Editoriais
Bolsonaro tem obsessão por aparelhar
Justiça
O Globo
Aparelhar o Judiciário é o capítulo número
um do manual do autocrata contemporâneo, seja na Hungria, na Venezuela ou no
Brasil. Não há, portanto, mistério algum na intenção do presidente Jair
Bolsonaro quando tenta intimidar o ministro Alexandre de Moraes, visto como uma
espécie de nêmesis do bolsonarismo no Supremo Tribunal Federal (STF). Ou quando
diz a aliados que pretende “sentar em cima” da lista tríplice para a vaga de
ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que não indicaria “críticos do
governo” às duas vagas abertas no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Bolsonaro
tem demonstrado uma obsessão tenaz com o Judiciário.
Seu alvo principal é o STF, que tem mantido
a independência e imposto limites a seus desígnios autoritários. Ele entrou
ontem com ação acusando Moraes de abuso de autoridade, recusada pelo ministro
Dias Toffoli, que não viu indício de delito. Em seguida, enviou representação à
Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo que Moraes fosse investigado.
Nada disso terá consequência prática além de reforçar, entre seus acólitos, a
animosidade contra Moraes, que presidirá o TSE na eleição.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro decidiu travar as indicações ao TSE e ao STJ. O
motivo: nenhum dos nomes que constam da lista submetida como determina a lei
lhe agrada. No caso do STJ, a preocupação parece terrena: cedo ou tarde passam
por lá processos criminais contra seus familiares, das rachadinhas atribuídas
ao primogênito Flávio às acusações recentes contra o jovem Jair Renan. A
obsessão mais preocupante, porém, é com as Cortes eleitorais.
A interlocutores do meio jurídico, de acordo com a colunista do GLOBO Malu Gaspar, Bolsonaro afirmou que pensava devolver a lista de indicados ao TSE, plano descabido que parece ter abandonado. Desde a redemocratização, o único ocupante do Planalto que demorou a indicar nomes ao TSE foi Dilma Rousseff. A motivação dela, no entanto, era distinta: não julgava o tema prioridade. Bolsonaro, em contrapartida, amplia a cada dia seu histórico de mentiras, ofensas e ameaças desferidas contra o sistema de votação. Questiona a lisura das urnas eletrônicas sem nenhuma prova, como pretexto para contestar o resultado caso perca a eleição.
É compreensível que, nessa estratégia,
tente criar elementos jurídicos para questionar a motivação de qualquer decisão
futura de Moraes, quando presidente do TSE, sobre contestações ao resultado das
urnas — daí os movimentos no TSE e na PGR. E que tente contar com juízes
camaradas para referendar seus absurdos nos tribunais. Tudo isso seria uma
forma de emprestar um verniz de legalidade a qualquer tentativa de golpe.
A relação do presidente da República com o
Judiciário é ditada pela Constituição. Bolsonaro pode espernear, mas não pode
contestar decisões que desagradam nem usá-las para justificar seu golpismo. Ao
mesmo tempo, não deveria mais tergiversar e precisa cumprir o dever
constitucional de indicar nomes para as vagas nos tribunais (assim como o
Senado tinha a obrigação de sabatinar André Mendonça logo que havia sido
indicado ministro do STF). A atitude de Bolsonaro deixa a Justiça manca em suas
Cortes superiores, e a harmonia entre os Poderes ainda mais esgarçada com seus
novos desafios aos ritos institucionais da democracia.
Ação dá ao STF chance para deter o desatino
do ‘jabuti das térmicas’
O Globo
Quando o Legislativo erra, a saída é
recorrer ao Judiciário. Foi o que fez o presidente da Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro (Alerj), deputado André Ceciliano (PT), diante da imposição
absurda, incluída na lei de privatização da Eletrobras, de que sejam
construídas termelétricas a gás natural distantes dos centros de extração do
combustível. A Alerj entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta
de Inconstitucionalidade reivindicando a suspensão do “jabuti das térmicas”.
O motivo para a ação é compreensível. O Rio
de Janeiro responde por 69% da produção de gás no Brasil, e a obrigação de
levar o produto a usinas térmicas distantes, além de exigir a construção de uma
malha de gasodutos que encareceria a energia para todos os brasileiros,
afastaria do estado os investimentos necessários à ampliação do parque
termelétrico brasileiro — as térmicas funcionam como seguro contra apagões, uma
garantia contra as flutuações climáticas que afetam as demais tecnologias de
geração (hidrelétrica, solar e eólica).
O fato de ser parte interessada, porém, não
tira a razão da Alerj. Os argumentos contra a determinação de capacidade de
geração e localização das termelétricas na lei de privatização são pertinentes.
Primeiro, o tema nada tem a ver com a venda da estatal. Foi inserido de forma
marota logo no primeiro artigo, como manobra para evitar o veto pelo presidente
Jair Bolsonaro (que implicaria vetar a privatização).
Segundo, a imposição da geração de 8
gigawatts distribuídos por quatro regiões foi feita sem base técnica e à
revelia dos mecanismos de mercado. O princípio correto seria estabelecer um
terreno equilibrado para a competição dos diversos tipos de geração, de modo a
garantir, ao mesmo tempo, a confiabilidade do sistema e o melhor resultado
econômico no futuro, à medida que as tecnologias forem evoluindo.
É justamente esse princípio que embasa a
ação da Alerj. Criar um terreno equilibrado significa respeitar a realidade.
Assim como o Rio responde por mais de dois terços da geração termelétrica, o
Nordeste concentra 70% da energia eólica, enquanto a maior usina solar da
América Latina fica no Piauí. “Imagine-se o absurdo de, por lei ordinária
federal, impor-se a contratação de usinas de energia eólica em território
fluminense”, afirma o texto da ação,
A Alerj alega, por fim, que o transporte do
gás às regiões distantes da produção acarretaria não apenas um custo financeiro
“desnecessário”, mas também riscos ambientais que precisariam ter sido
avaliados, como determina a Constituição.
O caminho mais razoável para corrigir o erro seria o próprio Congresso ter promovido uma discussão robusta sobre o futuro da matriz energética brasileira, delegando às autoridades reguladoras o dever de promover os leilões e licitações necessários segundo um planejamento de longo prazo. Infelizmente, não foi o que os parlamentares fizeram. O STF tem agora ao menos a oportunidade de interromper o desatino maior, dando ao Legislativo uma nova chance de consertar o estrago.
Agonia tucana
Folha de S. Paulo
Esforço do PSDB para tirar Doria da eleição
reflete a fragilidade dos envolvidos
A disputa presidencial vem sendo marcada,
desde que a campanha começou de fato com a reintrodução de Luiz Inácio Lula da
Silva no jogo em 2021, pela perspectiva de afunilamento entre o petista e o
incumbente, Jair Bolsonaro (PL).
As agruras da gestão federal desastrosa
animaram a dita terceira via de centro-direita, mas a recuperação parcial do
presidente nas pesquisas de intenção de voto esfriou os ânimos —enquanto nenhum
outro nome mostrou até aqui um desempenho promissor.
Nesse contexto, sobressai-se o agônico
impasse no PSDB. Depois de prévias fratricidas vencidas pelo então governador
paulista, João Doria, o partido só fez rachar mais.
O tucano justificou a fama
de pouco agregador e de traquejo duvidoso no trato da política
tradicional, que vem dando as cartas na construção do cenário.
Doria já enfrentava forte oposição interna,
que, comandada por Aécio Neves (MG), tentou derrotá-lo nas prévias, e passou a
ser questionado até pela direção do PSDB acerca da validade do processo, que
consumiu cerca de R$ 12 milhões em dinheiro público.
Marcado como inconfiável e sofrendo uma
rejeição de 30% do eleitorado, apesar de ter capitaneado um governo estadual
bem-sucedido, Doria não conseguiu apoios.
A União Brasil, que hoje abriga o ex-juiz
Sergio Moro, resolveu deixar a pista da terceira via. Sobraram PSDB e MDB, este
com um nome igualmente sem consenso, o da senadora Simone Tebet (MS), para
definir a candidatura unificada.
Entretanto a ofensiva contra Doria viria de
sua casa. O partido crê que só será possível manter o controle sobre São Paulo
se o neotucano Rodrigo Garcia, vice de Doria que assumiu em abril, fizer
campanha longe do antecessor. E perder o Palácio dos Bandeirantes pode ser a
sentença de morte da sigla.
Doria notou o movimento e ameaçou
judicializar o que vê como direito à legenda —o que incomodou os
correligionários e Tebet. Após reuniões inócuas, os presidentes da federação
PSDB-Cidadania e do MDB decidiram encaminhar
o apoio à senadora aos partidos, na tentativa de pôr fim ao drama.
Seu curso apenas explicitou a anemia
política dos atores daquele que já foi um dos principais partidos políticos
brasileiros. De um lado, há a fixação individual por uma candidatura que
empolga poucos; de outro, a disputa pelos talvez R$ 70 milhões a que Doria
teria para gastar na campanha.
Lamentável para uma agremiação que
coleciona contribuições fundamentais para a agenda nacional e mais de duas
décadas à frente do estado mais rico do país.
Transparência às avessas
Folha de S. Paulo
Bolsonaro inverte princípio da Lei de
Acesso à Informação e prefere o sigilo
O governo Jair Bolsonaro (PL) decidiu
suspender um edital para compra de testes de Covid-19 após ser alertado
pela Folha sobre um erro de
aritmética. Em vez de reservar R$ 825 mil para a compra de 3.000 testes ao
preço unitário de R$ 275, a concorrência previa R$ 925 mil. Ela agora será
relançada com um acréscimo no valor por unidade.
Ainda que não tenha havido economia de dinheiro,
o episódio mostra como a transparência pode ser vantajosa para a administração
pública: ela permite que a sociedade civil denuncie práticas incompetentes ou
ineficientes, ajudando os gestores a fazer melhor uso dos escassos recursos
disponíveis.
Sob Bolsonaro, no entanto, situações como
essa não são a regra. Invertendo o princípio
da Lei de Acesso à Informação, que em novembro último completou uma década
de existência, o mandatário dá reiteradas demonstrações de que prefere recorrer
ao sigilo.
É possível, e até provável, que o
presidente esteja seguindo uma mentalidade militar que divide o mundo em amigos
e inimigos. Nesse mundo, falhas administrativas grosseiras são munição nas mãos
dos inimigos e devem, portanto, permanecer escondidas.
Há ainda uma outra explicação que se impõe
sobre as demais, embora não as exclua. Bolsonaro decreta um sigilo atrás do
outro na esperança vã de que ficarão para sempre livre de escrutínio todos os
atos questionáveis e suspeitos praticados em seu governo.
A governantes em geral incomodam a cobrança
e a fiscalização. O que se vê hoje, porém, é um retrocesso acintoso. Num dos
episódios mais notórios, a Presidência quis manter em segredo os encontros com
os chamados pastores do MEC, emissários que intermediavam a liberação de
recursos ligados ao Ministério da Educação.
Quando o governo cedeu, a sociedade soube
que eles estiveram 35 vezes no Palácio do Planalto.
Em outro, decretou-se sigilo de cem anos ao processo interno que decidiu não
punir o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, por participar de ato
político ao lado do presidente.
A lista de exemplos é imensa. Inclui estoque
de produtos vencidos do Ministério da Saúde, visita dos filhos de Bolsonaro
ao Planalto, relatório sobre viagem à Rússia e documentos que embasaram
autorização para matrícula da filha mais nova do mandatário em colégio militar,
entre outros.
Com o tanto que esconde, Bolsonaro se revela: está menos interessado em melhorar a administração pública do que em omitir erros e ocultar desmandos.
A democracia tem como se defender
O Estado de S. Paulo
Disposição bolsonarista de perturbar a eleição não encontra apoio nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo, mostrando maturidade institucional do País
Jair Bolsonaro foi um mau militar, foi um
mau deputado federal e é um mau presidente da República. Se as pesquisas de
intenção de voto se confirmarem, em breve será também um mau perdedor. A
baderna que ele corriqueiramente ameaça incitar se não sair vitorioso do pleito
seria uma espécie de ônus com o qual o País haveria de arcar por ter ousado não
reeleger o “mito”.
Só isso deveria bastar para que qualquer
cidadão minimamente cioso do valor das liberdades democráticas, seja qual for a
orientação político-ideológica, não confiasse ao atual presidente da República
nem mais um voto sequer. Mas sabemos que a realidade não é assim. Malgrado a
tragédia de sua administração em múltiplas áreas, Bolsonaro ainda conta com o
apoio de mais brasileiros do que seria merecedor.
Por isso, é extremamente reconfortante
observar que as instituições republicanas, a imprensa profissional e
independente e muitas organizações da sociedade civil, cada uma a seu jeito e
dentro dos limites de sua responsabilidade, têm se erguido contra a sordidez de
um presidente que se presta dia e noite a sobressaltar o País com seus
fantasmas, em vez de cuidar dos problemas verdadeiros que afligem milhões de
brasileiros: a fome, o desemprego, a inflação alta, a crise na educação e na
saúde, a destruição do meio ambiente.
Em primeiro lugar, destacam-se as Forças
Armadas entre as instituições que não têm dado sinais de que embarcariam na
aventura golpista que Bolsonaro urde há algum tempo. É claro que há militares
de diversas patentes, da ativa e da reserva, que apoiam Bolsonaro e,
lamentavelmente, dão respaldo às suas imposturas. Mas não houve até o momento a
mínima sugestão de oficiais generais com tropas sob seu comando de que estariam
dispostos a fazer letra morta da Constituição para defender os interesses
particulares do presidente, arruinando os do Brasil.
Os presidentes das duas Casas Legislativas,
o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), também já
se manifestaram publicamente em algumas ocasiões afastando qualquer sinal de
anuência do Congresso às más intenções de Bolsonaro, em defesa da Constituição
e do sistema eleitoral do País. Em tempos normais, seria ocioso fazê-lo, mas o
sinal foi importante. E não apenas por meio de palavras, mas de ações. Convém
lembrar que os parlamentares em boa hora derrubaram a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) do voto impresso, frustrando a montagem de mais essa
armadilha de Bolsonaro.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são outras instituições que funcionam
regularmente e têm cumprido suas obrigações constitucionais. Tanto é assim que
o STF e o TSE são os alvos preferenciais de Bolsonaro e sua horda de camisas
pardas. Uma a uma, todas as tentativas do presidente de desqualificar o sistema
eleitoral brasileiro têm sido combatidas com vigor pelo Poder Judiciário. O
TSE, particularmente, tem sido incansável no trabalho de esclarecimento da
população sobre a segurança das urnas eletrônicas.
Em número recorde, milhões de jovens de 16
e 17 anos responderam ao chamamento de artistas e do TSE para participar das
eleições, um sinal inequívoco de fé da nova geração no futuro do País.
Tome-se até mesmo a Petrobras, tão aviltada
por Bolsonaro recentemente. A empresa tem sido exemplo de resistência
profissional aos ataques do presidente. Em discursos pelo País ou em suas lives
semanais, Bolsonaro pode berrar o quanto quiser contra a política de preços da
Petrobras, mas, ao fim e ao cabo, tem prevalecido o arcabouço jurídico que
mantém a sua autonomia administrativa.
Em suma, o clima no País está péssimo, mas
poderia estar muito pior caso Bolsonaro tivesse logrado cooptar todas essas
forças republicanas em prol de seu desiderato golpista. Mais cedo do que tarde,
o presidente verá que derrubar a democracia consagrada pela Carta de 1988
estava muito além de suas forças.
A urgência do auxílio aos mais vulneráveis
O Estado de S. Paulo
Artigo no FMI alerta para o risco de tensão social na América Latina se os governos não protegerem a população mais pobre
Desigualdades sociais históricas,
deficiências estruturais que limitam o crescimento, práticas fiscais
tradicionalmente frouxas e dívida pública alta e sempre beirando o descontrole,
entre outras características, tornam a América Latina uma região
particularmente vulnerável às mudanças no cenário internacional provocadas pela
retomada da inflação em escala mundial e pela guerra na Ucrânia. Já acossados
por problemas financeiros, que as necessárias políticas de enfrentamento da
pandemia agravaram, e com o encarecimento de sua dívida, especialmente a
externa, por causa da alta dos juros, os governos da região precisam fazer mais
do que já faziam; em alguns casos devem começar a fazer o que não vinham
fazendo. Velhos problemas podem se agravar e novos devem surgir. Há muitos
desafios e muitos riscos.
A alta de commodities exportadas pelos
países da região pode trazer-lhes algumas vantagens, mas nem os ganhos gerados
pelo comércio exterior serão suficientes para afastar o risco de agravamento do
drama social. Altas taxas de pobreza e carência de rede de proteção social em
áreas vitais como educação e saúde, além da perda de renda dos mais pobres,
impõem aos governos a necessidade de, ao mesmo tempo, enfrentar os riscos
econômicos trazidos pelo novo cenário e colocar em prática políticas de
proteção para a parcela mais vulnerável da população, que está crescendo na
maior parte dos países da região.
“Para assegurar a coesão social e reduzir
os riscos de tensão social, os governos devem proporcionar apoio direcionado e
temporário às famílias vulneráveis e de baixa renda, permitindo, ao mesmo tempo,
o ajuste dos preços internos aos praticados no mercado internacional”,
recomendam o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e ex-presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn,
e dois outros técnicos do Fundo em artigo publicado no portal da
instituição. O título do artigo, A
América Latina enfrenta riscos excepcionalmente altos, já deixa óbvia a
dimensão dos desafios.
O impacto da invasão da Ucrânia sobre a
atividade econômica mundial vem sendo apontado há tempos e inclui a alta do
petróleo e derivados, do gás consumido em larga escala na Europa, de
importantes itens do agronegócio como trigo e fertilizantes, além de medidas
defensivas tomadas por autoridades monetárias em muitos países para conter o
efeito inflacionário das mudanças.
No plano financeiro, as condições para a
obtenção de financiamento internacional ficaram mais apertadas e o custo dessas
operações está subindo por causa da alta de juros consumada ou prestes a se
consumar nos principais mercados. Aumento do custo da dívida externa e fuga de
capitais representam desafios para a América Latina neste momento, aponta o
estudo do FMI.
O esforço para a retomada do crescimento
após a pandemia, que parecia trazer resultados animadores no ano passado, está
perdendo impulso. Projeções para o crescimento em 2022 estão sendo revistas
para baixo por instituições locais e internacionais.
No plano social, os grupos sociais mais
vulneráveis são os mais duramente prejudicados pela alta dos preços dos
alimentos básicos e da energia, “enquanto ainda lutam para se recuperar do
impacto econômico da pandemia”, afirmam Goldfajn e seus parceiros do FMI. A
situação era ruim e está piorando.
O papel dos governos nesse quadro,
recomendam, é “implementar medidas que protejam os mais vulneráveis”. Entre as
medidas, citam a preservação dos gastos públicos em programas sociais, saúde,
educação e investimentos. Medidas tributárias que estimulem a inclusão social e
econômica das camadas mais pobres são igualmente recomendáveis.
E tudo isso deve ser feito com a
preservação da sustentabilidade fiscal, isto é, sem o aumento do déficit
público, justamente num momento em que a desaceleração da economia comprime a
receita dos governos. Haverá na região alguns capazes de responder com
eficiência a esse desafio. Com certeza não é esse o caso do governo brasileiro.
O sarrafo moral da Alesp
O Estado de S.Paulo
Arthur do Val só foi cassado porque colecionou inimigos entre os pares. A Alesp não sai maior desse episódio
A cassação de um mandato eletivo é uma
medida extrema que, em última análise, se presta a resguardar a integridade
institucional do Parlamento e, consequentemente, fortalecer a própria
democracia representativa por meio do expurgo de parlamentares que não se
comportam à altura da confiança neles depositada por seus eleitores.
A Assembleia Legislativa do Estado de São
Paulo (Alesp) cassou o mandato de Arthur do Val (União Brasil) por quebra de
decoro parlamentar, tornando-o inelegível por oito anos. A bem da verdade, o
destino político do ex-deputado já estava traçado desde a autorização da
abertura do processo disciplinar contra ele no âmbito do Conselho de Ética da
Alesp. No entanto, permanece a questão de fundo: afinal, a Alesp saiu maior
desse lamentável episódio envolvendo um dos seus? Definitivamente, não. Nada
indica que a bússola moral da Casa tenha sido recalibrada.
O País inteiro conhece a razão pela qual
Arthur do Val foi processado por seus pares. Ainda estão frescas na memória as
mensagens privadas que o ex-deputado enviou a um grupo de amigos, durante
“viagem humanitária” à Ucrânia, nas quais, em termos rasteiros, desrespeitou as
mulheres daquele país. Porém, uma coisa é a razão oficial que ensejou a
abertura do processo disciplinar contra o chamado “Mamãe Falei”. Outra,
completamente diferente, é o motivo real que levou à perda de seu mandato.
Arthur do Val foi cassado porque colecionou inimigos na Alesp, sobretudo em
virtude de seu comportamento destemperado, e não pelo que disse. O placar que
selou seu destino político fala por si só: foram 73 votos a favor da cassação e
nenhum contra.
Tivesse amigos na Casa, é muito provável
que Arthur do Val ainda estivesse circulando pelo Palácio 9 de Julho, a
despeito de ter depreciado sexualmente mulheres vítimas de uma guerra de
agressão. As relações pessoais entre colegas de Parlamento são muito mais
determinantes para o desfecho de um processo de cassação de mandato do que a
reprovabilidade do comportamento do mandatário.
À luz da razão, é inexplicável o fato de
Arthur do Val ter sido cassado, em tese, pelo que disse – ainda que suas falas
tenham sido ultrajantes – e o deputado Fernando Cury, também do União Brasil,
tenha tido o seu mandato preservado depois de, maliciosamente, apalpar os seios
de uma colega, a deputada Isa Penna (PSOL), diante da Mesa Diretora da Alesp.
Nem as imagens da violência sofrida por Isa Penna bastaram para sensibilizar
seus colegas.
De uns tempos para cá, o comportamento cafajeste de alguns parlamentares deixou de ser “apenas” tolerado para ser premiado. A reprimenda é exceção. Jair Bolsonaro é o exemplo mais nocivo dessa permissividade. Quando deputado federal, disse e fez coisas muito mais indecorosas do que Arthur do Val, Fernando Cury e tantos outros. Não só não foi cassado quando deveria, como chegou à Presidência da República. Qual teria sido a história do País acaso a Câmara dos Deputados tivesse uma nesga desse inaudito ímpeto moralizador demonstrado pela Alesp?
Crise da fome se agrava e exige iniciativa
global
Valor Econômico
Um esforço conjunto de instituições da
sociedade civil, Ongs e governos municipais e estaduais precisa ser feito para
minorar a fome
A fome vai se espalhando pelo mundo e se
tornando um problema global à medida que a invasão da Ucrânia pela Rússia não
tem data para acabar e as negociações para isso sequer têm continuidade. As
populações de baixa renda e pobres do mundo em desenvolvimento foram atingidas
por uma terrível conjunção de fatores, antigos e novos. Agravadas pela
pandemia, tornaram-se insuportáveis com as consequências para o abastecimento
de comida, seus preços e o fenômeno pervasivo da inflação, em alta no mundo
inteiro.
A secretária do Tesouro americano, Janet
Yellen, anunciou ontem em reunião do G-7, que reúne as nações mais ricas, que
EUA e as principais instituições financeiras multilaterais e regionais - Fundo
Monetário Internacional e Banco Mundial à frente - vão agir em conjunto para
mitigar a fome no mundo e, com isso, evitar uma onda de descontentamento e
revoltas sociais nos países mais pobres. Na crise dos alimentos de 2007-08,
elas ocorreram em mais de 40 países. Um mutirão envolverá bancos de
desenvolvimento da Ásia e da África que buscará apoiar as pessoas vulneráveis,
reduzir a escassez de fertilizantes, incentivar o aumento da produção de
alimentos, investir em agricultura sustentável e promover o livre comércio.
Este último ponto é particularmente
crítico, porque a proibição de exportações está agravando a crise provocada
pela guerra. Já são 23 os países que adotaram a restrição, entre eles a Índia
(trigo), Indonésia (óleo de palma) e China (fertilizantes). Essas medidas
pioram a situação dos preços e da oferta, agravadas pelo choque da guerra.
Rússia e Ucrânia fornecem 30% do trigo mundial e 60% do óleo de girassol. Com o
óleo de palma indonésio fora do mercado, 40% da oferta internacional de óleos
vegetais se tornaram de difícil acesso.
A situação da oferta continuará apertada no
futuro próximo, a menos que uma surpresa traga a paz de volta à Ucrânia. A
Rússia é o terceiro maior produtor de fósforo, o maior produtor de nitrogênio
após os países do Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã e Catar), e um dos três
maiores exportadores de potássio, ao lado do satélite Belarus e do Canadá. Como
as sanções financeiras contra Vladimir Putin não têm prazo para acabar, o
fornecimento de fertilizantes para a próxima safra no Hemisfério Sul terá
sérios problemas.
Mesmo com preços e condições climáticas
favoráveis, a oferta de alimentos pode na verdade até diminuir por falta de
insumos vitais para o plantio. No caso do trigo, por exemplo, a FAO, órgão da
ONU, estima que de 20-30% das terras agricultáveis ucranianas ficarão sem
culturas em 2022.
Os preços dos alimentos já vinham subindo
antes da guerra e dispararam novamente depois. Até abril, subiram 30% e, ao
lado dos preços da energia, são os principais impulsionadores da inflação
global. Assim, mesmo em países onde não faltam alimentos, como o Brasil, um dos
maiores exportadores agrícolas do mundo, as famílias de baixa renda e pobres
passaram, com a inflação, a não ter dinheiro suficiente para levar para a casa
o mínimo necessário a uma alimentação decente.
O tamanho do problema que a fome arma foi
desenhado pela secretária-geral da Unctad, Rebeca Grynspan, ao Valor. Há três canais principais
pelos quais os efeitos da guerra se propagaram: aumento dos preços dos
alimentos, dos preços da energia e aperto das condições financeiras. Segundo
ela, há 69 países - 25 da África, 25 da Ásia e Pacífico e 19 da América Latina
- que são afetados pelos três ao mesmo tempo. Números do Banco Mundial apontam
que a cada aumento de um ponto percentual no preço de alimentos, 10 milhões de
pessoas no mundo ingressam na extrema pobreza. Já a FAO estima que a guerra na
Ucrânia lançará de 8 milhões a 13 milhões de pessoas na situação de insegurança
alimentar, que se somarão às mais de 810 milhões que já vivem nesta situação em
todo o mundo.
Por sua pujança agrícola, o Brasil é um
capítulo vergonhoso à parte. Após anos de recessão e baixo crescimento, o país
voltou ao Mapa da Fome em 2018. Pesquisas indicam que as pessoas que não
conseguem obter os alimentos que precisam aumentaram de 16 milhões naquele ano
para 19 milhões em 2020. O Datafolha apontou que 35% das famílias com renda de
até dois salários mínimos indicaram que a comida a que têm acesso é
insuficiente. O governo de Bolsonaro ignora a questão. Um esforço conjunto de
instituições da sociedade civil, Ongs e governos municipais e estaduais precisa
ser feito para minorar um problema que se tornou alarmante também Brasil afora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário