O Globo
Autodeclarados antifascistas se valem de
métodos clássicos do fascismo. Desumanizam os adversários
O pior que pode acontecer a uma causa justa
é cair em mãos erradas. E, no entanto, nada mais comum do que raposas se
voluntariarem, desinteressadamente, para tomar conta de galinheiros.
Não há bem maior para a sociedade do que o cidadão de bem. É aquela pessoa honesta, com princípios éticos, cumpridora dos seus deveres. Mas repare em quem levanta a bandeira da defesa dessa brava gente: há grandes chances de encontrar, como na nossa História recente, alguém ligado a esquemas de corrupção, apologia da violência, desdém pelo próximo.
O politicamente correto — questão de avanço
civilizacional, de respeito às diferenças e à dignidade da pessoa humana — foi
parar nas garras de canceladores, censores, intolerantes — que só não queimam
livros porque pega mal. Mas interditam o debate, restringem a livre circulação
de ideias, aniquilam reputações (vai uma Revolução Cultural chinesa aí?).
Autodeclarados antifascistas se valem de
métodos clássicos do fascismo. Desumanizam os adversários, com o cuidado de
mudar os verbos — trocam “eliminar” por “extirpar” — e quase ninguém nota (ou
finge não notar).
Não raro a tutela dos valores cristãos está
a cargo de pedófilos (ou dos que os acobertam) e aproveitadores (devotos do
“templo é dinheiro”, do “vinde a mim os dízimos”). Com espantosa frequência,
descobrem-se predadores e charlatães travestidos de líderes espirituais.
Fanáticos tomam para si a defesa dos
direitos animais (e dane-se o bicho-homem), da pauta ambiental (e dá-lhe
vandalizar obras de arte, pichar patrimônio público). Só o que conseguem é
criar um clima ruim para os que efetivamente se importam com o planeta e seus
habitantes — independentemente de reino, classe, família, gênero ou espécie.
Dois bons exemplos desse tipo de perversão
foram notícia por estes dias.
O ex-deputado Jean Wyllys,
inúmeras vezes vítima de homofobia,
retornou ao Brasil, e uma das suas primeiras manifestações foi homofóbica. No
que deveria ser uma crítica às escolas cívico-militares, dispensou os
argumentos e partiu para a ofensa. Dezenove governadores decidiram manter esse tipo
de instituição: o único atacado foi Eduardo Leite,
por sua orientação sexual. A mensagem era clara: homossexuais seriam seres
privados de discernimento e reféns de alguma parafilia. À exceção, claro, dos
que partilhem da mesma ideologia do acusador.
Na seara racial, a treta coube a Itamar
Vieira Junior, autor de “Torto arado” (mais de 400 mil exemplares vendidos).
Uma das premissas do movimento antirracista
é estabelecer que não existe superioridade racial (o ideal seria provar que não
existem raças, mas aí era querer demais). Há militantes, entretanto, que se
empenham em caracterizar africanos e seus descendentes como pessoas
diferenciadas, que não podem ser alvo de críticas senão por parte dos seus
iguais (na cor). Sobrou para José Eduardo Agualusa, que alertou Itamar sobre
essa armadilha, em delicado artigo publicado no GLOBO.
Reflexão virou whitesplaining; chegada
de novas vozes ao debate, pacto de branquitude. Como se uma avaliação pudesse
ser reduzida à cor da pele de quem a faz e de quem a recebe.
Millôr alertava sobre duvidar de todo
idealista que lucra com o seu ideal. Deveríamos nos precaver é dos que deturpam
o ideal alheio.
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