Correio Braziliense
Pesquisa quantitativa e
qualitativa feita sob encomenda para demover Doria apontou a senadora Simone
Tebet (MDB-MS) como a candidata mais competitiva de centro, por ter menos
rejeição
Difundiu-se no Ocidente que a palavra Weiji
significa crise e oportunidade em chinês, simultaneamente. Essa tradução é
atribuída ao linguista norte-americano Benjamin Zimmer, num editorial de um
jornal em língua inglesa para missionários na China, de 1938. Ganhou
popularidade após um discurso antológico de John F. Kennedy, em Indianápolis,
no dia 12 de abril de 1959. Desde então, integra o vocabulário otimista de
políticos, consultores, economistas e executivos. A crise do PSDB seria, assim,
uma oportunidade de refundação.
O sinólogo Victor H. Mair, da Universidade
da Pensilvânia, porém, lembra que essa interpretação não é absoluta: enquanto
wei significa “perigo, perigosos; causar perigo, ameaçar; risco; precário,
precipitado; alto; medo, pavor, receio”, ji pode ter outros significados, como
“ocasião apropriada, ponto crucial, momento incipiente, segredo, ardil”. Esse é
o ponto em que se encontra a crise do PSDB, cuja cúpula resolveu descartar a
candidatura do ex-governador João Doria, mas ainda não sabe como fazê-lo por
acordo.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, não construiu uma saída negociada para Doria e percorreu um roteiro que esgarçou demais as relações dentro do partido, em razão de manobras, dissimulações e traições. A prévia realizada para escolher o candidato do PSDB, na qual o exd-governador paulista foi vencedor, revelou-se muito mais um ardil para afastá-lo do Palácio dos Bandeirantes do que um processo de escolha democrática, como fora concebido na origem.
Doria venceu as prévias com apoio dos que
hoje o estão defenestrando da candidatura, depois de alijar da disputa o
ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que pleiteava a vaga de candidato a
presidente da República.
Pela primeira vez em sua história, o PSDB
não se apresenta como alternativa de poder, abdica de propor os rumos do país.
Os bastidores da reunião de terça-feira da cúpula do PSDB, para a qual Doria
não foi chamado, nem de longe se parecem com os encontros liderados por Franco
Montoro, José Richa, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra,
Euclides Scalco, Jaime Santana e outros fundadores da legenda.
Muitas vezes, eram almoços ou jantares
frugais, nos quais a experiência política de alguns e as ideias iluministas de
outros teciam uma praxis política inovadora para os padrões brasileiros, em
busca de um projeto social-democrata que se plasmasse à realidade nacional.
Esse PSDB não existe mais, está se acabando melancolicamente.
Naqueles encontros, os interesses do país,
a lealdade e o compromisso entre seus líderes eram mais importantes do que as
eventuais divergências sobre como levar adiante as ideias comuns. Hoje, o que
está acontecendo não é a falta de consenso — é a falta de projeto mesmo. A
transa política passou a ser o modus operandi do PSDB no Congresso.
Sua bancada mergulhou de cabeça no
orçamento secreto do Centrão e está mais preocupada em aumentar a fatia no
fundo eleitoral do que em construir uma alternativa de poder, que se
contraponha ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente Jair
Bolsonaro, que hoje polarizam as eleições.
Falta combinar
No domingo passado, Rodrigo Garcia sugeriu
a Doria que desistisse da candidatura e lhe comunicou que faria campanha em São
Paulo sem sua companhia. Foi um xeque-mate na candidatura. Uma conversa como
essa seria inimaginável entre Mario Covas e Geraldo Alckmin ou José Serra e
Alberto Goldman, por exemplo.
Garcia é uma invenção de Doria, que cometeu
o grave erro de terceirizar a política como governador e cuidar apenas da
gestão administrativa e financeira de São Paulo, uma das causas de sua rejeição
e da falta de apoio político.
Quando Doria descobriu que estava sendo
sabotado pelo vice e ameaçou concorrer à reeleição, permanecendo no Palácio dos
Bandeirantes, era tarde demais. Levou um ultimato dos aliados de Garcia, que
ameaçaram até destitui-lo do cargo com um impeachment. Nunca houve um
precedente desta ordem na política paulista. Agora, não existe a menor possibilidade
de Doria manter sua candidatura, sem apoio de Garcia, que ocupa o vértice do
sistema de poder interno do PSDB pela força do cargo.
Bruno Araújo é um operador político do
governador paulista. Ontem, na reunião com os presidentes do Cidadania, Roberto
Freire, e do PMDB, Baleia Rossi, desligou os aparelhos e decretou a morte
cerebral do Doria candidato. Antes, bloqueou os recursos da pré-campanha e
decidiu cobrar os R$ 12 milhões do fundo partidário que já foram gastos pelo
ex-governador paulista para se movimentar e estruturar a pré-campanha.
Garcia também comunicou aos aliados que está fora da campanha de Doria, cujo apoio, agora, se restringe aos empresários amigos e a poucos deputados leais. O consenso secreto a que chegaram os protagonistas da candidatura única, que será submetido às direções partidárias e foi anunciado ontem, é um segredo de polichinelo: a pesquisa quantitativa e qualitativa feita sob encomenda para demover Doria apontou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como a candidata mais competitiva de centro, por ter menos rejeição e ser menos conhecida. Só falta combinar com os eleitores.
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