domingo, 8 de junho de 2025

Falta planejamento e sobra desperdício - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

O governo tende a funcionar, no dia a dia, como se a noção de planejamento embutisse apenas um jogo verbal

Com vento a favor, proteção dos anjos e algum empenho do empresariado, a economia brasileira poderá crescer pouco mais de 2% neste ano – 2,4%, segundo estimativa oficial – e sobre isso nem vale a pena especular, segundo a sabedoria da Roma antiga. “Carpe diem, quam minimum credula postero”, aconselhou o poeta Horácio em sua ode a Leuconoe. Algo como: aproveita o dia de hoje, porque pouquíssimo podes confiar no amanhã. Mas até na antiguidade havia algum planejamento, como indica, por exemplo, o desenho das cidades, ou como se observa na organização militar, nas fortificações, na distribuição populacional e na estocagem de alimentos. Coisas do passado?

Pode ser. Valorizada no Brasil por alguns políticos do Império, exercida na maior parte do século 20 e mantida no começo do atual, essa prática vem sendo desprezada em Brasília. Ainda se mantém um Ministério do Planejamento e o ministro da Fazenda, talvez por teimosia, insiste em desenhar cenários e roteiros para os próximos anos. Mas o governo tende a funcionar, no dia a dia, como se a noção de planejamento embutisse apenas um jogo verbal. O presidente persegue fins políticos pessoais, aparentemente voltado para as eleições de 2026 e sem um roteiro claro de metas econômicas e sociais de prazos diferentes.

Por enquanto, a economia se move. Depois de dois anos de crescimento razoável, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 1,4% no primeiro trimestre, puxado principalmente pela agropecuária. A indústria recuperou algum dinamismo na primeira metade do mandato, avançou mais um pouco no primeiro trimestre deste ano e perdeu impulso em abril. O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, tem um programa de recuperação e modernização do setor industrial, mas com efeitos pouco visíveis, provavelmente, no curto prazo.

O presidente Lula tem deixado o ministro Alckmin trabalhar sem interferência, pelo menos visível, por enquanto. Ao mesmo tempo, o bom desempenho da agropecuária permite alguma tranquilidade quanto aos preços internos da comida. Além disso, o vigor da atividade rural parece garantir o prolongamento de alguma segurança nas contas externas, apesar das iniciativas desastrosas do presidente Donald Trump.

Essas iniciativas têm ameaçado a boa ordem dos mercados internacionais, comprovando o desprezo do presidente americano pelas normas de convivência entre os Estados. No caso do Brasil, falta verificar, com dados práticos, como a nova política da Casa Branca afetará as exportações de aço, alumínio e outros bens industriais para o mercado americano. Os efeitos dessas medidas no comércio de vários países poderão levar a alguma reordenação das trocas. Por enquanto, o governo brasileiro pouco se manifestou sobre as mudanças.

Esperar para ver também tem sido uma atitude comum quando se trata das condições e perspectivas da economia interna. Analistas e empresários têm apontado como provável uma desaceleração da atividade no segundo semestre. Mas essa possibilidade é menos inquietante do que as projeções de crescimento nos próximos anos. Estima-se um ritmo pouco inferior a 2% no próximo ano e, em seguida, uma estabilização em torno daquela taxa. São perspectivas abaixo de medíocres para um país com as dimensões econômicas e o desenvolvimento já alcançado pelo Brasil. Outros emergentes aparecem, nas avaliações de entidades internacionais, como potências mais dinâmicas e com maiores possibilidades de expansão nos períodos seguintes.

Essas avaliações podem ser discutíveis, mas um dado inegável, e muito relevante, é a diferença entre as taxas de investimento produtivo. O valor investido no Brasil pelos setores privado e público tem ficado, com frequência, abaixo de 18% do PIB, nível superado em muitos outros emergentes.

Os juros elevados podem dificultar, como frequentemente se afirma, a decisão empresarial de investir em máquinas, equipamentos, instalações e outros meios produtivos. A afirmação é verdadeira, mas a disposição de imobilizar recursos nesses ativos depende também da confiança dos agentes privados e das condições de previsibilidade. No caso do setor governamental, a destinação de recursos ao potencial produtivo é relacionada, normalmente, à boa gestão dos fundos disponíveis e a projetos de expansão e transformação econômica e social.

Para obter resultados duradouros e relevantes, o governo deve buscar esses objetivos de forma persistente. Para isso, são indispensáveis uma condução eficiente da arrecadação tributária, uma gestão prudente e produtiva das verbas públicas e uma boa definição de objetivos e de etapas de realização de projetos. Entre outras mudanças, o País necessita, obviamente, de novos padrões de elaboração e de aplicação de recursos orçamentários. A racionalização do sistema de emendas, diferente daquele conhecido em outros países e semelhante a uma privatização de recursos públicos, é uma necessidade inegável. Repensar o orçamento é também uma providência necessária para o País escapar da armadilha dos dois por cento.

 

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