quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Julgamento histórico e esgoto da história, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Se anistia não sair agora, já se pensa em como fazer acordão, com STF, com tudo, em 2027

Enquanto se espera a sentença do julgamento do golpe, "histórico", continua a correr no esgoto da história o projeto de depredação da República. A extrema-direita e o centrão direitão conspiram para cancelar o Supremo por meio também da anistia. Mas a razia antidemocrática vai além.

A tentativa de reanimar o golpismo teria ganhado força também por meio da articulação política do governador de São PauloTarcísio de Freitas, que diz não confiar na Justiça. Recorde-se que entre os golpistas há integrantes de uma célula terrorista que planejava sequestrar ou assassinar Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes. A célula chegou a ir às ruas a fim de pelo menos sequestrar Moraes.

Está difícil de discernir os interesses finais dos líderes do centrão direitão. Pretenderiam apenas ("apenas") trocar uma anistia parcial (sem cadeia) por uma retirada dos Bolsonaro da corrida. O objetivo seria arrumar a casa para 2026.

Quanto a Tarcísio, estaria apenas ("apenas") pagando pedágio para Jair Bolsonaro e beijando a mão do padrinho, preço para manter votos no eleitorado bolsonarista. Não é bem ou apenas isso. Tarcísio conversa inclusive com ministros do STF, além dos bolsonaristas.

De qualquer modo, a turma da anistia não se incomoda de dar aval para a transformação do Parlamento em casa de tolerância do golpe.

Diz-se que a anistia não passa no Senado. Que o STF a derruba, ao menos em 2026. Em 2027, poderia haver arranjo, a depender de quem for presidente da República e de quem tiver maioria no Senado, que pode "impichar" ministros do STF. No país de acordões, golpes e insurreição permanente da extrema-direita, convém não ficar confiante.

É fato que o projeto de anistia teve mais adesões. A massa parlamentar está irritada, o que facilita ideias de quebra-quebra institucional. O pagamento de emendas, aquém daquele do ano passado, afeta a massa do Congresso. Parece banal, mas é obviamente importante, basta ouvir anônimos parlamentares. Além disso, massa e seus cabeças se sentem inseguros. Querem votar emendas constitucionais ("PEC da blindagem") a fim de evitar polícia e Justiça. Querem mudança de foro; querem impedir processos e medidas judiciais que não sejam autorizados pelo Congresso, em votações secretas.

Além de se concederem imunidade, criariam incentivos para que o Parlamento se torne refúgio de bandidos candidatos à imunidade. No fundo, trata-se reação a uma década de decisões do STF. A motivação mais recente, que vem de 2024, é o receio de ser pilhado em roubança de emendas ou em lavagem de dinheiro. Líderes do centrão direitão acreditam que Lula mandou a Polícia Federal atrás deles.

Nesse clima de cobiça insatisfeita e medo, a cara de pau fica mais dura. Vicejou a ideia de cancelar a autonomia do Banco Central. Seus diretores ficariam sujeitos a demissão pela Câmara, sem motivos especificados. O motivo imediato seria fazer pressão no BC a fim de favorecer lobbies do negócio da venda do Banco Master para o BRB. Seja lá o que se pense da autonomia do BC, trata-se de projeto oportunista com cara de chantagem. Por falar nisso, os proponentes do monstrengo são adeptos de Tarcísio, o liberal e futuro condutor do "Ponte para o Futuro 2" (o plano de reformas de Michel Temer). Além de acreditar em Bolsonaro e de desacreditar a Justiça, o liberal Tarcísio apoia o sufoco do BC?

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