Folha de S. Paulo
Recondução de Aras à PGR atenderia ao
governo em prejuízo da defesa da sociedade
A simples dúvida sobre a possibilidade
de recondução de Augusto Aras à
chefia da Procuradoria-Geral
da República causa espanto e suscita polêmica. Mais espantoso e
polêmico, contudo, é o presidente Luiz Inácio da Silva não descartar de pronto
a hipótese.
Por mais improvável que seu entorno
palaciano diga que seja tal escolha, Lula deixa
prosperarem os questionamentos a respeito como quem maneja um balão de ensaio.
Não impõe um reparo sequer aos elogios de petistas importantes à trajetória e à
conduta do procurador.
Afirma que conversará "com todos", inclusive com Aras, para se decidir sem pressa nem submissão a pressões, confirmando que não levará em conta a lista tríplice da associação nacional dos procuradores.
À primeira vista, essa dubiedade soa
incoerente ante a declarada disposição do presidente de desmontar o
instrumental do antecessor. Nele, Augusto Aras
teve papel crucial. Arquivou a quase totalidade de casos que
poderiam render problemas a Jair Bolsonaro, assim como o deputado Arthur Lira em
sua indiferença à montanha de
pedidos de impeachment apresentados à presidência da Câmara.
Um segundo olhar, porém, sinaliza a
existência de sentido na ideia de que a sensibilidade de Augusto Aras para com
interesses de governos independentemente do campo ideológico —como se vê
na recente
adaptação de procedimentos do procurador— seria um fator de
segurança para o Planalto.
Se a mera possibilidade de recondução de um
lado agride a coerência, de outro segue a lógica do gato escaldado que tem
direcionado a conduta do presidente no critério para indicações ao Supremo Tribunal Federal e
na abertura dos portos governamentais ao navio do centrão.
Natural que Lula reforce suas defesas, mas
não é aceitável que cogite fazê-lo em prejuízo da função do Ministério Público
de defesa da sociedade, cujos interesses nem sempre são os mesmos interessantes
ao governo de turno.
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