O Globo
O Brasil está se preparando para vender a
maior estatal de energia sem discutir um minuto sequer o assunto que está em
todos os debates da área: a transição para uma energia limpa, renovável,
eficiente e barata. Vender a Eletrobrás custará caro ao consumidor e à
competitividade da economia brasileira. Os famosos jabutis do gás não são os
únicos seres estranhos do setor. O governo e a Aneel têm tomado decisões que
vão encarecer a conta de luz nos próximos anos. Na terça-feira, o órgão
regulador decidiu dar sobrevida a uma decisão tomada na época da escassez
hídrica e que tem um custo bilionário para o consumidor. Se já não fazia
sentido naquele momento, muito menos agora.
A decisão final não foi tomada pela Aneel,
mas três diretores baixaram uma resolução alterando as regras do programa
emergencial. No ano passado, durante o período de escassez hídrica, foi
contratada energia de usina nova a um preço muito alto. Era R$ 1.600 o
megawatt/hora e de energia fóssil. Um despautério, porque há energia ofertada
por R$ 250 o megawatt. A chuva felizmente veio e essa energia não foi mais
necessária. Algumas empresas também não conseguiram entregar a energia nova.
Pela resolução, elas passarão a ter o direito de vender esses contratos para
quem tem térmica parada. Um dos beneficiados com essa decisão é a holding
J&F.
Os jabutis enfiados no projeto de privatização da Eletrobras — e já até regulamentados — beneficiam o empresário Carlos Suarez, dono de distribuidoras de gás em lugar onde não tem gás. É por isso que, em vez de se construir as térmicas a gás no Rio, vão fazê-lo nos mais variados endereços do país, a um custo de R$ 56 bilhões a serem acrescidos à conta de luz. Ainda será preciso construir os gasodutos que podem chegar a R$ 100 bilhões.
A privatização deveria ter começado pelas
perguntas: o que nos trará uma energia melhor, mais barata, mais atual, e que
modelo permitirá mais competitividade à economia brasileira? Nada disso foi
perguntado. O modelo de venda pela capitalização foi pensado no governo Michel
Temer para ser feito rapidamente e acabou entortado no governo Bolsonaro pela
incompetência na articulação no Congresso, onde os lobbies capturaram o projeto
de privatizar a Eletrobras.
Há muitas empresas, atuando hoje no Brasil,
que estão vendo a direção certa, investindo nas novas energias renováveis. E
por novas eu quero dizer solar fotovoltaica, eólica, biomassa. As hidrelétricas
na Amazônia não são energia limpa. Podem ser limpas na hora de gerar, e talvez
nem isso. Mas são construídas a um alto custo social e ambiental, como foi o
caso das usinas do Rio Madeira e da emblemática Belo Monte.
Que energia queremos para o século XXI,
para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa, para minimizar impactos
ambientais e sociais? Qual é o modelo de regulação e de contratação de energia
que pode reduzir o custo para o consumidor? Nada disso é discutido. É uma
privatização sem eira nem beira, para que o governo possa dizer que é liberal,
quando na verdade é um governo liberticida. E o ministro da Economia possa
dizer que não vendeu R$ 1 trilhão como prometeu, mas vai privatizar mais se o
país reeleger Jair Bolsonaro. A venda, em um modelo mal pensado, vai ser feita
para atender a um discurso de palanque.
Pode-se argumentar que uma parte da venda
da Eletrobras vai para a CDE para aliviar a conta de luz. O problema é que há
tanto custo extra jogado nos anos seguintes que esse alívio sequer será
sentido. Este ano a Aneel aprovou aumentos de até 24%. Mas para o ano que vem
já foi jogado por exemplo o começo do pagamento pelo consumidor do empréstimo
concedido pelo BNDES para as empresas distribuidoras. Um truque para evitar
mais aumentos neste ano eleitoral.
Tudo é assim, casuístico, caro, irracional
no setor de energia. O carvão teve seu subsídio renovado até 2040. O Brasil tem
contratado energia fóssil a qualquer custo, como o desses contratos
emergenciais a R$ 1.600, que agora ganharam sobrevida. O que o Brasil quer do
seu setor de energia? Aumentar as emissões e dar um eletrochoque no consumidor?
A privatização da Eletrobras poderia ser um bom momento para reduzir
irracionalidades do setor, torná-lo mais eficiente, universalizar a energia e
planejar o caminho para o carbono zero.
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