O Globo
A reforma tributária precisa ser
estabelecida como um projeto de Estado, e não de governo. Se fosse,
provavelmente teria avançado muito mais que as tentativas parciais de seguidos
governos. As iniciativas para corrigir distorções no modelo defasado com que
convivemos fracassam. A imaterialidade prolongada da reforma tributária
representa um dos mais graves componentes de insegurança para que seja viável
incrementar o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
Com isso, abre-se espaço para destinar receitas do setor privado de modo a, supostamente, atender ao custeio da máquina pública com despesas correntes. É o que tem acontecido com a indústria da mineração. O setor continua visto como um fabricante de recursos abundantes. Quando, na realidade, impõe severos riscos ao investidor. É um dos pilares na internalização de divisas ao país. Mas é uma das atividades mais tributadas no mundo, segundo a consultoria EY. Numa cesta de dez minérios, somos o primeiro em carga mais elevada para oito e o segundo para dois. Por isso a mineração é uma das atividades que mais contribuem com impostos e encargos. Sempre que fatura mais, arrecada mais.
Invariavelmente, quando a mineração divulga
seus resultados, surgem propostas, por vezes no Congresso, para obter ainda mais
receitas, via elevação da compensação pela produção mineral, a Contribuição
Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), sem justificativas aderentes à
legislação, em confronto com sua natureza jurídica e finalidade constitucional,
sem levar em conta o dano à competitividade e aos investimentos.
O caso mais recente é o Projeto de Lei
840/2022 na Câmara dos Deputados. Propõe custear o aumento do piso salarial de
enfermeiros pela elevação da CFEM. Indubitável a importância de esses
profissionais serem bem remunerados. Mas a proposta tem vício de origem.
Contraria a Constituição. E o Congresso não tem autonomia para definir gastos
locais, no nível das prefeituras.
Há também o PL 2.337/2020, que muda regras
do Imposto de Renda. Passou pela Câmara com emenda que eleva a CFEM. Cabe ao
Senado considerar a mesma argumentação sobre a impropriedade de mudança da
natureza jurídica da CFEM. Ela é uma receita patrimonial, de caráter não
tributário. Merece destaque já ter sido majorada em 2017 em 100% para a maioria
dos minérios.
A CFEM deve resultar em investimentos
destinados ao desenvolvimento socioeconômico, territorial e de novas fontes de
receitas correntes para os municípios que, futuramente, deixarão de contar com
a atividade mineral. A indústria da mineração considera que a reforma
tributária ensejará debates aprofundados, de modo a equacionar os múltiplos
interesses em torno da arrecadação de tributos e dos encargos especiais, caso
da CFEM, e a atender ao interesse público da melhor forma possível, sem abrir
espaço para distorções, presentes nos dois projetos de lei mencionados.
*Diretor-presidente
do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)
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