quinta-feira, 19 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Bolsonaro tem obsessão por aparelhar Justiça

O Globo

Aparelhar o Judiciário é o capítulo número um do manual do autocrata contemporâneo, seja na Hungria, na Venezuela ou no Brasil. Não há, portanto, mistério algum na intenção do presidente Jair Bolsonaro quando tenta intimidar o ministro Alexandre de Moraes, visto como uma espécie de nêmesis do bolsonarismo no Supremo Tribunal Federal (STF). Ou quando diz a aliados que pretende “sentar em cima” da lista tríplice para a vaga de ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que não indicaria “críticos do governo” às duas vagas abertas no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Bolsonaro tem demonstrado uma obsessão tenaz com o Judiciário.

Seu alvo principal é o STF, que tem mantido a independência e imposto limites a seus desígnios autoritários. Ele entrou ontem com ação acusando Moraes de abuso de autoridade, recusada pelo ministro Dias Toffoli, que não viu indício de delito. Em seguida, enviou representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo que Moraes fosse investigado. Nada disso terá consequência prática além de reforçar, entre seus acólitos, a animosidade contra Moraes, que presidirá o TSE na eleição.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro decidiu travar as indicações ao TSE e ao STJ. O motivo: nenhum dos nomes que constam da lista submetida como determina a lei lhe agrada. No caso do STJ, a preocupação parece terrena: cedo ou tarde passam por lá processos criminais contra seus familiares, das rachadinhas atribuídas ao primogênito Flávio às acusações recentes contra o jovem Jair Renan. A obsessão mais preocupante, porém, é com as Cortes eleitorais.

A interlocutores do meio jurídico, de acordo com a colunista do GLOBO Malu Gaspar, Bolsonaro afirmou que pensava devolver a lista de indicados ao TSE, plano descabido que parece ter abandonado. Desde a redemocratização, o único ocupante do Planalto que demorou a indicar nomes ao TSE foi Dilma Rousseff. A motivação dela, no entanto, era distinta: não julgava o tema prioridade. Bolsonaro, em contrapartida, amplia a cada dia seu histórico de mentiras, ofensas e ameaças desferidas contra o sistema de votação. Questiona a lisura das urnas eletrônicas sem nenhuma prova, como pretexto para contestar o resultado caso perca a eleição.

É compreensível que, nessa estratégia, tente criar elementos jurídicos para questionar a motivação de qualquer decisão futura de Moraes, quando presidente do TSE, sobre contestações ao resultado das urnas — daí os movimentos no TSE e na PGR. E que tente contar com juízes camaradas para referendar seus absurdos nos tribunais. Tudo isso seria uma forma de emprestar um verniz de legalidade a qualquer tentativa de golpe.

A relação do presidente da República com o Judiciário é ditada pela Constituição. Bolsonaro pode espernear, mas não pode contestar decisões que desagradam nem usá-las para justificar seu golpismo. Ao mesmo tempo, não deveria mais tergiversar e precisa cumprir o dever constitucional de indicar nomes para as vagas nos tribunais (assim como o Senado tinha a obrigação de sabatinar André Mendonça logo que havia sido indicado ministro do STF). A atitude de Bolsonaro deixa a Justiça manca em suas Cortes superiores, e a harmonia entre os Poderes ainda mais esgarçada com seus novos desafios aos ritos institucionais da democracia.

Ação dá ao STF chance para deter o desatino do ‘jabuti das térmicas’

O Globo

Quando o Legislativo erra, a saída é recorrer ao Judiciário. Foi o que fez o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado André Ceciliano (PT), diante da imposição absurda, incluída na lei de privatização da Eletrobras, de que sejam construídas termelétricas a gás natural distantes dos centros de extração do combustível. A Alerj entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade reivindicando a suspensão do “jabuti das térmicas”.

O motivo para a ação é compreensível. O Rio de Janeiro responde por 69% da produção de gás no Brasil, e a obrigação de levar o produto a usinas térmicas distantes, além de exigir a construção de uma malha de gasodutos que encareceria a energia para todos os brasileiros, afastaria do estado os investimentos necessários à ampliação do parque termelétrico brasileiro — as térmicas funcionam como seguro contra apagões, uma garantia contra as flutuações climáticas que afetam as demais tecnologias de geração (hidrelétrica, solar e eólica).

O fato de ser parte interessada, porém, não tira a razão da Alerj. Os argumentos contra a determinação de capacidade de geração e localização das termelétricas na lei de privatização são pertinentes. Primeiro, o tema nada tem a ver com a venda da estatal. Foi inserido de forma marota logo no primeiro artigo, como manobra para evitar o veto pelo presidente Jair Bolsonaro (que implicaria vetar a privatização).

Segundo, a imposição da geração de 8 gigawatts distribuídos por quatro regiões foi feita sem base técnica e à revelia dos mecanismos de mercado. O princípio correto seria estabelecer um terreno equilibrado para a competição dos diversos tipos de geração, de modo a garantir, ao mesmo tempo, a confiabilidade do sistema e o melhor resultado econômico no futuro, à medida que as tecnologias forem evoluindo.

É justamente esse princípio que embasa a ação da Alerj. Criar um terreno equilibrado significa respeitar a realidade. Assim como o Rio responde por mais de dois terços da geração termelétrica, o Nordeste concentra 70% da energia eólica, enquanto a maior usina solar da América Latina fica no Piauí. “Imagine-se o absurdo de, por lei ordinária federal, impor-se a contratação de usinas de energia eólica em território fluminense”, afirma o texto da ação,

A Alerj alega, por fim, que o transporte do gás às regiões distantes da produção acarretaria não apenas um custo financeiro “desnecessário”, mas também riscos ambientais que precisariam ter sido avaliados, como determina a Constituição.

O caminho mais razoável para corrigir o erro seria o próprio Congresso ter promovido uma discussão robusta sobre o futuro da matriz energética brasileira, delegando às autoridades reguladoras o dever de promover os leilões e licitações necessários segundo um planejamento de longo prazo. Infelizmente, não foi o que os parlamentares fizeram. O STF tem agora ao menos a oportunidade de interromper o desatino maior, dando ao Legislativo uma nova chance de consertar o estrago.

Agonia tucana

Folha de S. Paulo

Esforço do PSDB para tirar Doria da eleição reflete a fragilidade dos envolvidos

A disputa presidencial vem sendo marcada, desde que a campanha começou de fato com a reintrodução de Luiz Inácio Lula da Silva no jogo em 2021, pela perspectiva de afunilamento entre o petista e o incumbente, Jair Bolsonaro (PL).

As agruras da gestão federal desastrosa animaram a dita terceira via de centro-direita, mas a recuperação parcial do presidente nas pesquisas de intenção de voto esfriou os ânimos —enquanto nenhum outro nome mostrou até aqui um desempenho promissor.

Nesse contexto, sobressai-se o agônico impasse no PSDB. Depois de prévias fratricidas vencidas pelo então governador paulista, João Doria, o partido só fez rachar mais.

O tucano justificou a fama de pouco agregador e de traquejo duvidoso no trato da política tradicional, que vem dando as cartas na construção do cenário.

Doria já enfrentava forte oposição interna, que, comandada por Aécio Neves (MG), tentou derrotá-lo nas prévias, e passou a ser questionado até pela direção do PSDB acerca da validade do processo, que consumiu cerca de R$ 12 milhões em dinheiro público.

Marcado como inconfiável e sofrendo uma rejeição de 30% do eleitorado, apesar de ter capitaneado um governo estadual bem-sucedido, Doria não conseguiu apoios.

A União Brasil, que hoje abriga o ex-juiz Sergio Moro, resolveu deixar a pista da terceira via. Sobraram PSDB e MDB, este com um nome igualmente sem consenso, o da senadora Simone Tebet (MS), para definir a candidatura unificada.

Entretanto a ofensiva contra Doria viria de sua casa. O partido crê que só será possível manter o controle sobre São Paulo se o neotucano Rodrigo Garcia, vice de Doria que assumiu em abril, fizer campanha longe do antecessor. E perder o Palácio dos Bandeirantes pode ser a sentença de morte da sigla.

Doria notou o movimento e ameaçou judicializar o que vê como direito à legenda —o que incomodou os correligionários e Tebet. Após reuniões inócuas, os presidentes da federação PSDB-Cidadania e do MDB decidiram encaminhar o apoio à senadora aos partidos, na tentativa de pôr fim ao drama.

Seu curso apenas explicitou a anemia política dos atores daquele que já foi um dos principais partidos políticos brasileiros. De um lado, há a fixação individual por uma candidatura que empolga poucos; de outro, a disputa pelos talvez R$ 70 milhões a que Doria teria para gastar na campanha.

Lamentável para uma agremiação que coleciona contribuições fundamentais para a agenda nacional e mais de duas décadas à frente do estado mais rico do país.

Transparência às avessas

Folha de S. Paulo

Bolsonaro inverte princípio da Lei de Acesso à Informação e prefere o sigilo

O governo Jair Bolsonaro (PL) decidiu suspender um edital para compra de testes de Covid-19 após ser alertado pela Folha sobre um erro de aritmética. Em vez de reservar R$ 825 mil para a compra de 3.000 testes ao preço unitário de R$ 275, a concorrência previa R$ 925 mil. Ela agora será relançada com um acréscimo no valor por unidade.

Ainda que não tenha havido economia de dinheiro, o episódio mostra como a transparência pode ser vantajosa para a administração pública: ela permite que a sociedade civil denuncie práticas incompetentes ou ineficientes, ajudando os gestores a fazer melhor uso dos escassos recursos disponíveis.

Sob Bolsonaro, no entanto, situações como essa não são a regra. Invertendo o princípio da Lei de Acesso à Informação, que em novembro último completou uma década de existência, o mandatário dá reiteradas demonstrações de que prefere recorrer ao sigilo.

É possível, e até provável, que o presidente esteja seguindo uma mentalidade militar que divide o mundo em amigos e inimigos. Nesse mundo, falhas administrativas grosseiras são munição nas mãos dos inimigos e devem, portanto, permanecer escondidas.

Há ainda uma outra explicação que se impõe sobre as demais, embora não as exclua. Bolsonaro decreta um sigilo atrás do outro na esperança vã de que ficarão para sempre livre de escrutínio todos os atos questionáveis e suspeitos praticados em seu governo.

A governantes em geral incomodam a cobrança e a fiscalização. O que se vê hoje, porém, é um retrocesso acintoso. Num dos episódios mais notórios, a Presidência quis manter em segredo os encontros com os chamados pastores do MEC, emissários que intermediavam a liberação de recursos ligados ao Ministério da Educação.

Quando o governo cedeu, a sociedade soube que eles estiveram 35 vezes no Palácio do Planalto.
Em outro, decretou-se sigilo de cem anos ao processo interno que decidiu não punir o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, por participar de ato político ao lado do presidente.

A lista de exemplos é imensa. Inclui estoque de produtos vencidos do Ministério da Saúde, visita dos filhos de Bolsonaro ao Planalto, relatório sobre viagem à Rússia e documentos que embasaram autorização para matrícula da filha mais nova do mandatário em colégio militar, entre outros.

Com o tanto que esconde, Bolsonaro se revela: está menos interessado em melhorar a administração pública do que em omitir erros e ocultar desmandos.

A democracia tem como se defender

O Estado de S. Paulo

Disposição bolsonarista de perturbar a eleição não encontra apoio nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo, mostrando maturidade institucional do País

Jair Bolsonaro foi um mau militar, foi um mau deputado federal e é um mau presidente da República. Se as pesquisas de intenção de voto se confirmarem, em breve será também um mau perdedor. A baderna que ele corriqueiramente ameaça incitar se não sair vitorioso do pleito seria uma espécie de ônus com o qual o País haveria de arcar por ter ousado não reeleger o “mito”.

Só isso deveria bastar para que qualquer cidadão minimamente cioso do valor das liberdades democráticas, seja qual for a orientação político-ideológica, não confiasse ao atual presidente da República nem mais um voto sequer. Mas sabemos que a realidade não é assim. Malgrado a tragédia de sua administração em múltiplas áreas, Bolsonaro ainda conta com o apoio de mais brasileiros do que seria merecedor.

Por isso, é extremamente reconfortante observar que as instituições republicanas, a imprensa profissional e independente e muitas organizações da sociedade civil, cada uma a seu jeito e dentro dos limites de sua responsabilidade, têm se erguido contra a sordidez de um presidente que se presta dia e noite a sobressaltar o País com seus fantasmas, em vez de cuidar dos problemas verdadeiros que afligem milhões de brasileiros: a fome, o desemprego, a inflação alta, a crise na educação e na saúde, a destruição do meio ambiente.

Em primeiro lugar, destacam-se as Forças Armadas entre as instituições que não têm dado sinais de que embarcariam na aventura golpista que Bolsonaro urde há algum tempo. É claro que há militares de diversas patentes, da ativa e da reserva, que apoiam Bolsonaro e, lamentavelmente, dão respaldo às suas imposturas. Mas não houve até o momento a mínima sugestão de oficiais generais com tropas sob seu comando de que estariam dispostos a fazer letra morta da Constituição para defender os interesses particulares do presidente, arruinando os do Brasil.

Os presidentes das duas Casas Legislativas, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), também já se manifestaram publicamente em algumas ocasiões afastando qualquer sinal de anuência do Congresso às más intenções de Bolsonaro, em defesa da Constituição e do sistema eleitoral do País. Em tempos normais, seria ocioso fazê-lo, mas o sinal foi importante. E não apenas por meio de palavras, mas de ações. Convém lembrar que os parlamentares em boa hora derrubaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, frustrando a montagem de mais essa armadilha de Bolsonaro.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são outras instituições que funcionam regularmente e têm cumprido suas obrigações constitucionais. Tanto é assim que o STF e o TSE são os alvos preferenciais de Bolsonaro e sua horda de camisas pardas. Uma a uma, todas as tentativas do presidente de desqualificar o sistema eleitoral brasileiro têm sido combatidas com vigor pelo Poder Judiciário. O TSE, particularmente, tem sido incansável no trabalho de esclarecimento da população sobre a segurança das urnas eletrônicas.

Em número recorde, milhões de jovens de 16 e 17 anos responderam ao chamamento de artistas e do TSE para participar das eleições, um sinal inequívoco de fé da nova geração no futuro do País.

Tome-se até mesmo a Petrobras, tão aviltada por Bolsonaro recentemente. A empresa tem sido exemplo de resistência profissional aos ataques do presidente. Em discursos pelo País ou em suas lives semanais, Bolsonaro pode berrar o quanto quiser contra a política de preços da Petrobras, mas, ao fim e ao cabo, tem prevalecido o arcabouço jurídico que mantém a sua autonomia administrativa.

Em suma, o clima no País está péssimo, mas poderia estar muito pior caso Bolsonaro tivesse logrado cooptar todas essas forças republicanas em prol de seu desiderato golpista. Mais cedo do que tarde, o presidente verá que derrubar a democracia consagrada pela Carta de 1988 estava muito além de suas forças.

A urgência do auxílio aos mais vulneráveis

O Estado de S. Paulo

Artigo no FMI alerta para o risco de tensão social na América Latina se os governos não protegerem a população mais pobre

Desigualdades sociais históricas, deficiências estruturais que limitam o crescimento, práticas fiscais tradicionalmente frouxas e dívida pública alta e sempre beirando o descontrole, entre outras características, tornam a América Latina uma região particularmente vulnerável às mudanças no cenário internacional provocadas pela retomada da inflação em escala mundial e pela guerra na Ucrânia. Já acossados por problemas financeiros, que as necessárias políticas de enfrentamento da pandemia agravaram, e com o encarecimento de sua dívida, especialmente a externa, por causa da alta dos juros, os governos da região precisam fazer mais do que já faziam; em alguns casos devem começar a fazer o que não vinham fazendo. Velhos problemas podem se agravar e novos devem surgir. Há muitos desafios e muitos riscos.

A alta de commodities exportadas pelos países da região pode trazer-lhes algumas vantagens, mas nem os ganhos gerados pelo comércio exterior serão suficientes para afastar o risco de agravamento do drama social. Altas taxas de pobreza e carência de rede de proteção social em áreas vitais como educação e saúde, além da perda de renda dos mais pobres, impõem aos governos a necessidade de, ao mesmo tempo, enfrentar os riscos econômicos trazidos pelo novo cenário e colocar em prática políticas de proteção para a parcela mais vulnerável da população, que está crescendo na maior parte dos países da região.

“Para assegurar a coesão social e reduzir os riscos de tensão social, os governos devem proporcionar apoio direcionado e temporário às famílias vulneráveis e de baixa renda, permitindo, ao mesmo tempo, o ajuste dos preços internos aos praticados no mercado internacional”, recomendam o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, e dois outros técnicos do Fundo em artigo publicado no portal da instituição. O título do artigo, A América Latina enfrenta riscos excepcionalmente altos, já deixa óbvia a dimensão dos desafios.

O impacto da invasão da Ucrânia sobre a atividade econômica mundial vem sendo apontado há tempos e inclui a alta do petróleo e derivados, do gás consumido em larga escala na Europa, de importantes itens do agronegócio como trigo e fertilizantes, além de medidas defensivas tomadas por autoridades monetárias em muitos países para conter o efeito inflacionário das mudanças.

No plano financeiro, as condições para a obtenção de financiamento internacional ficaram mais apertadas e o custo dessas operações está subindo por causa da alta de juros consumada ou prestes a se consumar nos principais mercados. Aumento do custo da dívida externa e fuga de capitais representam desafios para a América Latina neste momento, aponta o estudo do FMI.

O esforço para a retomada do crescimento após a pandemia, que parecia trazer resultados animadores no ano passado, está perdendo impulso. Projeções para o crescimento em 2022 estão sendo revistas para baixo por instituições locais e internacionais.

No plano social, os grupos sociais mais vulneráveis são os mais duramente prejudicados pela alta dos preços dos alimentos básicos e da energia, “enquanto ainda lutam para se recuperar do impacto econômico da pandemia”, afirmam Goldfajn e seus parceiros do FMI. A situação era ruim e está piorando.

O papel dos governos nesse quadro, recomendam, é “implementar medidas que protejam os mais vulneráveis”. Entre as medidas, citam a preservação dos gastos públicos em programas sociais, saúde, educação e investimentos. Medidas tributárias que estimulem a inclusão social e econômica das camadas mais pobres são igualmente recomendáveis.

E tudo isso deve ser feito com a preservação da sustentabilidade fiscal, isto é, sem o aumento do déficit público, justamente num momento em que a desaceleração da economia comprime a receita dos governos. Haverá na região alguns capazes de responder com eficiência a esse desafio. Com certeza não é esse o caso do governo brasileiro.

O sarrafo moral da Alesp

O Estado de S.Paulo

Arthur do Val só foi cassado porque colecionou inimigos entre os pares. A Alesp não sai maior desse episódio

A cassação de um mandato eletivo é uma medida extrema que, em última análise, se presta a resguardar a integridade institucional do Parlamento e, consequentemente, fortalecer a própria democracia representativa por meio do expurgo de parlamentares que não se comportam à altura da confiança neles depositada por seus eleitores.

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) cassou o mandato de Arthur do Val (União Brasil) por quebra de decoro parlamentar, tornando-o inelegível por oito anos. A bem da verdade, o destino político do ex-deputado já estava traçado desde a autorização da abertura do processo disciplinar contra ele no âmbito do Conselho de Ética da Alesp. No entanto, permanece a questão de fundo: afinal, a Alesp saiu maior desse lamentável episódio envolvendo um dos seus? Definitivamente, não. Nada indica que a bússola moral da Casa tenha sido recalibrada.

O País inteiro conhece a razão pela qual Arthur do Val foi processado por seus pares. Ainda estão frescas na memória as mensagens privadas que o ex-deputado enviou a um grupo de amigos, durante “viagem humanitária” à Ucrânia, nas quais, em termos rasteiros, desrespeitou as mulheres daquele país. Porém, uma coisa é a razão oficial que ensejou a abertura do processo disciplinar contra o chamado “Mamãe Falei”. Outra, completamente diferente, é o motivo real que levou à perda de seu mandato. Arthur do Val foi cassado porque colecionou inimigos na Alesp, sobretudo em virtude de seu comportamento destemperado, e não pelo que disse. O placar que selou seu destino político fala por si só: foram 73 votos a favor da cassação e nenhum contra.

Tivesse amigos na Casa, é muito provável que Arthur do Val ainda estivesse circulando pelo Palácio 9 de Julho, a despeito de ter depreciado sexualmente mulheres vítimas de uma guerra de agressão. As relações pessoais entre colegas de Parlamento são muito mais determinantes para o desfecho de um processo de cassação de mandato do que a reprovabilidade do comportamento do mandatário.

À luz da razão, é inexplicável o fato de Arthur do Val ter sido cassado, em tese, pelo que disse – ainda que suas falas tenham sido ultrajantes – e o deputado Fernando Cury, também do União Brasil, tenha tido o seu mandato preservado depois de, maliciosamente, apalpar os seios de uma colega, a deputada Isa Penna (PSOL), diante da Mesa Diretora da Alesp. Nem as imagens da violência sofrida por Isa Penna bastaram para sensibilizar seus colegas.

De uns tempos para cá, o comportamento cafajeste de alguns parlamentares deixou de ser “apenas” tolerado para ser premiado. A reprimenda é exceção. Jair Bolsonaro é o exemplo mais nocivo dessa permissividade. Quando deputado federal, disse e fez coisas muito mais indecorosas do que Arthur do Val, Fernando Cury e tantos outros. Não só não foi cassado quando deveria, como chegou à Presidência da República. Qual teria sido a história do País acaso a Câmara dos Deputados tivesse uma nesga desse inaudito ímpeto moralizador demonstrado pela Alesp?

Crise da fome se agrava e exige iniciativa global

Valor Econômico

Um esforço conjunto de instituições da sociedade civil, Ongs e governos municipais e estaduais precisa ser feito para minorar a fome

A fome vai se espalhando pelo mundo e se tornando um problema global à medida que a invasão da Ucrânia pela Rússia não tem data para acabar e as negociações para isso sequer têm continuidade. As populações de baixa renda e pobres do mundo em desenvolvimento foram atingidas por uma terrível conjunção de fatores, antigos e novos. Agravadas pela pandemia, tornaram-se insuportáveis com as consequências para o abastecimento de comida, seus preços e o fenômeno pervasivo da inflação, em alta no mundo inteiro.

A secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, anunciou ontem em reunião do G-7, que reúne as nações mais ricas, que EUA e as principais instituições financeiras multilaterais e regionais - Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial à frente - vão agir em conjunto para mitigar a fome no mundo e, com isso, evitar uma onda de descontentamento e revoltas sociais nos países mais pobres. Na crise dos alimentos de 2007-08, elas ocorreram em mais de 40 países. Um mutirão envolverá bancos de desenvolvimento da Ásia e da África que buscará apoiar as pessoas vulneráveis, reduzir a escassez de fertilizantes, incentivar o aumento da produção de alimentos, investir em agricultura sustentável e promover o livre comércio.

Este último ponto é particularmente crítico, porque a proibição de exportações está agravando a crise provocada pela guerra. Já são 23 os países que adotaram a restrição, entre eles a Índia (trigo), Indonésia (óleo de palma) e China (fertilizantes). Essas medidas pioram a situação dos preços e da oferta, agravadas pelo choque da guerra. Rússia e Ucrânia fornecem 30% do trigo mundial e 60% do óleo de girassol. Com o óleo de palma indonésio fora do mercado, 40% da oferta internacional de óleos vegetais se tornaram de difícil acesso.

A situação da oferta continuará apertada no futuro próximo, a menos que uma surpresa traga a paz de volta à Ucrânia. A Rússia é o terceiro maior produtor de fósforo, o maior produtor de nitrogênio após os países do Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã e Catar), e um dos três maiores exportadores de potássio, ao lado do satélite Belarus e do Canadá. Como as sanções financeiras contra Vladimir Putin não têm prazo para acabar, o fornecimento de fertilizantes para a próxima safra no Hemisfério Sul terá sérios problemas.

Mesmo com preços e condições climáticas favoráveis, a oferta de alimentos pode na verdade até diminuir por falta de insumos vitais para o plantio. No caso do trigo, por exemplo, a FAO, órgão da ONU, estima que de 20-30% das terras agricultáveis ucranianas ficarão sem culturas em 2022.

Os preços dos alimentos já vinham subindo antes da guerra e dispararam novamente depois. Até abril, subiram 30% e, ao lado dos preços da energia, são os principais impulsionadores da inflação global. Assim, mesmo em países onde não faltam alimentos, como o Brasil, um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, as famílias de baixa renda e pobres passaram, com a inflação, a não ter dinheiro suficiente para levar para a casa o mínimo necessário a uma alimentação decente.

O tamanho do problema que a fome arma foi desenhado pela secretária-geral da Unctad, Rebeca Grynspan, ao Valor. Há três canais principais pelos quais os efeitos da guerra se propagaram: aumento dos preços dos alimentos, dos preços da energia e aperto das condições financeiras. Segundo ela, há 69 países - 25 da África, 25 da Ásia e Pacífico e 19 da América Latina - que são afetados pelos três ao mesmo tempo. Números do Banco Mundial apontam que a cada aumento de um ponto percentual no preço de alimentos, 10 milhões de pessoas no mundo ingressam na extrema pobreza. Já a FAO estima que a guerra na Ucrânia lançará de 8 milhões a 13 milhões de pessoas na situação de insegurança alimentar, que se somarão às mais de 810 milhões que já vivem nesta situação em todo o mundo.

Por sua pujança agrícola, o Brasil é um capítulo vergonhoso à parte. Após anos de recessão e baixo crescimento, o país voltou ao Mapa da Fome em 2018. Pesquisas indicam que as pessoas que não conseguem obter os alimentos que precisam aumentaram de 16 milhões naquele ano para 19 milhões em 2020. O Datafolha apontou que 35% das famílias com renda de até dois salários mínimos indicaram que a comida a que têm acesso é insuficiente. O governo de Bolsonaro ignora a questão. Um esforço conjunto de instituições da sociedade civil, Ongs e governos municipais e estaduais precisa ser feito para minorar um problema que se tornou alarmante também Brasil afora.

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