Correio Braziliense
O escritor Hélio Barros nos oferece um
instigante romance que revela um aspecto pouco conhecido da nossa história
colonial: a relação entre a metrópole lusitana e a vida no sertão nordestino
O professor Hélio Barros deu grande
contribuição ao Brasil por ser um dos pioneiros na promoção das Olimpíadas do
Conhecimento, que funcionam como estímulo ao estudo e à autoestima de centenas
de milhares de estudantes. Agora, o escritor Hélio Barros nos oferece um
instigante romance que revela um aspecto pouco conhecido da nossa história
colonial: a relação entre a metrópole lusitana e a vida no sertão nordestino.
O livro O romance da Nova Lusitânia começa com um longo diálogo entre amigos, provavelmente em 1777, em uma cidade ao norte de Portugal. Ao longo do diálogo, um dos amigos conta o que viu durante os anos que viveu na colônia, provocando os companheiros quanto às dificuldades nas relações com a metrópole. Para eles, metrópole e colônia estavam unidas pelo rei e por Cristo, mas havia uma dúvida permanente sobre o que viria a acontecer e o que seria melhor para a relação entre Portugal e aquela terra imensa, estranha, habitada por indígenas, africanos e até por europeus cada vez menos portugueses: os brasilianos.
Apesar de certo ufanismo sobre um país que
teria surgido por inspiração de Cristo aos cruzados, percebe-se pessimismo
quanto à capacidade de Portugal manter o controle de um território tão grande,
distante, isolado e habitado por brejeiros racialmente misturados entre
brancos, negros, índios em constante concubinato. Esse pessimismo é resumido
por um dos participantes do diálogo ao lembrar que Portugal era um país
pequeno, incapaz, segundo ele, de alimentar a própria população de forma
autônoma, por depender economicamente de outras praças.
Nesse longo debate entre os cinco amigos,
Hélio Barros reconstitui de forma convincente — pode-se dizer, magistral — o
que provavelmente era o imaginário em Portugal no fim do século 18, tanto sobre
o futuro do próprio país, dependente da Espanha, França e Inglaterra, quanto
sobre o destino da colônia ser uma Nova Lusitânia, ou um novo país
independente, como as colônias inglesas na América do Norte ensaiavam. Essa
reconstituição revela o domínio de um escritor sólido, tanto no conhecimento da
história quanto na capacidade de mergulhar na mente dos portugueses da época.
Hélio Barros demonstra esse domínio com
maestria: o conhecimento histórico e a habilidade narrativa para dar vida às
mentalidades do século 18. Também se destaca ao imaginar e descrever o
despertar de um menino de 14 anos que, escondido na casa de seu pai anfitrião
do encontro de amigos, ao escutar o debate dos adultos sobre a Nova Lusitânia,
adquire o desejo de viver a aventura da emigração. Esse menino transforma-se no
personagem principal do romance: sua fuga de casa por terra até o porto, a
travessia do Atlântico, a chegada ao Recife e a marcha até o alto sertão
pernambucano. A narrativa da travessia marítima e do percurso terrestre no
sertão, na passagem do século 18 para o 19, acende uma luz que raramente vemos
nos livros de história e em poucos romances conseguiram captar. Hélio Barros
preenche lacuna na literatura brasileira ao criar um enredo onde os detalhes da
vida no sertão pernambucano compõem um fascinante ambiente de rotinas laborais
e domésticas, dúvidas, esperanças, ousadias e coragem em uma região remota.
O livro retrata a constante ambiguidade de
quase todos os personagens, divididos entre a fidelidade ao rei e a Portugal e
o sonho de independência da colônia — uma tensão que viria a ser resolvida com
a solução mágica da independência sob um imperador filho do rei da metrópole. O
realismo do livro se evidencia pela total ausência das palavras
"escola" ou "educação" no imaginário da época — exceto pela
preocupação do protagonista com a formação em Coimbra de apenas dois de seus
mais de 20 filhos.
Além do deslumbramento literário e do
conhecimento histórico adquirido, ao ler O romance da nova Lusitânia, o leitor
tem a sensação de que, apesar das radicais mudanças ocorridas, ainda persiste o
descaso com a educação da população. Felizmente, o escritor é um educacionista
e, ao lado do belo romance, nos trouxe as Olimpíadas do Conhecimento, que estão
nos ajudando a mudar essa característica secular e dar os passos necessários
para uma nova Nova Lusitânia.
*Cristovam Buarque, professor emérito da
Universidade de Brasília (UnB)
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