Momento é propício para acordo Mercosul-EU
O Globo
Com Trump na Casa Branca, europeus têm
argumento persuasivo para convencer setores resistentes
Em tempos de instabilidade no comércio
mundial, o encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da
Silva e Emmanuel
Macron em Paris deveria dar impulso à ratificação do acordo entre
o Mercosul e
a União
Europeia (UE). Finalizado em dezembro de 2024, o texto precisa ser
aprovado pelos Estados envolvidos. A entrada em vigor do acordo seria a melhor
resposta ao protecionismo do presidente americano Donald Trump. Exportadores
europeus e do Mercosul teriam a chance mútua de explorar novos mercados em
momento que o maior do mundo fecha suas portas. Diante de incertezas
crescentes, os dois blocos têm condição de sedimentar uma parceria estratégica
que demonstre o valor não apenas econômico, mas também estratégico do livre-comércio.
A negociação do acordo teve início em 1999. Já na largada, ele foi alvo de ataques de lobbies em ambos os lados. Na América do Sul, os protecionistas temiam a competição da poderosa indústria europeia. Na UE, os principais opositores foram os agricultores, em especial os franceses, receosos da competitividade do agronegócio em países como Brasil, Argentina e Paraguai.
Como costuma acontecer, grupos de interesse
minoritários exageravam as consequências negativas e omitiam os benefícios de
um acordo para a ampla maioria dos consumidores. Em 2019, foi firmado um
tratado inicial, mas não demorou para os protecionistas conseguirem reabrir
debates. Na reta final, agricultura, compras governamentais e meio ambiente
emperravam as conversas. Quando os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai posaram para foto com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, em Montevidéu no ano passado, a saga chegou ao fim.
Produtos mais sensíveis ficaram de fora, mas
isso não impediu a ampla liberalização, com reduções de tarifas imediatas ou
lineares ao longo de prazos superiores a dez anos. Portanto, se ratificado o
acordo, não faltará tempo para adaptações. Pela oferta do Mercosul, 91% dos
bens e 85% do valor que a UE exporta ao Brasil sofrerão redução tarifária. Na
mão contrária, 95% dos bens e 92% do valor das exportações brasileiras terão o
mesmo tratamento. O acordo formará um mercado de 700 milhões de consumidores.
Depois do encontro com Macron, Lula defendeu
que ele seja referendado no segundo semestre deste ano, quando o Brasil ocupará
a presidência rotativa do Mercosul. Em entrevista à GloboNews, Macron afirmou
que assinaria o acordo ainda neste ano se fosse incluído um anexo com novas
cláusulas de salvaguarda, de modo a assegurar que os agricultores brasileiros
estejam sujeitos às mesmas exigências de ordem sanitária e ambiental que os
franceses ou demais europeus.
Para acabar com a resistência francesa, Lula
sugeriu o diálogo. “Se os agricultores brasileiros e franceses conhecerem o que
a gente pode vender, o que a gente pode comprar, não há por que negar o
acordo”, disse. O poder de pressão do governo e do agronegócio brasileiro sobre
os agricultores franceses é nulo. A ratificação do acordo Mercosul-UE depende
da atuação dos setores europeus que têm a ganhar com a abertura dos maiores
mercados da América do Sul. Agora, eles dispõem de outro argumento persuasivo:
com Trump na Casa Branca, é difícil pensar em conjuntura mais favorável aos
defensores do livre-comércio.
IA é ferramenta importante na melhoria da
qualidade do ensino
O Globo
É promissor programa paulista para correção
de questões discursivas por meio de inteligência artificial
A educação tende
a ser uma das áreas mais beneficiadas pela inteligência
artificial (IA). Parece promissor, em tal contexto, o projeto-piloto
que a Secretaria de Educação de São Paulo executa
com o uso de IA na correção do dever de casa de estudantes do 8º ano do ensino
fundamental e do 1º ano do ensino médio, nas disciplinas de português,
matemática, ciências, química, física, geografia e história. Apenas 5% das
tarefas têm sido submetidas à IA, mesmo assim elas já representam perto de 5
milhões de questões dissertativas por mês.
Entusiasta da tecnologia, o secretário Renato
Feder chegou a decidir no início da gestão que os livros impressos deveriam ser
substituídos por digitais. Era um despropósito, considerando a dificuldade de
acesso a dispositivos eletrônicos entre alunos da rede pública. Hoje, Feder
reconhece que cometeu um erro. O novo projeto de IA surgiu com uma perspectiva
mais realista.
Os alunos da rede pública usam uma plataforma
chamada TarefaSP para fazer a lição de casa. Por enquanto, na fase de testes, o
sistema de IA tem corrigido questões discursivas que não valem nota. Há
interatividade. A IA comenta a resposta do aluno, mostra o que estava certo e
foi bem desenvolvido, além de apontar o que precisa melhorar. Se o aluno disser
ao sistema que não entendeu onde errou, a escola é avisada, para que um
professor o ajude. A intenção é aumentar a quantidade de questões com respostas
discursivas, para desenvolver habilidades que têm sido mal avaliadas nos testes
internacionais.
Domínio da escrita e raciocínio lógico são
essenciais para qualquer profissional ascender no mercado de trabalho. Com a
IA, Feder diz ter sido possível ampliar as questões dissertativas sem
sobrecarregar os professores. Há evidências de melhoria de rendimento. Na rede
estadual do Espírito Santo, desde 2022 o Letrus, outro sistema de IA, corrige
redações a partir de parâmetros usados pelo Enem. A nota do estado no exame
subiu.
No ano 2000, entre 20% e 40% da carga horária
dos professores era ocupada por atividades que poderiam ser automatizadas por
tecnologia já existente à época, de acordo com pesquisa da consultoria McKinsey
nos Estados Unidos, Canadá, Cingapura e Reino Unido. Eram gastas, em média, 11
horas por semana na preparação de aulas, tempo que o uso eficaz da tecnologia
reduziria a seis horas, constatou análise do Observatório de Educação, Ensino
Médio e Gestão. Os docentes teriam assim mais tempo para aperfeiçoar as aulas,
ajudar estudantes ou cuidar do próprio desenvolvimento profissional.
Se há 25 anos a tecnologia já era ferramenta
importante no ensino, com a IA o espaço para melhorias se amplia muito. Há
relatos de experiência bem-sucedida com aplicativo para celular que permite
digitalizar e corrigir textos manuscritos de alunos de escolas do interior,
onde o sinal de internet oscila e nem sempre está disponível. A realidade
sofrível das escolas brasileiras pode se transformar com políticas públicas
baseadas no avanço do conhecimento. A correção de provas por IA em São Paulo é
apenas um primeiro passo.
Brasil produz adultos pobres de pais pobres
Folha de S. Paulo
Chance de criança em estrato de menor renda
tornar-se rica é menor que 2%; ensino e economia deficientes travam ascensão
Que o Brasil tem mobilidade social muito
baixa é algo evidente até pela paisagem urbana que afronta o dia a dia de seus
cidadãos.
Fosse diferente, o país não teria dobrado em
12 anos o número de favelas em seu território, de 6,3 mil para 12,3 mil,
segundo o Censo de 2022 —e o de cidades com essas aglomerações, de 323 para
656. No período, os favelados passaram de 11,4 milhões a 16,4 milhões, ou 8,1%
da população.
Um novo levantamento do Instituto Mobilidade
e Desenvolvimento Social (IMDS), com dados oficiais de renda de IBGE, Receita
Federal e CadÚnico, entre outros, traz números mais precisos e
inquietantes sobre as barreiras à ascensão social dos mais pobres.
Considerando um período de 36 anos,
suficiente para averiguar o que se passou entre uma geração e outra, o Atlas da
Mobilidade Social aponta que a probabilidade de uma criança que faz parte da
metade mais pobre dos brasileiros chegar
ao estrato dos 10% mais ricos quando adulta é menor do que 2%.
Dois terços delas muito provavelmente
permanecerão entre os 50% mais pobres no futuro, e apenas 10,8% subirão ao
patamar dos 25% mais ricos. O trabalho revela ainda que menos de 2% terminarão
uma faculdade.
Esse quadro lúgubre explica o fato de o
Brasil ter uma profusão de programas assistenciais para os mais pobres, com
o Bolsa
Família à frente —este detém orçamento de R$ 158 bilhões e,
lamentavelmente, não possui programa acoplado de inclusão produtiva.
A pergunta que se impõe, no entanto, é: como
se chegou a essa situação? Há duas respostas principais: educação e
ambiente macroeconômico.
É praticamente consensual entre especialistas
que a educação é a mola para a ascensão social e aumento da renda futura. No
Brasil, no entanto, as deficiências no ensino condenam a maioria dos alunos a
entrar despreparados no mercado de trabalho. Há professores mal formados, sem
cursos de gestão, e prefeituras que mudam a seu bel-prazer currículos até a
quinta série fundamental.
A oferta de empregos para os que saem da
escola, por sua vez, depende da economia. Esta
é marcada por altos e baixos devido a uma crônica crise fiscal. Sem
estabilidade, até a educação perde seu potencial de levar estudantes a uma vida
melhor.
Entre 2012 e 2021, apesar do aumento de 27%
nos anos de estudo dos jovens da metade mais pobre, a renda do trabalho deles
caiu 26,2%, segundo a FGV Social. No período, um colapso orçamentário, na
gestão de Dilma
Rousseff (PT),
derrubou o PIB em
mais de 7% no biênio 2015-2016.
É lastimável que o atual governo de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT), que se pretende comprometido com os mais pobres, não
persiga solução duradoura para o equilíbrio das contas públicas.
Afinal, por causa de gastos excessivos, que
empurram juros para cima, os rentistas tão criticados pelo PT receberão neste
ano R$ 1 trilhão do Estado.
Mensalão, 20, é divisor de águas na política
nacional
Folha de S. Paulo
Revelação pela Folha de compra de voto
parlamentar impactou o PT e as relações entre Executivo, Legislativo e
Judiciário
No dia 6 de junho de 2005, a Folha trazia
a manchete "PT dava
mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". Era a eclosão
do mensalão, escândalo
que foi um divisor de águas na política brasileira.
Passados 20 anos, crises ainda maiores
vieram, como o petrolão, mas o marco das revelações do então presidente
do PTB, Roberto
Jefferson, reverbera até hoje.
O impacto mais imediato foi no PT e no
presidente à época e de agora, Luiz Inácio Lula da
Silva. Em 2005, eles tinham só dois anos de poder federal, e vendiam a ideia de
uma esquerda que governaria de forma impoluta.
Tal aura foi desfeita quando a então editora
do Painel, Renata Lo Prete, entrevistou alguém com interesse contrariado em um
caso paroquial de corrupção.
Jefferson testemunhou as entranhas do esquema
de desvio de dinheiro público para compra de apoio de partidos fisiológicos
como o seu próprio, o PL e o PP.
Lula foi duramente afetado. Mas uma conjunção
de fatores, que incluiu o efeito do recém-criado Bolsa Família e
a circunscrição do comando do esquema ao cacique petista José Dirceu,
levou-o a uma reeleição até confortável no ano seguinte.
Houve sorte política também. Quando o
publicitário da campanha petista de 2002, Duda Mendonça, confessou ao vivo ter
recebido caixa dois no exterior, o governo parecia morto. Mas a oposição
apostou numa sangria, em vez do impeachment.
O mensalão contribuiu para o fim do
financiamento privado de campanhas, controverso pela ineficácia em tolher
desvios e pelo dispêndio indiscriminado de fortunas dos cofres públicos.
Votos no Congresso
Nacional voltaram a ser cabalados com favores e a expansão anômala das
emendas parlamentares, impulsionando a
atual hipertrofia do Legislativo, que avança sobre o Orçamento.
O combate à corrupção tornou-se um ativo. A
terra arrasada promovida pela Operação
Lava Jato ajudou a gestar o bolsonarismo, alimentado pela ilusão de
honestidade antes associada ao PT.
O mensalão chegou ao Supremo Tribunal Federal
(STF) em 2007.
Em 2012, seu julgamento tornou-se o mais caudaloso da história, com 24 de 40
réus condenados, incluindo Dirceu,
Jefferson e políticos importantes até hoje —como o presidente do PL
de Jair
Bolsonaro, Valdemar
Costa Neto.
Um ano depois, as prisões inéditas impulsionaram o papel central do Supremo na vida política brasileira, algo que ainda é objeto de debate, com o protagonismo diuturno da corte constitucional, talvez o mais duradouro legado do escândalo.
Um voto pela razão no Supremo
O Estado de S. Paulo
O voto técnico e sensato de Mendonça
contrasta com o ativismo judicial e a ameaça de censura que pairam sobre o
julgamento do Marco Civil da Internet. É bom saber que ainda há juízes no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a
constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece
salvaguardas essenciais ao debate público no ambiente digital. Pela lei, as
plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos
publicados por seus usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção: um
modelo que impede tanto a censura privada quanto a impunidade. Ao condicionar a
responsabilização à deliberação judicial, o marco garante que o poder de
censura continue nas mãos do Estado de Direito, e não de algoritmos ou
burocratas corporativos.
É essa regra que está sob ameaça. Os votos
dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux rasgam a letra e o espírito do marco, ao
propor a responsabilização imediata das plataformas sempre que notificadas por
usuários. Nas práticas sugeridas – remoção sumária, responsabilização
automática, punição sem mediação judicial – emerge um novo modelo de censura,
em que empresas privadas, sob risco de sanção, devem decidir o que é verdadeiro
ou aceitável. Toffoli atribui às plataformas obrigações vagas e ilimitadas, propõe
a criação de uma instância estatal de vigilância permanente e sugere um
“decálogo” de remoções obrigatórias, sem previsão legal. Fux quer inverter o
ônus da judicialização: as redes deveriam, primeiro, remover qualquer conteúdo
notificado e, só depois, recorrer à Justiça para restabelecê-lo. Um atropelo ao
devido processo legal.
Contra essas tendências alarmantes se ergueu
o voto de André Mendonça. Com um raciocínio jurídico robusto, o ministro
reafirmou a liberdade de expressão como pilar do Estado Democrático de Direito
e rejeitou o ativismo judicial disfarçado de proteção institucional: cabe ao
Congresso deliberar sobre o regime legal da internet; não é papel do STF
reescrever a lei à luz de circunstâncias políticas ou ansiedades sociais; e o
artigo 19 não só é constitucional, como é eficaz para equilibrar direitos
fundamentais e liberdade de expressão.
Mendonça lembrou que as plataformas já
moderam bilhões de publicações com base em seus termos de uso, alertou para os
riscos de transformar a liberdade de expressão em concessão condicional e foi
firme ao declarar a inconstitucionalidade da exclusão de perfis inteiros –
salvo quando falsos ou criminosos – como censura prévia.
O contraste é gritante. Enquanto Toffoli e
Fux propõem um retrocesso perturbador, que terceiriza a censura e multiplica
riscos de abuso, Mendonça preserva a arquitetura institucional construída pelo
legislador após anos de deliberação e ampla consulta pública. Ele reconhece que
a liberdade de expressão só é plena quando protegida contra o arbítrio estatal
e o privado.
O voto de Luís Roberto Barroso, embora menos
desatinado que os anteriores, também enfraquece a exigência de ordem judicial,
ao permitir remoções baseadas em notificações em casos que vão além dos crimes
contra a honra. Seu modelo do “dever de cuidado” acena à moderação, mas é
conceitualmente inconsistente, normativamente inseguro e operacionalmente
perigoso. Ao estabelecer padrões vagos como “falhas sistêmicas” e atribuir às
plataformas uma responsabilidade difusa pelo ambiente digital, Barroso inaugura
um regime de incerteza que, embora menos desastroso que o de Toffoli, ainda
compromete a liberdade de expressão e incentiva a remoção preventiva.
Tudo indica que a tendência da Corte é pela
inconstitucionalidade do artigo 19. A ser assim, espera-se que o voto de
Mendonça ao menos influencie os ministros a conterem danos, adotando critérios
objetivos e limites claros, como os que Barroso ensaiou – imperfeitos, mas
preferíveis ao arbítrio puro. Ainda assim, será uma derrota para a democracia
brasileira. Uma vez aberta a porta da censura difusa, será difícil fechá-la.
O voto de Mendonça não é só tecnicamente
impecável. É um alerta institucional e uma reafirmação da separação dos
Poderes. Em tempos de histeria regulatória, é bom saber que ainda resta, na
mais alta Corte, quem compreenda que a liberdade de expressão é o primeiro e
último bastião das sociedades livres.
Licenciamento ambiental sem paixões
O Estado de S. Paulo
É obrigação da Câmara corrigir os excessos
cometidos pelo Senado na votação do projeto do novo licenciamento ambiental,
sem abrir mão dos necessários avanços que o texto propõe
Imediatamente após a emboscada de que foi
alvo no Senado, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva,
se encontrou com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para
discutir o projeto do licenciamento ambiental. Recém-aprovada pelos senadores,
a proposta começou a tramitar há 21 anos, mas ainda precisa passar por uma
última análise dos deputados antes que seja transformada em lei, uma
oportunidade de ouro para a Câmara corrigir os excessos cometidos pelo Senado e
demonstrar um verdadeiro compromisso com o País.
Como já dissemos neste espaço, o projeto traz
avanços ao simplificar processos que hoje geram muita confusão na área
ambiental. O estabelecimento de prazos máximos para obtenção das licenças
prévia, de instalação e de operação, por exemplo, é algo necessário para trazer
previsibilidade e segurança jurídica a investimentos em infraestrutura, como os
da área de saneamento.
É positiva a iniciativa de combater o chamado
“apagão das canetas”, que ocorre quando um servidor, com receio de ser
penalizado caso a licença seja questionada na Justiça, posterga ao máximo a
tomada de uma decisão. A proposta acerta ao repassar essa responsabilidade, que
hoje é da pessoa física, aos órgãos públicos.
Garantir que o Ibama tenha a última palavra
na concessão das licenças é cumprir aquilo que a Constituição já estabelece.
Órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), se estiverem envolvidos no
processo, não deixarão de ser ouvidos.
Porém, na análise do projeto, o Senado,
talvez movido por um sentimento revanchista que ficou claro na vergonhosa
audiência pública da Comissão de Serviços de Infraestrutura, cometeu erros com
os quais a Câmara não pode compactuar. E quem diz isso não são apenas
ambientalistas, mas algumas das principais empresas brasileiras.
Para a Coalizão Brasil Clima, Florestas e
Agricultura, que reúne 482 entidades e representantes dos setores privado e
financeiro, além da academia e da sociedade civil, alguns trechos da proposta
podem causar prejuízos relevantes ao meio ambiente e à imagem das empresas no
exterior – um pretexto e tanto para países desenvolvidos levantarem barreiras
comerciais contra produtos brasileiros.
É o caso da Licença Ambiental Especial para
atividades e empreendimentos estratégicos, que garante agilidade na concessão
de licenças a projetos selecionados pelo Conselho de Governo, e da Licença por
Adesão e Compromisso, espécie de autolicenciamento concedido a empreendimentos
de médio impacto.
Sobre a primeira, bem se sabe que a definição
sobre o que é ou não estratégico é ampla e depende, muitas vezes, da opinião do
governante de plantão e dos interesses de grupos com acesso a autoridades. Um
exemplo: aquilo que era considerado estratégico pelo então presidente Jair
Bolsonaro muito provavelmente não é estratégico para o presidente Lula da
Silva. O risco é precisamente este: projetos complexos precisam cumprir etapas
de licenciamento que não podem ser menosprezadas em nome de um conceito tão subjetivo.
Sobre a segunda, é temerário garantir
licenciamento com base em autodeclaração a projetos de médio impacto, sem
exigência de estudos prévios e definição de condicionantes ambientais
específicas. Será, ademais, um incentivo para que empreendedores tentem agilizar
o trâmite de seus projetos, inclusive os de alto impacto, reduzindo seus
efeitos no papel.
Fato é que o debate sobre licenças ambientais
precisa ser feito de maneira qualificada e desprovida de paixões. Não há como
fazer essa discussão quando um dos lados trata a defesa do meio ambiente e a
própria ministra Marina Silva como um entrave ao desenvolvimento, enquanto o
outro classifica a proposta como “projeto de lei da devastação”.
Que a Câmara, sob a liderança de Hugo Motta,
saiba agir como o adulto da sala. E, se não for pelo reconhecimento de que um
país com as características do Brasil não pode abrir mão do desenvolvimento
sustentável, que seja por influência de algumas das maiores companhias
brasileiras, inclusive do setor agropecuário.
Trump e Musk se merecem
O Estado de S. Paulo
Choque de egos inflados entretém o mundo, num
capítulo vergonhoso da história dos Estados Unidos
Não faz muito tempo, o bilionário
sul-africano Elon Musk escreveu no X, sua rede social: “Eu amo Donald Trump
tanto quanto um homem heterossexual pode amar outro homem”. Mas, como diriam os
Beatles, dinheiro não compra amor: Musk ficou decepcionado com o presidente dos
EUA porque este ignorou olimpicamente suas críticas a um pacote fiscal da Casa
Branca que vai aumentar exponencialmente o déficit público. Enquanto Trump
chamava o pacote de “grande e belo”, Musk o qualificava de “abominação
repulsiva”.
Como o mundo pôde testemunhar nos últimos
dias, a paixão de Musk por Trump rapidamente desandou, convertendo-se num pote
até aqui de mágoa. O bilionário voltou à carga em sua rede social para dizer
que, se não fosse por seu apoio público e sua doação de mais de US$ 250 milhões
à campanha de Trump, o republicano não teria ganhado as eleições. Chamou Trump
de “ingrato”. O presidente americano respondeu dizendo que Musk havia ficado
“louco” e que estava chateado porque o governo acabou com subsídios para carros
elétricos, o principal negócio do empresário. Ainda ameaçou encerrar todos os
contratos das empresas de Musk com o governo.
É improvável que esse entrevero entre o homem
mais rico do mundo e o homem mais poderoso do mundo acabe tão cedo, embora nem
um nem outro tenha qualquer compromisso com coerência ou se paute por qualquer
preocupação de caráter moral, razão pela qual não será surpresa se, a qualquer
momento, eles fingirem que nada aconteceu e voltarem ao bromance –
gíria americana que designa o romance entre amigos e que costuma ser usada para
qualificar a relação tórrida entre Trump e Musk.
Enquanto isso, o mundo, entre o atônito e o
zombeteiro, assiste a esse reality show de gosto duvidoso, mas de
diversão garantida, com um misto de vergonha alheia e de Schadenfreude,
palavra alemã que designa a alegria com a desgraça dos outros. As consequências
práticas dessa briga para o resto do planeta tendem a ser insignificantes. Já
as ações das empresas de Musk se desvalorizaram rapidamente, porque o mercado
intui que, na briga entre quem tem mais dinheiro e quem tem mais poder, ganha
quem tem a caneta presidencial.
Não é possível dizer que esse episódio seja o
ponto mais baixo da presidência de Trump até aqui, porque a concorrência é
grande, mas jamais se viu algo parecido com isso na história americana. Ainda
assim, não surpreende: quando Trump apagou as fronteiras entre o público e o
privado, trazendo para o centro de sua gestão um bilionário como Musk, com
diversos contratos com o governo e com carta branca para demitir pessoas e ter
acesso irrestrito a dados sensíveis sobre a administração, criou as condições para
que esse mesmo empresário se considerasse uma espécie de “copresidente”.
Quando Trump deixou claro que só há um
presidente, Musk se aborreceu, mas talvez não tenha muito mais o que fazer a
respeito a não ser tentar destruir a imagem de seu ex-amigão, o que é uma
tarefa inglória, como sabem todos aqueles que cruzaram o caminho do presidente
americano.
É preciso respeitar a diversidade da fé
Correio Braziliense
O Brasil, conhecido pela sua diversidade
racial, consolida igualmente uma diversidade religiosa. Trata-se de um marco
relevante, considerando que as religiões, historicamente, motivaram e ainda
motivam conflitos graves em diversos países
O retrato da religiosidade no Brasil
divulgado na última sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) revela mudanças importantes na sociedade brasileira, além de
provocar reflexões sobre políticas públicas e princípios civilizatórios.
Chama a atenção, em primeiro lugar, o
declínio do número de brasileiros que se declaram católicos. Ao recuar de 65,1%
para 56,7% entre 2010 e 2022, o catolicismo enfrenta uma evasão constante de
fiéis, de forma mais acentuada a partir dos anos 1970.
Em movimento oposto, observa-se um aumento
consistente dos evangélicos. Em 2022, um em cada quatro brasileiros se dizia
adepto dessas denominações, que ganharam fôlego particularmente nas vertentes
pentecostais e neopentecostais.
O IBGE registra, ainda, o crescimento de
fiéis das religiões de matriz afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda.
No intervalo de 12 anos, o percentual saltou de 0,3% para 1% da população
brasileira, o que denota uma alta proporcional expressiva. Acrescente-se também
o aumento de cidadãos sem qualquer religião. Essa parcela da população cresceu
de 7,9% para 9,3%. Em números redondos, significa dizer que cerca de 20 milhões
de brasileiros não se identificam com nenhuma instituição religiosa. Trata-se
do terceiro maior contingente populacional no contexto de religiosidade,
conforme o levantamento do IBGE. Por fim, nota-se uma redução dos devotos do
espiritismo, com queda de 2,2% para 1,8% dos brasileiros.
Tudo somado, está claro que o Brasil,
conhecido pela sua diversidade racial, consolida igualmente uma diversidade
religiosa. Trata-se de um marco relevante, considerando que as religiões,
historicamente, motivaram e ainda motivam conflitos graves em diversos países.
Na realidade nacional, é importante que o convívio entre diferentes credos
ocorra dentro do princípio da tolerância. Nesse sentido, convém lembrar que a
liberdade de consciência e de crença, bem como a proteção aos locais de culto,
estão asseguradas pelo artigo 5º da Constituição Federal. Não há razão,
portanto, para o brasileiro esconder a fé que professa. Ou até mesmo a ausência
de inclinação religiosa.
Dito isso, preocupa observar que a
intolerância religiosa ainda está presente no cotidiano brasileiro. Como
mostrou o Correio na edição de ontem, o serviço Disque 100, do Ministério dos
Direitos Humanos e Cidadania, registrou, em 2024, 3.853 violações causadas por
preconceito religioso. A discriminação atingiu principalmente as denominações
de matriz africana, segundo os dados do governo federal. Em um país onde a
maior parte da população é negra, trata-se de profundo paradoxo.
Os dados divulgados pelo IBGE dão
oportunidade para instituições religiosas encontrarem os meios de melhorar a
interação com os fiéis e, eventualmente, aumentar a quantidade de adeptos. Os
números podem sinalizar o sucesso de algumas iniciativas, ou sugerir correções
de rumo. Em relação ao poder público, o levantamento evidencia a necessidade de
manter uma convivência pacífica entre os diferentes credos e de combater a
discriminação. Por fim, à sociedade brasileira, o atual retrato recomenda uma
postura madura, que respeite a espiritualidade de cada um.
Padre Cícero: mais um passo para a
beatificação
O Povo (CE)
A atribuição do título "Servo de
Deus" ao Padre Cícero mostra que a sua causa de beatificação está em
andamento. É o primeiro passo no longo caminho de canonização
Este fim de semana é marcado por mais um
capítulo histórico no processo de beatificação de Padre Cícero. A
cerimônia que encerra a fase diocesana da causa de beatificação do Servo de
Deus, com missa e sessão solene no Crato, registra a conclusão do primeiro
inquérito, concluído após dois anos e seis meses desde a abertura oficial do
processo, em 30 de novembro de 2022.
Nesse período, a Igreja reuniu escritos e
outros documentos acerca da vida e da missão de Padre Cícero, que somam mais de
800 páginas. Foram colhidos 62 depoimentos com a finalidade de comprovar as
virtudes de santidade do sacerdote conhecido como Patriarca do Nordeste.
Na sessão solene realizada pela Diocese
de Crato, foi feita a exposição pública dessa documentação. Após essa
apresentação, os documentos serão armazenados em caixas lacradas com o selo do
bispo da Diocese e enviados a Roma. A previsão é de que esse envio ocorra neste
mês de junho.
Após análise, a Congregação para a Causa dos
Santos emitirá o documento de validade jurídica do processo. Isso atesta que a
fase diocese foi cumprida de acordo com o protocolo exigido pelo Dicastério.
Dá-se início à fase romana, segunda fase do primeiro inquérito, avançando para
a beatificação e, em seguida, para a canonização.
A abertura do processo de canonização de
Padre Cícero foi registrada em 20 de outubro de 2015, quando o cardeal Pietro
Parolin, secretário de Estado do papa Francisco, enviou uma carta de
Reconciliação Histórica da Igreja Católica com o sacerdote. Em 13 de dezembro
do mesmo ano, a carta foi divulgada ao público.
Em 24 de junho de 2022, a Santa Sé, por
meio do Dicastério para a Causa dos Santos, endereçou uma carta à Diocese de
Crato informando o "Nihil Obstat", significando que nada impedia a
abertura de um Processo de Beatificação e Canonização do Padre Cícero. No mesmo
ano, em 30 de novembro, realizou-se a solenidade de abertura do seu processo de
beatificação e canonização. Desde então, de 2022 a 2025, tem ocorrido a análise
diocesana de sua vida, fama de santidade e virtudes.
A atribuição do título "Servo de
Deus" mostra que a sua causa de beatificação está em andamento.
É o primeiro passo no longo caminho de canonização. Deixa de ser uma
possibilidade e ingressa na concretude do reconhecimento de sua santidade.
É certo que é necessária a autorização da
Igreja para fazer de Padre Cícero um santo oficial, respeitando os exigentes
ritos. Os fiéis da Região do Cariri e os milhares de romeiros de todo o Brasil
já o veneram como santo popular, nas romarias em sua devoção, seja pedindo a
sua intercessão, seja agradecendo. Colocar a imagem de Padre Cícero nos altares
é um presente pelo qual uma vasta nação de romeiros anseia há muito tempo.
Deseja-se que a receptividade que teve papa
Francisco para retomar o diálogo sobre a abertura do processo de Padre Cícero
seja continuada na acolhida do papa Leão XIV. O respeito à vida de Padre Cícero
e a sensibilidade com as graças alegadas por seus devotos devem ser
considerados para que, em breve, tenhamos o santo popular como um santo
reconhecido pela Igreja.
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