Folha de S. Paulo
Discurso político de Moraes e negação do
bolsonarismo cumprem roteiro previsível
Para um país cuja República foi sacramentada
em uma quartelada, deixa de ser vulgar empregar o termo histórico para o
julgamento de Jair Bolsonaro (PL) e seu séquito militar.
Isso dito, a apreciação do caso do núcleo
da trama
golpista de 2022 apontada pela PGR (Procuradoria-Geral da República),
aberto nesta terça (2), cumpre um roteiro de previsibilidade que apenas reitera
a polarização vigente no país.
Ela se demonstra de formas diversas. Primeiro, na negação do juízo abraçada pelo bolsonarismo mais raiz, da família do ex-mandatário a Silas Malafaia.
A ausência física do patriarca no Supremo que
o julga sugere um fato consumado acerca de seu futuro político mais imediato. O
contraste com
sua primeira ida à corte, em março, quando buscou vender uma imagem
desafiadora, e com seu titubeante
depoimento em junho, ficou agora completo.
A briga pelo espólio, já visível pela
agitação sem fim do deputado Eduardo e sua campanha contra o Brasil
nos Estados Unidos, só irá piorar. Em público, o que sobra é dizer, como
fez o senador Flávio, que tudo não passa de uma farsa. Isso ignora a
realidade, e aqui não se fala do mérito jurídico e eventuais penalidades, do
golpismo evidente desenhado na denúncia da PGR.
Tanto faz: para os bolsonaristas, o
ex-presidente é um perseguido, ponto final. O inverso é verdadeiro
para o governismo petista e não só, e aqui Alexandre
de Moraes arriscou-se talvez de forma desnecessária ao pontuar
politicamente seu discurso de abertura na sessão.
Primeiro, ele
voltou a prejulgar o caso em que seria vítima presumida, dizendo
considerar que houve uma tentativa de golpe. Segundo, trouxe
a campanha dos Bolsonaros em parceria com Donald Trump para dentro da
corte, asseverando independência e firmeza sobre as quais nem seus adversários
impingem dúvidas.
Celebra essa realidade o presidente Lula (PT),
cioso guardião
da polarização. Se os ataques de Trump recrudescerem devido à provável
condenação de Bolsonaro, ele terá ganho uma extensão bem-vinda da presença do
rival no imaginário da disputa política —mesmo inelegível e preso.
Claro, o prolongamento da crise tende
a desgastar o petista junto a atores econômicos, mas a experiência
pregressa sugere que ele irá ignorá-los no discurso.
Restará saber como se comportará a classe
média flutuante na banda conservadora do espectro político. Em 2018, ela ajudou
a eleger Bolsonaro e, quatro anos depois, deu pontos vitais à vitória de Lula.
Com os campos delimitados, pena o herdeiro
presumido da direita em 2026, o governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos-SP). Após hesitar, ele está em modo de
solidariedade total a Bolsonaro, dizendo até que "não posso falar que
confio na Justiça". Prometeu um indulto que não dura um recurso ao
Supremo, caso vire presidente.
Em
apoio ao ex-chefe e patrono de sua existência política, Tarcísio foi a
Brasília e se diz empenhado na costura de uma anistia que, como se sabe, é
muito improvável. Isso o credenciará para ser ungido por Bolsonaro, a depender
dos humores familiares do clã, ou ao menos deixará a acusação de traição mais
difícil.
O problema é o quão disposto a esticar a
corda com os togados está o governador, e o palanque do 7 de Setembro no
domingo será o próximo teste prático do seu delicado malabarismo.
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