instituição, nomeando um membro do próprio tribunal para chefiar as investigações em vez da PGR. Até Bolsonaro passou a ser investigado por notícias falsas sobre urnas eletrônicas.

O Congresso também bloqueou ações intimidatórias do presidente à Corte, como rejeição da CPI para investigar supostas falhas do Judiciário, aprovação da prisão de um deputado por ameaças a juízes do STF, rejeição da petição de impeachment do ministro Barroso etc. A CPI da Covid expôs fragilidades do governo até as vísceras, inclusive com várias denúncias de crimes cometidos pelo presidente.

Mas há quem argumente que a “sobrevivência” da democracia brasileira até agora tenha sido um lance de sorte e que não se repetiria em um eventual segundo mandato. Se a eleição de um autocrata foi um acidente, sua reeleição configuraria um sinal verde ao modus operandi iliberal, o que arrefeceria qualquer tipo de reação das organizações de controle.

Tudo, portanto, se justificaria para evitar o “grande desastre”, até mesmo apoiar líderes moralmente manchados diante de condenações prévias em várias instâncias da Justiça por corrupção e lavagem de dinheiro. É bom lembrar que iniciativas legislativas de Bolsonaro de enfraquecimento das organizações de controle contaram com o apoio irrestrito do PT.

A vantagem dessa tese é que tal agouro dificilmente será submetido ao teste empírico, pois Bolsonaro já é praticamente carta fora do baralho. Os catastrofistas não vão necessitar fazer autocrítica. Podem continuar se enganando com seus fantasmas de golpe.

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