O Globo
Trump quer pôr fim à autonomia das agências
regulatórias
Uma fundação conservadora americana, a
Heritage, lançou um ambicioso e perigoso projeto com propostas para o candidato
republicano que vencer as eleições presidenciais de 2024. A iniciativa é fruto
do trabalho conjunto de centenas de acadêmicos, especialistas e ONGs conservadoras
e foi chamada de Projeto de Transição Presidencial 2025, ou simplesmente Projeto 2025. Os dois
principais pré-candidatos do partido, o ex-presidente Donald Trump e
o governador da Flórida, Ron DeSantis, sinalizaram que o
abraçarão.
Sob o pretexto de “resgatar a autoridade presidencial”, que teria sido corroída pelo “Estado administrativo”, o Projeto 2025 planeja aparelhar o Estado americano, retirando a autonomia de agências regulatórias e demitindo funcionários com simpatias pela esquerda, substituindo-os por servidores com valores conservadores arraigados, leais ao novo presidente. O projeto lembra o que foi feito por autocratas como Hugo Chávez, na Venezuela, e Viktor Orbán, na Hungria.
A proposta declarada é “desconstruir o
Estado administrativo”. “Estado administrativo” é um conceito usado nos meios conservadores
para se referir às prerrogativas administrativas de órgãos não eletivos, como
agências ambientais, os Correios ou a Receita. A capacidade desses órgãos de
elaborar regramentos não seria um mero detalhamento das leis, como prega o
Direito Administrativo. Na prática, esses órgãos estariam legislando, a
despeito das leis, e eventualmente contra elas. Essa situação faria com que
pessoas não eleitas governassem de fato, no limite contrariando o que determina
o Legislativo, o Executivo e a Constituição. Seria preciso, portanto,
ressubmeter esses órgãos à autoridade presidencial.
Essa teoria do “Estado administrativo” é
aparentada de uma outra, mais popular e conspiratória, a do “Estado profundo” —
a ideia de que uma burocracia entranhada no Estado usaria do seu conhecimento e
domínio da máquina para governar a despeito do que queira o governante do
momento, numa espécie de complô das elites administrativas. O “Estado profundo”
é tópico frequente da retórica de Donald Trump.
O Projeto 2025 adotou como slogan
“personnel is policy” (o pessoal [os recursos humanos] é política pública), um
trocadilho com o slogan feminista “the personal is political” (o pessoal [as
relações pessoais] é político). Com isso, quer dizer que a constituição de um
corpo de funcionários politicamente alinhados é fundamental para implementar as
políticas do programa presidencial, impedindo que a burocracia se autonomize e
escape da orientação de governo.
Mas os conservadores não querem apenas
ocupar os cargos por indicação — querem também abrir espaço, demitindo
servidores que tenham simpatia pela esquerda. Trump promete retomar uma medida
que adotou bem no fim do seu mandato, tirando a estabilidade de funcionários de
carreira cujas funções envolvam o desenho de políticas públicas — medida
revogada pelo atual presidente Joe Biden. Num comício
em Michigan, prometeu expulsar do governo os globalistas, os
comunistas e os marxistas. Em outro comício, propôs limpar os aparatos de
inteligência e segurança dos indivíduos corruptos que perseguem conservadores,
cristãos e os inimigos da esquerda.
Segundo o Projeto 2025, as indicações para
cargos do novo presidente devem apontar apenas indivíduos com convicções
conservadoras. As indicações viriam de um banco de dados de 20 mil
conservadores que a Fundação Heritage quer montar e que descreve como uma
espécie de “LinkedIn conservador”, em referência à popular plataforma de
currículos on-line.
Trump também quer pôr fim à autonomia das agências regulatórias, como as
que determinam regras para a comunicação e o comércio. Ele diz que esses órgãos
se tornaram um quarto poder da República e que, uma vez eleito, determinará que
cada nova medida regulatória proposta pelas agências precise antes ser aprovada
pelo Executivo.
A remoção da autonomia de órgãos e agências e o aparelhamento do Estado propostos por Donald Trump e pelo Projeto 2025 não são apenas uma ameaça à integridade da democracia dos Estados Unidos, mas também do Brasil. Como o conservadorismo brasileiro tem mostrado pouca capacidade de elaboração programática independente, não será surpreendente ver variações dessas propostas nas eleições brasileiras de 2026.
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