Valor Econômico
A ver até onde o empurrão das megaoperações da semana passada levará a pauta legislativa
“De quantos votos você precisa?”, perguntou o
rapaz educado e bem-vestido, a um parlamentar candidato à reeleição.
O moço havia marcado a reunião por intermédio
de um amigo do congressista. Até sua chegada ao encontro, a equipe do candidato
não sabia que se tratava do líder local de uma facção criminosa. Quando soube,
era tarde para evitar a conversa.
“Como você vai conseguir os votos? Vai
ameaçar as pessoas?”, quis saber o parlamentar. O rapaz sorriu e disse que não
precisava ameaçar ninguém. Explicou que tinha uma relação com a comunidade
construída à base de pequenos favores: um botijão de gás, um remédio, um
emprego, ajuda para religar a energia cortada. Dificilmente as pessoas
deixariam de atender um pedido de voto seu.
“E o que quer em troca dos votos?”, perguntou
o congressista.
Nada em específico, informou o rapaz. Quando precisasse, entraria em contato para tratar de um ou outro assunto.
O candidato explicou-lhe então que não
poderia fazer tal compromisso. Era 2022.
Nas eleições, o parlamentar obteve os votos
de sua base eleitoral mais fiel, que lhe dera seguidos mandatos. Mas não
conseguiu o suficiente para retornar à sede do Legislativo federal. Depois de
divulgados os resultados das urnas, recebeu uma mensagem do rapaz: “Viu?”.
A história é chocante, mas não surpreende
quem transita pelo coração da capital federal. Lá, não é segredo que o crime
organizado tem defensores no Legislativo.
Esse era o motivo apontado, à boca miúda,
para explicar por que pautas como a da tipificação do devedor contumaz de
tributos não avançavam.
As megaoperações deflagradas na quinta-feira
passada, que expuseram a atuação do crime organizado no setor de combustíveis e
o uso de fintechs para lavar o dinheiro, colocaram pressão sobre o Congresso.
O Senado aprovou ontem, por 71 votos
favoráveis e nenhum contra, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 125, relatado
por Efraim Filho (União-PB).
A matéria aguardava desde fevereiro para ser
incluída na pauta de votação do plenário. Recebeu das megaoperações “o empurrão
que faltava”, comentou o senador na segunda-feira, quando apresentou seu
relatório.
Devedor contumaz é, na linguagem direta do
secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, um “bandido”. Aquele que
abre uma empresa para legalizar dinheiro do crime. Que não paga impostos - pelo
contrário, a sonegação tributária faz parte de seu modelo de negócios.
Com a nova classificação, a Receita terá
meios de, mais rapidamente, impedir que essas empresas funcionem. Elas poderão
ter a inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) cancelada.
Além disso, o projeto acaba com uma regra
pela qual o pagamento da dívida tributária encerra o processo. Com a mudança, a
contumácia na sonegação pode ter consequências na esfera criminal.
Por isso, o Fisco ganhou apoio do setor
empresarial formal. Empresas que operam na legalidade sofrem concorrência
desleal intensa do crime organizado.
O projeto também regulamenta os programas de
conformidade da Receita Federal, que premia os contribuintes com bom histórico.
Batizado de Código de Defesa do Contribuinte, o texto ainda traz normas de
relacionamento entre as administrações tributárias e os pagadores de impostos.
O relatório de Efraim recepcionou trechos de
outras duas propostas semelhantes que tramitam no Congresso. O PLP 164,
relatado pelo senador Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) e o Projeto de Lei (PL)
15/2024, apresentado pelo governo e relatado na Câmara dos Deputados por Danilo
Forte (União-CE).
Forte representa um Estado que, no início deste
ano, viu as operações de seu principal porto, o de Pecém, prejudicadas pela
ação do crime organizado, que interrompeu os serviços de internet naquela
região.
Também do Ceará, o deputado Mauro Benevides
(PDT) protocolou na sexta-feira passada um projeto de lei que, nas suas
palavras, “elimina” a lavagem de dinheiro no Brasil. “Em qualquer aplicação,
será obrigatória a identificação individual de cada aplicador”, explicou. As
operações da semana passada mostraram movimentação de grandes volumes por meio
de contas em nome das próprias instituições.
Por se tratar de uma lei complementar, as
regras constantes do PLP 125 poderão ser aplicadas pelos entes subnacionais.
Efraim comentou em plenário que a inserção do crime organizado na política é
uma realidade, e que seria difícil para câmaras estaduais e municipais
aprovarem regras tão duras de enfrentamento.
O PLP 125 ainda precisa ser analisado pela
Câmara dos Deputados.
Os mais otimistas acreditam que a pauta vai
passar rapidamente. Consideram que as operações produziram no PLP 125 um
“efeito Felca”, referência ao influenciador cujas denúncias levaram à rápida
aprovação de regras que protegem crianças na internet e responsabilizam
plataformas.
A ver até onde o empurrão das megaoperações
da semana passada levará a pauta legislativa de combate ao crime organizado.
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