Folha de S. Paulo
Faltam políticas bem formuladas e
duradouras para lidar com o problema
Tempos atrás, saindo de carro de um
concerto da Osesp (Orquestra Sinfônica de São Paulo) com uma pessoa conhecida,
passei pelo horror da cracolândia. Diante da tragédia humana ali exposta, ela
comentou como seria bom se a Sala São Paulo existisse em outro lugar.
Empatia e solidariedade com os últimos dos
deserdados não brotam facilmente quando as iniquidades sociais são tamanhas que
os outros, vivendo a alguns poucos quilômetros dali, parecem habitar planetas
diferentes.
Apesar disso, aqueles sentimentos vicejam
no território devastado: na militância febril do padre Júlio Lancelotti; nas
várias ONGs, como o Pão do Povo da Rua, que distribui comida e ensina a jovens
da região o ofício de padeiro; em iniciativas como o notável @SPinvisível, a
desvelar no Instagram a humanidade de quem mora ao relento; na atuação de
assistentes sociais e outros agentes públicos que trabalham na ponta das
secretarias.
O que tem faltado são políticas bem formuladas e duradouras para lidar com um problema de difícil tratamento, por ser ao mesmo tempo caso de assistência social, de saúde e de segurança, a requerer cooperação entre instâncias dos governos municipal e estadual e delas com organizações sociais atuantes no local.
O retrospecto de políticas sociais bem
estabelecidas deixa claro os ingredientes do êxito: uma rede de especialistas
com ideias convergentes em relação ao que pode ser feito e experiência de
gestão pública; boas instituições que sobrevivam à alternância de governos;
lideranças políticas dispostas; pressão dos potenciais beneficiários.
Políticas sociais para valer sempre são
também a institucionalização de princípios de justiça e solidariedade,
refletindo valores e visões compartilhadas do que seria uma sociedade decente.
O avesso do que foi, por exemplo, a sétima etapa da Operação
Caronte, que, na quarta-feira da semana passada (11), desalojou com
desumana brutalidade pouco mais de uma centena de pessoas aglomeradas numa
praça central da metrópole, dispersando-as pelas redondezas.
Tendo mobilizado 650 agentes das polícias
Civil e Militar e a Guarda Civil Metropolitana para prender 7 —sete!— suspeitos
de tráfico, foi apenas mais uma das iniciativas a um só tempo brutais e
desastradas, mediante as quais diferentes administrações há décadas tentam
lidar com a concentração de usuários miseráveis e pequenos traficantes de droga
no chamado coração da metrópole.
Na mesma praça ou em outro ponto próximo, a
cracolândia renascerá como monumento urbano ao fracasso dos governos e à face
mais cruel da sociedade que fizemos —e somos.
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