Correio Braziliense
Advogados tentaram desacreditar a delação de Mauro Cid, considerada frágil, incoerente e até fabricada sob pressão, embora a própria defesa do tenente-coronel tenha negado coação
No segundo dia de julgamento de Jair
Bolsonaro e demais sete réus acusados de integrarem o núcleo crucial da trama
golpista, ontem, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, os advogados de
defesa do ex-presidente e dos generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter
Braga Netto negaram qualquer participação dos acusados na trama que resultou na
tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, quando centenas de
bolsonaristas invadiram e vandalizaram o Palácio do Planalto, o Congresso
Nacional e o STF.
Na Corte, foi um dia em que os advogados brilharam na defesa oral de seus clientes, ao aproveitar todas as brechas da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e as contradições da “delação premiada” do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, considerada um relato contraditório, insuficiente e não confiável. No caso do ex-presidente, os advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno sustentaram que ele não atentou contra a democracia, não participou da elaboração de minutas golpistas nem incitou atos violentos — e que estava em Miami, nos Estados Unidos, no 8 de janeiro.
Segundo Vilardi, Bolsonaro foi “dragado para
esses fatos” sem que houvesse qualquer prova de sua participação. A defesa
insistiu que não há vínculo entre o ex-presidente e operações investigadas pela
PF, como a Punhal Verde Amarelo ou a Operação Luneta. Para reforçar a tese, os
advogados destacaram que nem mesmo o delator Mauro Cid atribuiu a Bolsonaro
participação direta nessas articulações. Outro eixo da argumentação foi o
questionamento da própria delação. Vilardi apontou que Cid “mudou de versão
várias vezes”.
Como no primeiro dia do julgamento, os
advogados acusaram o STF de acelerar indevidamente o processo e cercear o
direito de ampla defesa ao disponibilizar provas volumosas — mais de 70
terabytes — sem tempo hábil para análise. Bolsonaro, insistiram os advogados,
deixou a Presidência em 31 de dezembro de 2022 e conduziu a transição para o
governo Lula de maneira regular. Inclusive promoveu o contato entre os novos
ministros e os comandantes militares, o que seria incompatível com um plano
golpista. Destacaram que, ainda presidente, ele ordenou que os caminhoneiros
liberassem as estradas bloqueadas após o resultado eleitoral.
Falta de provas
A defesa de Braga Netto, ex-ministro da Casa
Civil e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, em 2022, adotou linha semelhante.
O advogado José Luís Oliveira Lima afirmou que não há provas concretas contra
seu cliente e que a delação de Cid “não fica em pé de jeito nenhum”. Segundo
ele, é inadmissível condenar alguém com base em “um relato vago, contraditório
e sem provas materiais”. Também criticou a acusação de que o general da reserva
teria recebido dinheiro para financiar a trama, lembrando que o tenente-coronel
não conseguiu precisar data, local nem circunstâncias.
Advogado de Augusto Heleno, Matheus Mayer
Milanez buscou afastar seu cliente das acusações de participação no núcleo
estratégico. Ele criticou o ministro relator Alexandre de Moraes, com o
argumento de que juiz não pode se transformar em inquisidor. Negou que o
general tenha pressionado militares por adesão ao golpe ou usado a Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) em ações clandestinas. A defesa também
destacou o afastamento político de Heleno em relação a Bolsonaro, nos últimos
meses de governo.
Andrew Fernandes, advogado encarregado da
defesa do general Paulo Sérgio Nogueira, destoou dos demais e sustentou que o
ex-ministro da Defesa tentou demover Bolsonaro de iniciativas golpistas,
acusação que reafirmou ao ser iondagado pela ministra Cármem Lúcia. Disse que
seu cliente sempre honrou as Forças Armadas e que não há provas de sua
participação em articulações. Argumentou que os ataques virtuais de grupos
bolsonaristas contra Paulo Sérgio mostram que ele não integrava o núcleo da
trama.
O eixo das defesas foi a tentativa de
desacreditar a delação de Mauro Cid, considerada frágil, incoerente e até
fabricada sob pressão, embora a própria defesa do militar tenha negado coação.
Todos os advogados sustentaram que há ausência de provas documentais ou
testemunhais robustas que vinculem diretamente seus clientes à preparação de um
golpe de Estado. Reforçaram também que a aceleração processual e a imensidão de
provas digitais cercearam o direito de defesa.
A PGR aponta Bolsonaro como líder de uma
organização criminosa responsável por cinco crimes: abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, dano
qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A PGR sustenta que o
ex-presidente tinha “plena consciência e participação ativa” na trama e que os
generais desempenharam papéis decisivos, seja coordenando ações violentas,
articulando apoio militar ou atuando no núcleo estratégico.
Na próxima terça-feira, o julgamento será
retomado, com a apresentação do voto do relator Alexandre de Moraes. Nesse
ínterim, intensificam-se as pressões da Casa Branca contra o Supremo e as
articulações no Congresso para anistiar os que forem condenados logo após a
conclusão do julgamento.
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