Folha de S. Paulo
Ataque a Alexandre de Moraes é padrão da
civilidade brasileira
Dono de um ouvido absoluto para descobrir
os segredos mais escondidos da música popular, Ivan Lessa detestava assobios. Melhor dizendo, ele
detestava o assobiador inconveniente, mesmo que o sujeito conseguisse
reproduzir, soprando ar entre os lábios em bico, a beleza de um choro de
Pixinguinha ou de um samba de Ary Barroso.
"Aquele camaradinha que gostava de assobiar e assoviar na intimidade forçada e sem graça das pessoas estranhas reunidas pelo maldito acaso num elevador. Esse tipo, além do mais, se fazia acompanhar batucando na parede sonora de um Otis ou Schindler. Nós outros não tínhamos como assassiná-lo. Ou seria eu apenas que não tinha?", escreveu Ivan numa crônica cruel.
Mata-se hoje por muito menos, e assobiar em
público, diante de outras atitudes mais cafajestes, revestiu-se de elegância. O
normal é a desatenção, a descortesia, a boçalidade, a estupidez —tudo
engrossado pelo caldo da ideologia, do falso instinto de liberdade, da reação
ao que é identificado como sistema. "Abaixo o sistema, abaixo o
mecanismo", repetem nas redes sociais os vingadores. Se estão em bando,
eles são ainda piores e capazes de ação violenta, depredando as sedes dos Três
Poderes ou arrumando barraco com ministros do STF.
A intimidação política de que foi
vítima Alexandre de Moraes —eleito o inimigo nº 1 do
bolsonarismo— no aeroporto de Roma é o padrão da (in)civilidade brasileira nos
dias que correm: gritos de "bandido", "comunista",
"comprado" e sopapos na cara.
Não serve de alívio, mas esse tipo de
ataque não é bem uma novidade nem uma exclusividade nossa. Nos anos 1980 o
escritor cubano Guillermo Cabrera Infante foi insultado dentro de um avião da
Iberia —"Gusano!"— por sua posição anticastrista. Sua mulher, a atriz
Miriam Gómez, tentou responder à agressão; G. Cain a impediu: "Miriam, não
discuta com essa gente cafona. Eles não têm nada na cabeça".
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