O Globo
No primeiro dia do julgamento da trama
golpista, sustentações frágeis e apáticas mostram que advogados contam mais com
anistia que com sucesso no STF
O primeiro dia do julgamento da trama
golpista chamou a atenção, de um lado, pela veemência do relator Alexandre de
Moraes e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, em reiterar a gravidade
da tentativa de golpe de Estado praticada por Jair Bolsonaro e seus
subordinados e, de outro, por certo desleixo dos primeiros advogados a fazer
sua sustentação oral. Parecem ter jogado a toalha e deixado para a política
resolver a situação de seus clientes.
O movimento pela anistia ampla, geral e irrestrita é o sujeito oculto do julgamento histórico que se iniciou ontem no Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto a primeira sessão transcorria, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), convocava líderes para uma reunião. Pressionado de todos os lados para pautar a anistia, ele hesita entre ficar bem com os pares e com nomes como o governador Tarcísio de Freitas, que tomou a frente nessas articulações, e o temor de um embate com o STF e o achincalhe da opinião pública aqui e no exterior.
Moraes usou alguns minutos antes da leitura
do relatório-resumo da Ação Penal 2668 para responder aos movimentos de
bastidores que visam a influenciar o julgamento, seja antes do veredito, seja a
posteriori, com ameaças de novas sanções e a pressão crescente por anistia.
Em relação à primeira frente, pela qual
trabalha diuturnamente, mesmo depois do fim do prazo de sua licença
parlamentar, o deputado Eduardo Bolsonaro, Moraes reiterou que a soberania do
Brasil é inegociável e que o STF não abrirá mão de sua independência por temer
ameaças vindas de outros países.
A segunda parte de sua fala teve como
endereço a residência oficial da Câmara, onde se desenrolam as conversas
testando a viabilidade da anistia. Ele disse que não se promove a pacificação
do país por meio da “covardia do apaziguamento”, menção clara à ideia de
anistia para crimes que, de acordo com o entendimento da maioria do Supremo,
não são passíveis de ser atingidos por tal instituto, por atentarem contra a
própria existência do Estado Democrático de Direito.
Com a fala, Moraes deixa claro que não se
sensibilizou com o argumento, empunhado por vários integrantes da direita e do
Centrão, segundo o qual o STF deveria “respeitar” caso o Legislativo opte por
uma solução política para o caso — se resolver melar, dias depois, o julgamento
que acontece após dois anos de investigações, de toneladas de provas e da
comprovação de fatos perturbadores, como a trama de assassinato de autoridades
e o fomento de uma insurreição violenta como o 8 de Janeiro.
Num sinal claro de que não veem chance de
reverter uma esperada condenação dos réus desse núcleo central da trama
golpista, os cinco advogados que se revezaram na tribuna da Primeira Turma do
STF, neste primeiro dia, promoveram um espetáculo entre tedioso e claramente
constrangedor, quando não surrealista.
Todos, mesmo os que tinham objetivos opostos,
como os defensores do delator Mauro Cid e dos delatados por ele, fizeram
questão de fazer elogios aos ministros da Turma, não se sabe se numa tentativa
de obter penas mais brandas ou se já pensando que voltarão a atuar no tribunal
em breve e não podem se indispor com os julgadores.
Coube ao ex-senador Demóstenes Torres,
protagonista da sustentação mais sem pé nem cabeça, dar a senha: no fim de sua
fala, praticamente disse que o julgamento não era a instância final, porque,
depois, a decisão sobre sua validade seria política.
O Brasil é analisado pelo mundo como caso de
país que tomou a iniciativa de punir aqueles que tentam solapar a democracia
por meio de suas próprias instituições. Também se mostra disposto a romper com
o próprio passado de condescendência com o golpismo. Mas, como sempre, existe
uma reação (aí sim, do sistema) tentando fazer letra morta de um julgamento
histórico. É hora de o Congresso Nacional deixar claro de que lado está.
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