quinta-feira, 19 de maio de 2022

Raul Jungmann*: Imposto justo para mineração

O Globo

A reforma tributária precisa ser estabelecida como um projeto de Estado, e não de governo. Se fosse, provavelmente teria avançado muito mais que as tentativas parciais de seguidos governos. As iniciativas para corrigir distorções no modelo defasado com que convivemos fracassam. A imaterialidade prolongada da reforma tributária representa um dos mais graves componentes de insegurança para que seja viável incrementar o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

Com isso, abre-se espaço para destinar receitas do setor privado de modo a, supostamente, atender ao custeio da máquina pública com despesas correntes. É o que tem acontecido com a indústria da mineração. O setor continua visto como um fabricante de recursos abundantes. Quando, na realidade, impõe severos riscos ao investidor. É um dos pilares na internalização de divisas ao país. Mas é uma das atividades mais tributadas no mundo, segundo a consultoria EY. Numa cesta de dez minérios, somos o primeiro em carga mais elevada para oito e o segundo para dois. Por isso a mineração é uma das atividades que mais contribuem com impostos e encargos. Sempre que fatura mais, arrecada mais.

Invariavelmente, quando a mineração divulga seus resultados, surgem propostas, por vezes no Congresso, para obter ainda mais receitas, via elevação da compensação pela produção mineral, a Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), sem justificativas aderentes à legislação, em confronto com sua natureza jurídica e finalidade constitucional, sem levar em conta o dano à competitividade e aos investimentos.

O caso mais recente é o Projeto de Lei 840/2022 na Câmara dos Deputados. Propõe custear o aumento do piso salarial de enfermeiros pela elevação da CFEM. Indubitável a importância de esses profissionais serem bem remunerados. Mas a proposta tem vício de origem. Contraria a Constituição. E o Congresso não tem autonomia para definir gastos locais, no nível das prefeituras.

Há também o PL 2.337/2020, que muda regras do Imposto de Renda. Passou pela Câmara com emenda que eleva a CFEM. Cabe ao Senado considerar a mesma argumentação sobre a impropriedade de mudança da natureza jurídica da CFEM. Ela é uma receita patrimonial, de caráter não tributário. Merece destaque já ter sido majorada em 2017 em 100% para a maioria dos minérios.

A CFEM deve resultar em investimentos destinados ao desenvolvimento socioeconômico, territorial e de novas fontes de receitas correntes para os municípios que, futuramente, deixarão de contar com a atividade mineral. A indústria da mineração considera que a reforma tributária ensejará debates aprofundados, de modo a equacionar os múltiplos interesses em torno da arrecadação de tributos e dos encargos especiais, caso da CFEM, e a atender ao interesse público da melhor forma possível, sem abrir espaço para distorções, presentes nos dois projetos de lei mencionados.

*Diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)

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