O Estado de S. Paulo
Economia e mentalidade anti-imigração
explicam ascensão de radicais na Europa
À medida que pressões migratórias aumentam, retórica da direita fica cada vez mais virulenta
Quando converso com as pessoas sobre o
populismo de direita atualmente, percebo que muita gente tende a achar que isso
é coisa do passado. Líderes populistas capturaram a atenção do mundo, em 2016,
com o referendo do Brexit e posteriormente naquele mesmo ano com a vitória
eleitoral de Donald Trump.
Agora, sete anos depois, muito parecem sentir que o tempo do populismo de direita passou. Trump foi derrotado, em 2020, e responde a indiciamento na Justiça. O Brexit tem se revelado um fracasso e causado confusão – a maioria dos britânicos agora se arrepende de sua aprovação. Mas, mesmo que seja verdadeiro que alguns heróis e causas populistas se desgastaram, o apelo central de seu movimento persiste e, na realidade, tem ganhado terreno nos meses recentes.
Considerem a Espanha, um dos países há
muito considerados imunes ao populismo de direita porque (como a Alemanha)
sofreu sob uma autocracia de direita. O partido reacionário Vox, fundado uma
década atrás, era visto como extremista demais para traçar caminhos reais no sentido
de entrar no sistema político. E hoje é o terceiro maior partido do país. Em
maio, o Vox dobrou sua fatia de votos nas eleições regionais e locais e passou
a governar em muitos lugares. Nas eleições deste fim de semana, é provável que
o Vox continue a avançar.
Na própria Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), no passado considerado tabu, tem vencido consecutivamente eleições locais no leste do país. Nacionalmente, a AfD passou a se colocar em segundo lugar em pesquisas, geralmente embolado com o Partido Social-Democrata, a maior legenda de esquerda no país.
Na Itália, onde o fascismo nasceu, Giorgia
Meloni, do partido de extrema direita Irmãos de Itália, é primeira-ministra
desde outubro. Mesmo que tenha moderado suas posições de muitas maneiras, ela
continua a louvar o Movimento Social Italiano, uma organização fascista hoje
extinta à qual ela pertenceu no passado.
ALTA. Suécia e Finlândia também
testemunharam a ascensão de partidos de extrema direita que ganham força e
poder. O sistema político da Holanda tem agora vários partidos populistas,
alguns novinhos em folha, e tensões produzidas por sua ascensão ocasionaram
recentemente a renúncia do primeiro-ministro holandês há mais tempo na função,
Mark Rutte. Na França, algumas pesquisas mostram Marine Le Pen vencendo a
próxima eleição presidencial.
Por que está acontecendo isso? A Europa
passa por tempos difíceis. A guerra da Rússia na Ucrânia e as sanções
resultantes contra os russos afetaram a Europa com mais severidade do que
praticamente qualquer outra parte do mundo. O continente foi obrigado a
abandonar sua dependência em relação à energia barata exportada pela Rússia e
encontrar alternativas – com frequência mais custosas.
O restante de seu comércio com os russos
também colapsou. Enquanto isso, energia barata, novos subsídios e um ambiente
regulatório melhor nos EUA estão fazendo com que empresas europeias considerem
mudar suas fábricas de continente.
Mas o problema não é só econômico. A
economia da Espanha é saudável. O país cresceu 5,5%, no ano passado, e seu
índice de inflação é dos mais baixos na zona do euro. Esse crescimento, porém,
é heterogêneo, e há partes do país, como Aragão, espécie de Ohio espanhol, em
que a desindustrialização tem feito as pessoas se sentirem pobres.
Regiões como Aragão existem em toda a
Europa e contribuem para uma sensação de desespero e frustração com autoridades
nacionais e elites da UE. A guerra na Ucrânia também leva muitos a se
preocuparem com o preço que estão pagando por um conflito que, de seu ponto de
vista, não os ameaça diretamente – especialmente porque é isso o que muitos
líderes populistas lhes dizem.
IMIGRAÇÃO. Mas se eu tivesse de apontar a
questão mais premente, seria aquela que sempre esteve no coração da ascensão do
populismo moderno de extrema direita: imigração. Para onde quer que olhemos,
vemos temores sobre imigração descontrolada produzirem ganhos políticos para os
“antiglobalistas”.
A covid-19 desestabilizou muitos países em
desenvolvimento no Hemisfério Sul, o que exacerbou a pobreza e a violência
conforme essas nações enfrentaram dificuldades.
A guerra na Ucrânia originou um movimento
migratório singular naquela parte do mundo, ao mesmo tempo que a repressão
brutal do governo da Venezuela tem ocasionado migrações de magnitude similar do
outro lado do planeta. As mudanças climáticas contribuem para essa combinação
tóxica. Quando juntamos tudo isso, acabamos percebendo um deslocamento
histórico de pessoas pelo mundo.
Líderes globais têm se esforçado para
mitigar o problema. O governo de Joe Biden adotou várias medidas para lidar com
a crise na fronteira americana com o México e, como resultado, o fluxo de
imigrantes entrando nos EUA diminuiu consideravelmente nos meses recentes.
Washington está trabalhando com outros governos da região para buscar
solucionar alguns dos problemas que motivam as migrações.
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak,
tenta forjar uma nova política de asilo que pretende transportar solicitantes
de asilo para Ruanda ou outros países para avaliação. O primeiro-ministro
grego, Kyriákos Mitsotákis, prometeu ampliar o muro já existente entre Grécia e
Turquia em mais de 100 quilômetros nos próximos anos para coibir travessias
ilegais da fronteira.
Mas eu me preocupo porque, à medida que
pressões migratórias aumentam, a retórica da direita fica cada vez mais ruidosa
e virulenta. Trump sabe muito bem que hostilidade em relação à imigração foi o
que lhe garantiu o ingresso à Casa Branca, em 2016. Em algum ponto, conforme os
demagogos intensificarem sua retórica e apavorarem cada vez mais gente, o
centro pode não aguentar.
• É colunista do Washington Post
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