O Globo
Trump e Musk têm estatura comparável. Quem
destruir o adversário destruirá a si também
Seria um pastelão de garotos mimados fossem outros os protagonistas, outras as armas. Mas a espetaculosa pancadaria de quinta-feira opôs o ego e o poder do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao ego e ao poder do titã bilionário Elon Musk. Coisa grande, portanto. Tratando-se de dois espécimens doentiamente fissurados pelo próprio umbigo, o rompimento vinha sendo dado como inevitável desde a meteórica junção das duas grifes. O que ninguém previu, porém, foi a vertiginosa sucessão de golpes. De parte a parte foi uma erupção dos demônios que hibernam em cada um. Não houve nocaute, nem poderia haver. Trump e Musk têm estatura (física até) comparável. Quem destruir o adversário destruirá a si também.
Para espanto do recém-empossado chanceler
alemão, Friedrich Merz, em visita à Casa Branca para tratar de tarifas, Trump
aproveitou a tradicional sessão de fotos oficiais no Salão Oval para fazer
barulho. No ambiente repleto de jornalistas, decidiu responder às contundentes
críticas que Musk fazia à peça-chave de seu governo — a polêmica Lei
Orçamentária de 2025 que aguarda votação no Congresso. Caso venha a ser
rejeitada, boa parte do capital político de Trump afunda. Se aprovada, o
generoso subsídio do governo americano a fabricantes de carros elétricos
(leia-se à Tesla) será uma das primeiras vítimas. Trump começou manso, com um
muxoxo de mágoa:
— Estou muito decepcionado com Elon... Eu o
ajudei muito.
Rapidamente foi tornando tom e conteúdo mais
venenosos. Musk, que acompanhava a transmissão em tempo real, foi fiel a seu
histórico de sair disparando sem fazer prisioneiros. Em pouco tempo, os dois
adultos mais poderosos do mundo viraram caubóis de teclado. Musk com 220,2
milhões de seguidores na plataforma X, de sua propriedade, e Trump com 9,8
milhões na emergente Truth Social, criada à sua imagem e veneração. As
postagens eram ora vingativas, ora mesquinhas, pessoais ou teatrais, infantis,
perigosas, reveladoras, consequentes ou ameaçadoras. Entre os restantes
8.225.618.795 bípedes do planeta, muitos dos que acompanharam o embate tiveram
uma tarde de diversão gratuita. Outros tentavam controlar a ansiedade de parte
interessada.
Enquanto Trump ameaçava cancelar US$ 3
bilhões em contratos de 17 agências federais com empresas de Musk, e as ações
da Tesla despencavam mais 14% em Wall Street, o empresário explodiu o barraco
sugerindo que o presidente poderia ter tido algum envolvimento na infame rede
de exploração sexual dirigida por Jeffrey Epstein. Sobretudo, Musk aventou a
possibilidade de financiar o lançamento de um terceiro partido para as próximas
eleições.
A história eleitoral americana ensina que
terceiras vias sempre afundam diante do rolo compressor de democratas e
republicanos. Mas até hoje nenhum terceiro partido teve, no nascedouro, o que
somente Musk pode oferecer: financiamento ilimitado e predomínio digital
absoluto. Ele já lançou uma pesquisa nacional de uma só pergunta, por meio de
sua plataforma: o país deveria ter um terceiro partido para representar os 80%
da população que, segundo ele, se situam “no centro” (Musk se considera
libertário centrista, o que quer que isso queira significar). Além disso, ele
oferece bancar a campanha de candidatos ao Congresso em novembro próximo para
derrotar aqueles que terão aprovado a lei orçamentária, por ele qualificada de
“revoltante abominação”.
Tem sido patética a tibieza da tech right,
grupo de empresários ultradireitistas do Vale do Silício que até então abraçava
tanto o presidente quanto o agora ex-ídolo da Casa Branca. Mais desnorteado
ainda, só mesmo o Partido Democrata, que conseguiu a proeza de desperdiçar US$
20 milhões numa pesquisa nacional de 30 grupos para apurar o óbvio: foram
derrotados em 2024 porque o voto masculino do trabalhador americano jovem
migrou para Trump. Nada de novo, portanto, parece emergir dessa seara.
Voltando ao tiranicídio de quinta-feira, que
retrata de forma magistral a esbórnia em que navega a política americana sob
Trump, vale ressaltar duas intervenções. Uma foi postada pela escritora Ashley
St. Clair, quando a troca de sopapos digitais já durava duas horas. Ela é uma
das mulheres com quem Musk gerou um de seus 13 filhos e de quem está
distanciada:
— Ei, @realDonaldTrump, me avisa se vc
precisar de conselho sobre rupturas — escreveu ela.
Outra mensagem edificante foi postada pelo
rapper-celebridade transmutado em negociador de conflitos, Kanye West:
— Manooooos, parem. Amamos vocês dois —
postou o ex de Kim
Kardashian.
Tudo certo na maior potência do planeta. O
dia não acabou antes de o cavernoso Steve Bannon sair das sombras para sugerir
que Musk, nascido na África do Sul,
mas naturalizado americano, pode sofrer processo de deportação se necessário. A
alergia de Bannon a Musk é epidérmica, notória e recíproca. A esculhambação
geral, também. Partiu de Dmitri Medvedev, ex-presidente da Rússia e atual
vice-presidente do Conselho de Segurança do Kremlin, ralhar na rede:
— Meninos, não briguem... Se Musk precisar de
novo lar, podemos recebê-lo como asilado político em Moscou.
Tempos e tapas animados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário