O Globo
Durante a Guerra das Malvinas, o genial
escritor argentino Jorge Luis Borges a definia como “lutas de carecas por um
pente”. É o que acontece com a terceira via, que até agora não demonstrou ter
cabelo suficiente para se pentear, mas briga entre si por uma brecha na
polarização entre Bolsonaro e Lula, a tal ponto que não sobrou nada da
musculatura que, imaginava-se, poderia ter quando ainda era um grupo forte, com
o União Brasil de cofres forrados de dinheiro dos fundos partidário e
eleitoral.
Foi exatamente o que instalou a cizânia entre os oposicionistas. Com a força
que o Congresso passou a ter num governo que simplesmente abriu mão de governar
para se dedicar à reeleição, e com muito dinheiro para os partidos das verbas
secretas e dos fundos de financiamento público, ficou mais atraente eleger uma
bancada forte na Câmara e no Senado, e talvez governadores, do que tentar a
Presidência da República num pleito que parece estar inevitavelmente polarizado
entre dois populistas bons de voto.
O golpe que o partido de Luciano Bivar deu no ex-juiz Sergio Moro foi exemplar
da astúcia de uma raposa da velha política. Tirou-o do Podemos prometendo
mundos e fundos, qual um amante mal-intencionado, e deixou-o ao relento, para
assumir o posto que lhe prometera. Sem nenhuma chance de vitória, vai guardá-lo
para fazer uma campanha baratinha, não brigar nem com Lula nem com Bolsonaro e
deixar os candidatos do União Brasil livres para organizar seus palanques.
O novo passo da escalada autoritária do presidente Bolsonaro, rumo à
contestação de uma provável derrota nas urnas em outubro, parece ser fabricar o
descrédito das pesquisas de opinião, que dão vantagem ao ex-presidente Lula
unanimemente. Para confirmar a regra, uma exceção foi a pesquisa do dia 30 de
março, que mostrava Bolsonaro empatado tecnicamente com Lula, no que parecia
uma recuperação da popularidade do presidente. Depois disso, os números se
estabilizaram, e Lula continua à frente.
Mesmo com essa ligeira recuperação do presidente, os resultados estariam longe de espelhar a realidade, diz o senador Flávio Bolsonaro, o especialista em pesquisas eleitorais do clã, assim como o vereador Carlos é o estrategista da ação nas redes sociais, que continuam dominadas pelos bolsonaristas. Diz Flávio que o “DataPovo” e as pesquisas internas indicam uma vitória de Bolsonaro já no primeiro turno.
Não há como comprovar tal afirmação, porque as tais “pesquisas” não são registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e não podem ser divulgadas. A proliferação de institutos de pesquisa também contribui para tumultuar o ambiente eleitoral, embora a liberdade de informação seja essencial para que o eleitor se oriente. Assim, também é secreta a pesquisa quantitativa e qualitativa que PSDB, Cidadania e MDB usaram para chegar a um consenso sobre a candidatura única da terceira via, com objetivo de tirar Doria da disputa.
As pesquisas tornaram-se segredos internos dos partidos e certamente serão contestadas na Justiça Eleitoral pelo ex-governador João Doria, que insiste em participar da eleição como candidato tucano, pois venceu as prévias partidárias. O problema do PSDB é que ele piora a cada dia. Já conhecemos as histórias anteriores, mesmo quando tinha grandes lideranças, para escolher o candidato à Presidência era sempre uma confusão. Mas depois se uniam, ou quase.
Agora, a desunião está cada vez mais patente. Doria certamente vai para a Justiça se sair uma chapa com a senadora Simone Tebet do MDB para presidente e algum vice tucano, provavelmente o senador Tasso Jereissati. Essa briga ainda vai longe, e só melhorará a vida de Lula e Bolsonaro. É um jogo que ninguém ganha, não importa se Doria vencer na Justiça, porque não terá apoio do partido, não terá dinheiro dos tucanos para a campanha, terá de disputar na Justiça cada tostão.
Na verdade, todos os pré-candidatos da terceira via queriam ser cabeça de chapa, porque o candidato de uma coligação forte tem tempo de propaganda de rádio e televisão maior, mais dinheiro do fundo eleitoral. Nenhum candidato tucano tem voto, vale lembrar que o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin teve em torno de 4% dos votos em 2018. Mas o único tucano que saiu vencedor nessa brigalhada toda foi ele, que deixou o partido que ajudou a fundar e agora é candidato a vice na chapa de Lula.
Um chuchu com gosto de nada que espertamente deu um novo sabor à candidatura de Lula.
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