O Estado de S. Paulo
O governo tende a funcionar, no dia a dia, como se a noção de planejamento embutisse apenas um jogo verbal
Com vento a favor, proteção dos anjos e algum empenho do empresariado, a economia brasileira poderá crescer pouco mais de 2% neste ano – 2,4%, segundo estimativa oficial – e sobre isso nem vale a pena especular, segundo a sabedoria da Roma antiga. “Carpe diem, quam minimum credula postero”, aconselhou o poeta Horácio em sua ode a Leuconoe. Algo como: aproveita o dia de hoje, porque pouquíssimo podes confiar no amanhã. Mas até na antiguidade havia algum planejamento, como indica, por exemplo, o desenho das cidades, ou como se observa na organização militar, nas fortificações, na distribuição populacional e na estocagem de alimentos. Coisas do passado?
Pode ser. Valorizada no Brasil por alguns
políticos do Império, exercida na maior parte do século 20 e mantida no começo
do atual, essa prática vem sendo desprezada em Brasília. Ainda se mantém um
Ministério do Planejamento e o ministro da Fazenda, talvez por teimosia,
insiste em desenhar cenários e roteiros para os próximos anos. Mas o governo
tende a funcionar, no dia a dia, como se a noção de planejamento embutisse
apenas um jogo verbal. O presidente persegue fins políticos pessoais,
aparentemente voltado para as eleições de 2026 e sem um roteiro claro de metas
econômicas e sociais de prazos diferentes.
Por enquanto, a economia se move. Depois de
dois anos de crescimento razoável, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 1,4%
no primeiro trimestre, puxado principalmente pela agropecuária. A indústria
recuperou algum dinamismo na primeira metade do mandato, avançou mais um pouco
no primeiro trimestre deste ano e perdeu impulso em abril. O vice-presidente da
República e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, tem um programa de
recuperação e modernização do setor industrial, mas com efeitos pouco visíveis,
provavelmente, no curto prazo.
O presidente Lula tem deixado o ministro
Alckmin trabalhar sem interferência, pelo menos visível, por enquanto. Ao mesmo
tempo, o bom desempenho da agropecuária permite alguma tranquilidade quanto aos
preços internos da comida. Além disso, o vigor da atividade rural parece
garantir o prolongamento de alguma segurança nas contas externas, apesar das
iniciativas desastrosas do presidente Donald Trump.
Essas iniciativas têm ameaçado a boa ordem
dos mercados internacionais, comprovando o desprezo do presidente americano
pelas normas de convivência entre os Estados. No caso do Brasil, falta
verificar, com dados práticos, como a nova política da Casa Branca afetará as
exportações de aço, alumínio e outros bens industriais para o mercado
americano. Os efeitos dessas medidas no comércio de vários países poderão levar
a alguma reordenação das trocas. Por enquanto, o governo brasileiro pouco se
manifestou sobre as mudanças.
Esperar para ver também tem sido uma atitude
comum quando se trata das condições e perspectivas da economia interna.
Analistas e empresários têm apontado como provável uma desaceleração da
atividade no segundo semestre. Mas essa possibilidade é menos inquietante do
que as projeções de crescimento nos próximos anos. Estima-se um ritmo pouco
inferior a 2% no próximo ano e, em seguida, uma estabilização em torno daquela
taxa. São perspectivas abaixo de medíocres para um país com as dimensões
econômicas e o desenvolvimento já alcançado pelo Brasil. Outros emergentes
aparecem, nas avaliações de entidades internacionais, como potências mais
dinâmicas e com maiores possibilidades de expansão nos períodos seguintes.
Essas avaliações podem ser discutíveis, mas
um dado inegável, e muito relevante, é a diferença entre as taxas de
investimento produtivo. O valor investido no Brasil pelos setores privado e
público tem ficado, com frequência, abaixo de 18% do PIB, nível superado em
muitos outros emergentes.
Os juros elevados podem dificultar, como
frequentemente se afirma, a decisão empresarial de investir em máquinas,
equipamentos, instalações e outros meios produtivos. A afirmação é verdadeira,
mas a disposição de imobilizar recursos nesses ativos depende também da
confiança dos agentes privados e das condições de previsibilidade. No caso do
setor governamental, a destinação de recursos ao potencial produtivo é
relacionada, normalmente, à boa gestão dos fundos disponíveis e a projetos de
expansão e transformação econômica e social.
Para obter resultados duradouros e
relevantes, o governo deve buscar esses objetivos de forma persistente. Para
isso, são indispensáveis uma condução eficiente da arrecadação tributária, uma
gestão prudente e produtiva das verbas públicas e uma boa definição de
objetivos e de etapas de realização de projetos. Entre outras mudanças, o País
necessita, obviamente, de novos padrões de elaboração e de aplicação de
recursos orçamentários. A racionalização do sistema de emendas, diferente
daquele conhecido em outros países e semelhante a uma privatização de recursos
públicos, é uma necessidade inegável. Repensar o orçamento é também uma
providência necessária para o País escapar da armadilha dos dois por cento.
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