domingo, 8 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Momento é propício para acordo Mercosul-EU

O Globo

Com Trump na Casa Branca, europeus têm argumento persuasivo para convencer setores resistentes

Em tempos de instabilidade no comércio mundial, o encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron em Paris deveria dar impulso à ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Finalizado em dezembro de 2024, o texto precisa ser aprovado pelos Estados envolvidos. A entrada em vigor do acordo seria a melhor resposta ao protecionismo do presidente americano Donald Trump. Exportadores europeus e do Mercosul teriam a chance mútua de explorar novos mercados em momento que o maior do mundo fecha suas portas. Diante de incertezas crescentes, os dois blocos têm condição de sedimentar uma parceria estratégica que demonstre o valor não apenas econômico, mas também estratégico do livre-comércio.

A negociação do acordo teve início em 1999. Já na largada, ele foi alvo de ataques de lobbies em ambos os lados. Na América do Sul, os protecionistas temiam a competição da poderosa indústria europeia. Na UE, os principais opositores foram os agricultores, em especial os franceses, receosos da competitividade do agronegócio em países como Brasil, Argentina e Paraguai.

Como costuma acontecer, grupos de interesse minoritários exageravam as consequências negativas e omitiam os benefícios de um acordo para a ampla maioria dos consumidores. Em 2019, foi firmado um tratado inicial, mas não demorou para os protecionistas conseguirem reabrir debates. Na reta final, agricultura, compras governamentais e meio ambiente emperravam as conversas. Quando os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai posaram para foto com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Montevidéu no ano passado, a saga chegou ao fim.

Produtos mais sensíveis ficaram de fora, mas isso não impediu a ampla liberalização, com reduções de tarifas imediatas ou lineares ao longo de prazos superiores a dez anos. Portanto, se ratificado o acordo, não faltará tempo para adaptações. Pela oferta do Mercosul, 91% dos bens e 85% do valor que a UE exporta ao Brasil sofrerão redução tarifária. Na mão contrária, 95% dos bens e 92% do valor das exportações brasileiras terão o mesmo tratamento. O acordo formará um mercado de 700 milhões de consumidores.

Depois do encontro com Macron, Lula defendeu que ele seja referendado no segundo semestre deste ano, quando o Brasil ocupará a presidência rotativa do Mercosul. Em entrevista à GloboNews, Macron afirmou que assinaria o acordo ainda neste ano se fosse incluído um anexo com novas cláusulas de salvaguarda, de modo a assegurar que os agricultores brasileiros estejam sujeitos às mesmas exigências de ordem sanitária e ambiental que os franceses ou demais europeus.

Para acabar com a resistência francesa, Lula sugeriu o diálogo. “Se os agricultores brasileiros e franceses conhecerem o que a gente pode vender, o que a gente pode comprar, não há por que negar o acordo”, disse. O poder de pressão do governo e do agronegócio brasileiro sobre os agricultores franceses é nulo. A ratificação do acordo Mercosul-UE depende da atuação dos setores europeus que têm a ganhar com a abertura dos maiores mercados da América do Sul. Agora, eles dispõem de outro argumento persuasivo: com Trump na Casa Branca, é difícil pensar em conjuntura mais favorável aos defensores do livre-comércio.

IA é ferramenta importante na melhoria da qualidade do ensino

O Globo

É promissor programa paulista para correção de questões discursivas por meio de inteligência artificial

educação tende a ser uma das áreas mais beneficiadas pela inteligência artificial (IA). Parece promissor, em tal contexto, o projeto-piloto que a Secretaria de Educação de São Paulo executa com o uso de IA na correção do dever de casa de estudantes do 8º ano do ensino fundamental e do 1º ano do ensino médio, nas disciplinas de português, matemática, ciências, química, física, geografia e história. Apenas 5% das tarefas têm sido submetidas à IA, mesmo assim elas já representam perto de 5 milhões de questões dissertativas por mês.

Entusiasta da tecnologia, o secretário Renato Feder chegou a decidir no início da gestão que os livros impressos deveriam ser substituídos por digitais. Era um despropósito, considerando a dificuldade de acesso a dispositivos eletrônicos entre alunos da rede pública. Hoje, Feder reconhece que cometeu um erro. O novo projeto de IA surgiu com uma perspectiva mais realista.

Os alunos da rede pública usam uma plataforma chamada TarefaSP para fazer a lição de casa. Por enquanto, na fase de testes, o sistema de IA tem corrigido questões discursivas que não valem nota. Há interatividade. A IA comenta a resposta do aluno, mostra o que estava certo e foi bem desenvolvido, além de apontar o que precisa melhorar. Se o aluno disser ao sistema que não entendeu onde errou, a escola é avisada, para que um professor o ajude. A intenção é aumentar a quantidade de questões com respostas discursivas, para desenvolver habilidades que têm sido mal avaliadas nos testes internacionais.

Domínio da escrita e raciocínio lógico são essenciais para qualquer profissional ascender no mercado de trabalho. Com a IA, Feder diz ter sido possível ampliar as questões dissertativas sem sobrecarregar os professores. Há evidências de melhoria de rendimento. Na rede estadual do Espírito Santo, desde 2022 o Letrus, outro sistema de IA, corrige redações a partir de parâmetros usados pelo Enem. A nota do estado no exame subiu.

No ano 2000, entre 20% e 40% da carga horária dos professores era ocupada por atividades que poderiam ser automatizadas por tecnologia já existente à época, de acordo com pesquisa da consultoria McKinsey nos Estados Unidos, Canadá, Cingapura e Reino Unido. Eram gastas, em média, 11 horas por semana na preparação de aulas, tempo que o uso eficaz da tecnologia reduziria a seis horas, constatou análise do Observatório de Educação, Ensino Médio e Gestão. Os docentes teriam assim mais tempo para aperfeiçoar as aulas, ajudar estudantes ou cuidar do próprio desenvolvimento profissional.

Se há 25 anos a tecnologia já era ferramenta importante no ensino, com a IA o espaço para melhorias se amplia muito. Há relatos de experiência bem-sucedida com aplicativo para celular que permite digitalizar e corrigir textos manuscritos de alunos de escolas do interior, onde o sinal de internet oscila e nem sempre está disponível. A realidade sofrível das escolas brasileiras pode se transformar com políticas públicas baseadas no avanço do conhecimento. A correção de provas por IA em São Paulo é apenas um primeiro passo.

Brasil produz adultos pobres de pais pobres

Folha de S. Paulo

Chance de criança em estrato de menor renda tornar-se rica é menor que 2%; ensino e economia deficientes travam ascensão

Que o Brasil tem mobilidade social muito baixa é algo evidente até pela paisagem urbana que afronta o dia a dia de seus cidadãos.

Fosse diferente, o país não teria dobrado em 12 anos o número de favelas em seu território, de 6,3 mil para 12,3 mil, segundo o Censo de 2022 —e o de cidades com essas aglomerações, de 323 para 656. No período, os favelados passaram de 11,4 milhões a 16,4 milhões, ou 8,1% da população.

Um novo levantamento do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), com dados oficiais de renda de IBGEReceita Federal e CadÚnico, entre outros, traz números mais precisos e inquietantes sobre as barreiras à ascensão social dos mais pobres.

Considerando um período de 36 anos, suficiente para averiguar o que se passou entre uma geração e outra, o Atlas da Mobilidade Social aponta que a probabilidade de uma criança que faz parte da metade mais pobre dos brasileiros chegar ao estrato dos 10% mais ricos quando adulta é menor do que 2%.

Dois terços delas muito provavelmente permanecerão entre os 50% mais pobres no futuro, e apenas 10,8% subirão ao patamar dos 25% mais ricos. O trabalho revela ainda que menos de 2% terminarão uma faculdade.

Esse quadro lúgubre explica o fato de o Brasil ter uma profusão de programas assistenciais para os mais pobres, com o Bolsa Família à frente —este detém orçamento de R$ 158 bilhões e, lamentavelmente, não possui programa acoplado de inclusão produtiva.

A pergunta que se impõe, no entanto, é: como se chegou a essa situação? Há duas respostas principais: educação e ambiente macroeconômico.

É praticamente consensual entre especialistas que a educação é a mola para a ascensão social e aumento da renda futura. No Brasil, no entanto, as deficiências no ensino condenam a maioria dos alunos a entrar despreparados no mercado de trabalho. Há professores mal formados, sem cursos de gestão, e prefeituras que mudam a seu bel-prazer currículos até a quinta série fundamental.

A oferta de empregos para os que saem da escola, por sua vez, depende da economia. Esta é marcada por altos e baixos devido a uma crônica crise fiscal. Sem estabilidade, até a educação perde seu potencial de levar estudantes a uma vida melhor.

Entre 2012 e 2021, apesar do aumento de 27% nos anos de estudo dos jovens da metade mais pobre, a renda do trabalho deles caiu 26,2%, segundo a FGV Social. No período, um colapso orçamentário, na gestão de Dilma Rousseff (PT), derrubou o PIB em mais de 7% no biênio 2015-2016.

É lastimável que o atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se pretende comprometido com os mais pobres, não persiga solução duradoura para o equilíbrio das contas públicas.

Afinal, por causa de gastos excessivos, que empurram juros para cima, os rentistas tão criticados pelo PT receberão neste ano R$ 1 trilhão do Estado.

Mensalão, 20, é divisor de águas na política nacional

Folha de S. Paulo

Revelação pela Folha de compra de voto parlamentar impactou o PT e as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário

No dia 6 de junho de 2005, a Folha trazia a manchete "PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". Era a eclosão do mensalãoescândalo que foi um divisor de águas na política brasileira.

Passados 20 anos, crises ainda maiores vieram, como o petrolão, mas o marco das revelações do então presidente do PTBRoberto Jefferson, reverbera até hoje.

O impacto mais imediato foi no PT e no presidente à época e de agora, Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2005, eles tinham só dois anos de poder federal, e vendiam a ideia de uma esquerda que governaria de forma impoluta.

Tal aura foi desfeita quando a então editora do Painel, Renata Lo Prete, entrevistou alguém com interesse contrariado em um caso paroquial de corrupção.

Jefferson testemunhou as entranhas do esquema de desvio de dinheiro público para compra de apoio de partidos fisiológicos como o seu próprio, o PL e o PP.

Lula foi duramente afetado. Mas uma conjunção de fatores, que incluiu o efeito do recém-criado Bolsa Família e a circunscrição do comando do esquema ao cacique petista José Dirceu, levou-o a uma reeleição até confortável no ano seguinte.

Houve sorte política também. Quando o publicitário da campanha petista de 2002, Duda Mendonça, confessou ao vivo ter recebido caixa dois no exterior, o governo parecia morto. Mas a oposição apostou numa sangria, em vez do impeachment.

O mensalão contribuiu para o fim do financiamento privado de campanhas, controverso pela ineficácia em tolher desvios e pelo dispêndio indiscriminado de fortunas dos cofres públicos.

Votos no Congresso Nacional voltaram a ser cabalados com favores e a expansão anômala das emendas parlamentares, impulsionando a atual hipertrofia do Legislativo, que avança sobre o Orçamento.

O combate à corrupção tornou-se um ativo. A terra arrasada promovida pela Operação Lava Jato ajudou a gestar o bolsonarismo, alimentado pela ilusão de honestidade antes associada ao PT.

O mensalão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2007. Em 2012, seu julgamento tornou-se o mais caudaloso da história, com 24 de 40 réus condenados, incluindo Dirceu, Jefferson e políticos importantes até hoje —como o presidente do PL de Jair BolsonaroValdemar Costa Neto.

Um ano depois, as prisões inéditas impulsionaram o papel central do Supremo na vida política brasileira, algo que ainda é objeto de debate, com o protagonismo diuturno da corte constitucional, talvez o mais duradouro legado do escândalo.

Um voto pela razão no Supremo

O Estado de S. Paulo

O voto técnico e sensato de Mendonça contrasta com o ativismo judicial e a ameaça de censura que pairam sobre o julgamento do Marco Civil da Internet. É bom saber que ainda há juízes no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece salvaguardas essenciais ao debate público no ambiente digital. Pela lei, as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos publicados por seus usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção: um modelo que impede tanto a censura privada quanto a impunidade. Ao condicionar a responsabilização à deliberação judicial, o marco garante que o poder de censura continue nas mãos do Estado de Direito, e não de algoritmos ou burocratas corporativos.

É essa regra que está sob ameaça. Os votos dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux rasgam a letra e o espírito do marco, ao propor a responsabilização imediata das plataformas sempre que notificadas por usuários. Nas práticas sugeridas – remoção sumária, responsabilização automática, punição sem mediação judicial – emerge um novo modelo de censura, em que empresas privadas, sob risco de sanção, devem decidir o que é verdadeiro ou aceitável. Toffoli atribui às plataformas obrigações vagas e ilimitadas, propõe a criação de uma instância estatal de vigilância permanente e sugere um “decálogo” de remoções obrigatórias, sem previsão legal. Fux quer inverter o ônus da judicialização: as redes deveriam, primeiro, remover qualquer conteúdo notificado e, só depois, recorrer à Justiça para restabelecê-lo. Um atropelo ao devido processo legal.

Contra essas tendências alarmantes se ergueu o voto de André Mendonça. Com um raciocínio jurídico robusto, o ministro reafirmou a liberdade de expressão como pilar do Estado Democrático de Direito e rejeitou o ativismo judicial disfarçado de proteção institucional: cabe ao Congresso deliberar sobre o regime legal da internet; não é papel do STF reescrever a lei à luz de circunstâncias políticas ou ansiedades sociais; e o artigo 19 não só é constitucional, como é eficaz para equilibrar direitos fundamentais e liberdade de expressão.

Mendonça lembrou que as plataformas já moderam bilhões de publicações com base em seus termos de uso, alertou para os riscos de transformar a liberdade de expressão em concessão condicional e foi firme ao declarar a inconstitucionalidade da exclusão de perfis inteiros – salvo quando falsos ou criminosos – como censura prévia.

O contraste é gritante. Enquanto Toffoli e Fux propõem um retrocesso perturbador, que terceiriza a censura e multiplica riscos de abuso, Mendonça preserva a arquitetura institucional construída pelo legislador após anos de deliberação e ampla consulta pública. Ele reconhece que a liberdade de expressão só é plena quando protegida contra o arbítrio estatal e o privado.

O voto de Luís Roberto Barroso, embora menos desatinado que os anteriores, também enfraquece a exigência de ordem judicial, ao permitir remoções baseadas em notificações em casos que vão além dos crimes contra a honra. Seu modelo do “dever de cuidado” acena à moderação, mas é conceitualmente inconsistente, normativamente inseguro e operacionalmente perigoso. Ao estabelecer padrões vagos como “falhas sistêmicas” e atribuir às plataformas uma responsabilidade difusa pelo ambiente digital, Barroso inaugura um regime de incerteza que, embora menos desastroso que o de Toffoli, ainda compromete a liberdade de expressão e incentiva a remoção preventiva.

Tudo indica que a tendência da Corte é pela inconstitucionalidade do artigo 19. A ser assim, espera-se que o voto de Mendonça ao menos influencie os ministros a conterem danos, adotando critérios objetivos e limites claros, como os que Barroso ensaiou – imperfeitos, mas preferíveis ao arbítrio puro. Ainda assim, será uma derrota para a democracia brasileira. Uma vez aberta a porta da censura difusa, será difícil fechá-la.

O voto de Mendonça não é só tecnicamente impecável. É um alerta institucional e uma reafirmação da separação dos Poderes. Em tempos de histeria regulatória, é bom saber que ainda resta, na mais alta Corte, quem compreenda que a liberdade de expressão é o primeiro e último bastião das sociedades livres.

Licenciamento ambiental sem paixões

O Estado de S. Paulo

É obrigação da Câmara corrigir os excessos cometidos pelo Senado na votação do projeto do novo licenciamento ambiental, sem abrir mão dos necessários avanços que o texto propõe

Imediatamente após a emboscada de que foi alvo no Senado, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, se encontrou com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para discutir o projeto do licenciamento ambiental. Recém-aprovada pelos senadores, a proposta começou a tramitar há 21 anos, mas ainda precisa passar por uma última análise dos deputados antes que seja transformada em lei, uma oportunidade de ouro para a Câmara corrigir os excessos cometidos pelo Senado e demonstrar um verdadeiro compromisso com o País.

Como já dissemos neste espaço, o projeto traz avanços ao simplificar processos que hoje geram muita confusão na área ambiental. O estabelecimento de prazos máximos para obtenção das licenças prévia, de instalação e de operação, por exemplo, é algo necessário para trazer previsibilidade e segurança jurídica a investimentos em infraestrutura, como os da área de saneamento.

É positiva a iniciativa de combater o chamado “apagão das canetas”, que ocorre quando um servidor, com receio de ser penalizado caso a licença seja questionada na Justiça, posterga ao máximo a tomada de uma decisão. A proposta acerta ao repassar essa responsabilidade, que hoje é da pessoa física, aos órgãos públicos.

Garantir que o Ibama tenha a última palavra na concessão das licenças é cumprir aquilo que a Constituição já estabelece. Órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), se estiverem envolvidos no processo, não deixarão de ser ouvidos.

Porém, na análise do projeto, o Senado, talvez movido por um sentimento revanchista que ficou claro na vergonhosa audiência pública da Comissão de Serviços de Infraestrutura, cometeu erros com os quais a Câmara não pode compactuar. E quem diz isso não são apenas ambientalistas, mas algumas das principais empresas brasileiras.

Para a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne 482 entidades e representantes dos setores privado e financeiro, além da academia e da sociedade civil, alguns trechos da proposta podem causar prejuízos relevantes ao meio ambiente e à imagem das empresas no exterior – um pretexto e tanto para países desenvolvidos levantarem barreiras comerciais contra produtos brasileiros.

É o caso da Licença Ambiental Especial para atividades e empreendimentos estratégicos, que garante agilidade na concessão de licenças a projetos selecionados pelo Conselho de Governo, e da Licença por Adesão e Compromisso, espécie de autolicenciamento concedido a empreendimentos de médio impacto.

Sobre a primeira, bem se sabe que a definição sobre o que é ou não estratégico é ampla e depende, muitas vezes, da opinião do governante de plantão e dos interesses de grupos com acesso a autoridades. Um exemplo: aquilo que era considerado estratégico pelo então presidente Jair Bolsonaro muito provavelmente não é estratégico para o presidente Lula da Silva. O risco é precisamente este: projetos complexos precisam cumprir etapas de licenciamento que não podem ser menosprezadas em nome de um conceito tão subjetivo.

Sobre a segunda, é temerário garantir licenciamento com base em autodeclaração a projetos de médio impacto, sem exigência de estudos prévios e definição de condicionantes ambientais específicas. Será, ademais, um incentivo para que empreendedores tentem agilizar o trâmite de seus projetos, inclusive os de alto impacto, reduzindo seus efeitos no papel.

Fato é que o debate sobre licenças ambientais precisa ser feito de maneira qualificada e desprovida de paixões. Não há como fazer essa discussão quando um dos lados trata a defesa do meio ambiente e a própria ministra Marina Silva como um entrave ao desenvolvimento, enquanto o outro classifica a proposta como “projeto de lei da devastação”.

Que a Câmara, sob a liderança de Hugo Motta, saiba agir como o adulto da sala. E, se não for pelo reconhecimento de que um país com as características do Brasil não pode abrir mão do desenvolvimento sustentável, que seja por influência de algumas das maiores companhias brasileiras, inclusive do setor agropecuário.

Trump e Musk se merecem

O Estado de S. Paulo

Choque de egos inflados entretém o mundo, num capítulo vergonhoso da história dos Estados Unidos

Não faz muito tempo, o bilionário sul-africano Elon Musk escreveu no X, sua rede social: “Eu amo Donald Trump tanto quanto um homem heterossexual pode amar outro homem”. Mas, como diriam os Beatles, dinheiro não compra amor: Musk ficou decepcionado com o presidente dos EUA porque este ignorou olimpicamente suas críticas a um pacote fiscal da Casa Branca que vai aumentar exponencialmente o déficit público. Enquanto Trump chamava o pacote de “grande e belo”, Musk o qualificava de “abominação repulsiva”.

Como o mundo pôde testemunhar nos últimos dias, a paixão de Musk por Trump rapidamente desandou, convertendo-se num pote até aqui de mágoa. O bilionário voltou à carga em sua rede social para dizer que, se não fosse por seu apoio público e sua doação de mais de US$ 250 milhões à campanha de Trump, o republicano não teria ganhado as eleições. Chamou Trump de “ingrato”. O presidente americano respondeu dizendo que Musk havia ficado “louco” e que estava chateado porque o governo acabou com subsídios para carros elétricos, o principal negócio do empresário. Ainda ameaçou encerrar todos os contratos das empresas de Musk com o governo.

É improvável que esse entrevero entre o homem mais rico do mundo e o homem mais poderoso do mundo acabe tão cedo, embora nem um nem outro tenha qualquer compromisso com coerência ou se paute por qualquer preocupação de caráter moral, razão pela qual não será surpresa se, a qualquer momento, eles fingirem que nada aconteceu e voltarem ao bromance – gíria americana que designa o romance entre amigos e que costuma ser usada para qualificar a relação tórrida entre Trump e Musk.

Enquanto isso, o mundo, entre o atônito e o zombeteiro, assiste a esse reality show de gosto duvidoso, mas de diversão garantida, com um misto de vergonha alheia e de Schadenfreude, palavra alemã que designa a alegria com a desgraça dos outros. As consequências práticas dessa briga para o resto do planeta tendem a ser insignificantes. Já as ações das empresas de Musk se desvalorizaram rapidamente, porque o mercado intui que, na briga entre quem tem mais dinheiro e quem tem mais poder, ganha quem tem a caneta presidencial.

Não é possível dizer que esse episódio seja o ponto mais baixo da presidência de Trump até aqui, porque a concorrência é grande, mas jamais se viu algo parecido com isso na história americana. Ainda assim, não surpreende: quando Trump apagou as fronteiras entre o público e o privado, trazendo para o centro de sua gestão um bilionário como Musk, com diversos contratos com o governo e com carta branca para demitir pessoas e ter acesso irrestrito a dados sensíveis sobre a administração, criou as condições para que esse mesmo empresário se considerasse uma espécie de “copresidente”.

Quando Trump deixou claro que só há um presidente, Musk se aborreceu, mas talvez não tenha muito mais o que fazer a respeito a não ser tentar destruir a imagem de seu ex-amigão, o que é uma tarefa inglória, como sabem todos aqueles que cruzaram o caminho do presidente americano.

É preciso respeitar a diversidade da fé

Correio Braziliense

O Brasil, conhecido pela sua diversidade racial, consolida igualmente uma diversidade religiosa. Trata-se de um marco relevante, considerando que as religiões, historicamente, motivaram e ainda motivam conflitos graves em diversos países

O retrato da religiosidade no Brasil divulgado na última sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela mudanças importantes na sociedade brasileira, além de provocar reflexões sobre políticas públicas e princípios civilizatórios. 

Chama a atenção, em primeiro lugar, o declínio do número de brasileiros que se declaram católicos. Ao recuar de 65,1% para 56,7% entre 2010 e 2022, o catolicismo enfrenta uma evasão constante de fiéis, de forma mais acentuada a partir dos anos 1970. 

Em movimento oposto, observa-se um aumento consistente dos evangélicos. Em 2022, um em cada quatro brasileiros se dizia adepto dessas denominações, que ganharam fôlego particularmente nas vertentes pentecostais e neopentecostais.

O IBGE registra, ainda, o crescimento de fiéis das religiões de matriz afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda. No intervalo de 12 anos, o percentual saltou de 0,3% para 1% da população brasileira, o que denota uma alta proporcional expressiva. Acrescente-se também o aumento de cidadãos sem qualquer religião. Essa parcela da população cresceu de 7,9% para 9,3%. Em números redondos, significa dizer que cerca de 20 milhões de brasileiros não se identificam com nenhuma instituição religiosa. Trata-se do terceiro maior contingente populacional no contexto de religiosidade, conforme o levantamento do IBGE. Por fim, nota-se uma redução dos devotos do espiritismo, com queda de 2,2% para 1,8% dos brasileiros.

Tudo somado, está claro que o Brasil, conhecido pela sua diversidade racial, consolida igualmente uma diversidade religiosa. Trata-se de um marco relevante, considerando que as religiões, historicamente, motivaram e ainda motivam conflitos graves em diversos países. Na realidade nacional, é importante que o convívio entre diferentes credos ocorra dentro do princípio da tolerância. Nesse sentido, convém lembrar que a liberdade de consciência e de crença, bem como a proteção aos locais de culto, estão asseguradas pelo artigo 5º da Constituição Federal. Não há razão, portanto, para o brasileiro esconder a fé que professa. Ou até mesmo a ausência de inclinação religiosa.

Dito isso, preocupa observar que a intolerância religiosa ainda está presente no cotidiano brasileiro. Como mostrou o Correio na edição de ontem, o serviço Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, registrou, em 2024, 3.853 violações causadas por preconceito religioso. A discriminação atingiu principalmente as denominações de matriz africana, segundo os dados do governo federal. Em um país onde a maior parte da população é negra, trata-se de profundo paradoxo.

Os dados divulgados pelo IBGE dão oportunidade para instituições religiosas encontrarem os meios de melhorar a interação com os fiéis e, eventualmente, aumentar a quantidade de adeptos. Os números podem sinalizar o sucesso de algumas iniciativas, ou sugerir correções de rumo. Em relação ao poder público, o levantamento evidencia a necessidade de manter uma convivência pacífica entre os diferentes credos e de combater a discriminação. Por fim, à sociedade brasileira, o atual retrato recomenda uma postura madura, que respeite a espiritualidade de cada um.

Padre Cícero: mais um passo para a beatificação

O Povo (CE)

A atribuição do título "Servo de Deus" ao Padre Cícero mostra que a sua causa de beatificação está em andamento. É o primeiro passo no longo caminho de canonização

Este fim de semana é marcado por mais um capítulo histórico no processo de beatificação de Padre Cícero. A cerimônia que encerra a fase diocesana da causa de beatificação do Servo de Deus, com missa e sessão solene no Crato, registra a conclusão do primeiro inquérito, concluído após dois anos e seis meses desde a abertura oficial do processo, em 30 de novembro de 2022.

Nesse período, a Igreja reuniu escritos e outros documentos acerca da vida e da missão de Padre Cícero, que somam mais de 800 páginas. Foram colhidos 62 depoimentos com a finalidade de comprovar as virtudes de santidade do sacerdote conhecido como Patriarca do Nordeste.

Na sessão solene realizada pela Diocese de Crato, foi feita a exposição pública dessa documentação. Após essa apresentação, os documentos serão armazenados em caixas lacradas com o selo do bispo da Diocese e enviados a Roma. A previsão é de que esse envio ocorra neste mês de junho.

Após análise, a Congregação para a Causa dos Santos emitirá o documento de validade jurídica do processo. Isso atesta que a fase diocese foi cumprida de acordo com o protocolo exigido pelo Dicastério. Dá-se início à fase romana, segunda fase do primeiro inquérito, avançando para a beatificação e, em seguida, para a canonização.

A abertura do processo de canonização de Padre Cícero foi registrada em 20 de outubro de 2015, quando o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do papa Francisco, enviou uma carta de Reconciliação Histórica da Igreja Católica com o sacerdote. Em 13 de dezembro do mesmo ano, a carta foi divulgada ao público.

Em 24 de junho de 2022, a Santa Sé, por meio do Dicastério para a Causa dos Santos, endereçou uma carta à Diocese de Crato informando o "Nihil Obstat", significando que nada impedia a abertura de um Processo de Beatificação e Canonização do Padre Cícero. No mesmo ano, em 30 de novembro, realizou-se a solenidade de abertura do seu processo de beatificação e canonização. Desde então, de 2022 a 2025, tem ocorrido a análise diocesana de sua vida, fama de santidade e virtudes.

A atribuição do título "Servo de Deus" mostra que a sua causa de beatificação está em andamento. É o primeiro passo no longo caminho de canonização. Deixa de ser uma possibilidade e ingressa na concretude do reconhecimento de sua santidade.

É certo que é necessária a autorização da Igreja para fazer de Padre Cícero um santo oficial, respeitando os exigentes ritos. Os fiéis da Região do Cariri e os milhares de romeiros de todo o Brasil já o veneram como santo popular, nas romarias em sua devoção, seja pedindo a sua intercessão, seja agradecendo. Colocar a imagem de Padre Cícero nos altares é um presente pelo qual uma vasta nação de romeiros anseia há muito tempo.

Deseja-se que a receptividade que teve papa Francisco para retomar o diálogo sobre a abertura do processo de Padre Cícero seja continuada na acolhida do papa Leão XIV. O respeito à vida de Padre Cícero e a sensibilidade com as graças alegadas por seus devotos devem ser considerados para que, em breve, tenhamos o santo popular como um santo reconhecido pela Igreja.

 

 


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