O Globo
Defesa questiona se PGR comprovou o emprego
de violência ou grave ameaça, obrigatórios para a execução dos crimes
Jair Bolsonaro caminha para ser condenado à
prisão por atentar contra a democracia. Não deixa de ser irônico porque foi ele
quem sancionou, em 2021, a lei que será usada para condená-lo. O então
presidente a assinou em substituição à Lei de Segurança Nacional, de 1983, com
os autógrafos de Walter
Braga Netto, Anderson
Torres e Augusto
Heleno, todos ministros de seu governo que, ironicamente também, deverão
ser condenados por infringir a mesma lei.
Quando os ataques contra a democracia brasileira começaram, na primeira metade do governo Bolsonaro e numa espécie de esquenta do que veríamos a partir de 2022, o Judiciário teve de recorrer ao entulho normativo da ditadura para proteger a democracia. Outra ironia. Foi aí que o Congresso resolveu formular a Lei 14.197, que colocou no Código Penal dois crimes: tentar abolir o Estado Democrático de Direito e tentar golpe de Estado.
Ontem a defesa de Bolsonaro levantou um ponto
debatido por criminalistas que acompanham a trama do golpe: a Procuradoria-Geral
da República (PGR)
comprovou o emprego de violência ou grave ameaça, obrigatórios para a execução
dos crimes? Para a defesa, a live contra as urnas, as reuniões com militares e
a minuta do golpe não caracterizam ameaça nem violência. Também alegam que tudo
é ato preparatório, não punível na lei, e que não há prova vinculando Bolsonaro
à violência do 8 de Janeiro. A PGR destacou que os eventos têm de ser analisados
num conjunto de ameaças e violência, cujo ápice foi o 8 de Janeiro, com
Bolsonaro como o principal incitador. Paulo Gonet entendeu ainda que o uso
da Abin e
da Polícia
Rodoviária Federal para impedir o voto e os discursos de Bolsonaro
contra as instituições, entre outros pontos, caracterizam violência ou grave
ameaça.
— É a violência ou grave ameaça às
instituições, não necessariamente às pessoas, como no caso de roubo ou estupro.
E também no plano do discurso, ao atacar as ideias que são os pilares da
democracia. A linha do PGR tem uma interpretação mais ampla — diz a professora
Raquel Scalcon, da FGV-SP.
No estudo “O crime de golpe de Estado no
Direito Comparado e no Brasil”, Lucas Miranda e Túlio Vianna analisam leis de
outros dez países, entre as quais as dos Estados Unidos,
onde o Sedition Act impõe pena de até 20 anos para quem “conspirar para
derrubar ou destruir por meio de violência o governo dos Estados Unidos”; e
da Alemanha,
cuja Constituição garante a livre associação, mas a proíbe para atos contra a
ordem constitucional.
Segundo os autores, a maioria prevê pena para
quem instigar ou promover os atos preparatórios:
— A nova legislação brasileira sobre o tema
ainda é bastante tímida na tutela da ordem constitucional. É grave a ausência
de previsão de punição para a instigação e para atos preparatórios.
Se a lei previsse também conspiração contra a
democracia, a discussão sobre violência ficaria menor. Mas há parlamentares que
preferem o caminho contrário ao fortalecimento da regra: o enfraquecimento, com
a proposta de anistia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário