quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A violência e os atos preparatórios, por Julia Duailibi

O Globo  

Defesa questiona se PGR comprovou o emprego de violência ou grave ameaça, obrigatórios para a execução dos crimes

Jair Bolsonaro caminha para ser condenado à prisão por atentar contra a democracia. Não deixa de ser irônico porque foi ele quem sancionou, em 2021, a lei que será usada para condená-lo. O então presidente a assinou em substituição à Lei de Segurança Nacional, de 1983, com os autógrafos de Walter Braga NettoAnderson Torres e Augusto Heleno, todos ministros de seu governo que, ironicamente também, deverão ser condenados por infringir a mesma lei.

Quando os ataques contra a democracia brasileira começaram, na primeira metade do governo Bolsonaro e numa espécie de esquenta do que veríamos a partir de 2022, o Judiciário teve de recorrer ao entulho normativo da ditadura para proteger a democracia. Outra ironia. Foi aí que o Congresso resolveu formular a Lei 14.197, que colocou no Código Penal dois crimes: tentar abolir o Estado Democrático de Direito e tentar golpe de Estado.

Ontem a defesa de Bolsonaro levantou um ponto debatido por criminalistas que acompanham a trama do golpe: a Procuradoria-Geral da República (PGR) comprovou o emprego de violência ou grave ameaça, obrigatórios para a execução dos crimes? Para a defesa, a live contra as urnas, as reuniões com militares e a minuta do golpe não caracterizam ameaça nem violência. Também alegam que tudo é ato preparatório, não punível na lei, e que não há prova vinculando Bolsonaro à violência do 8 de Janeiro. A PGR destacou que os eventos têm de ser analisados num conjunto de ameaças e violência, cujo ápice foi o 8 de Janeiro, com Bolsonaro como o principal incitador. Paulo Gonet entendeu ainda que o uso da Abin e da Polícia Rodoviária Federal para impedir o voto e os discursos de Bolsonaro contra as instituições, entre outros pontos, caracterizam violência ou grave ameaça.

— É a violência ou grave ameaça às instituições, não necessariamente às pessoas, como no caso de roubo ou estupro. E também no plano do discurso, ao atacar as ideias que são os pilares da democracia. A linha do PGR tem uma interpretação mais ampla — diz a professora Raquel Scalcon, da FGV-SP.

No estudo “O crime de golpe de Estado no Direito Comparado e no Brasil”, Lucas Miranda e Túlio Vianna analisam leis de outros dez países, entre as quais as dos Estados Unidos, onde o Sedition Act impõe pena de até 20 anos para quem “conspirar para derrubar ou destruir por meio de violência o governo dos Estados Unidos”; e da Alemanha, cuja Constituição garante a livre associação, mas a proíbe para atos contra a ordem constitucional.

Segundo os autores, a maioria prevê pena para quem instigar ou promover os atos preparatórios:

— A nova legislação brasileira sobre o tema ainda é bastante tímida na tutela da ordem constitucional. É grave a ausência de previsão de punição para a instigação e para atos preparatórios.

Se a lei previsse também conspiração contra a democracia, a discussão sobre violência ficaria menor. Mas há parlamentares que preferem o caminho contrário ao fortalecimento da regra: o enfraquecimento, com a proposta de anistia.

Nenhum comentário: