domingo, 28 de setembro de 2025

Cartas marcadas. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Marcelo Freitas defende anistia a golpistas e impeachment de Alexandre de Moraes

Em 2 de setembro, o Supremo Tribunal Federal começou a julgar Jair Bolsonaro e seus comparsas na tentativa de golpe. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, um deputado de terno marrom subiu à tribuna para defender os réus e espinafrar a Corte.

“Gostaria de registrar minha perplexidade em razão de um julgamento que nos parece ter efetivas cartas marcadas”, esbravejou o parlamentar. Ele manifestou “apreço” e “respeito” pelos acusados e disse que a denúncia “nem sequer deveria estar sendo discutida”. Acrescentou que a provável condenação seria “uma vergonha” — para o Judiciário, não para os golpistas.

O autor do discurso foi Marcelo Freitas, dublê de deputado e delegado de polícia. Integrante da bancada da bala, ele despontou na onda bolsonarista de 2018, que encheu o Congresso de militares e meganhas. Agora será relator do processo contra Eduardo Bolsonaro no Conselho de Ética.

A representação do PT pede que o Zero Três seja cassado por quebra de decoro. O texto enumera exemplos de conduta indevida: do abandono do mandato para viver nos Estados Unidos à articulação de sanções econômicas contra o Brasil.

O documento também cita ameaças de Eduardo à democracia. Em entrevista, o filho do capitão disse que “sem anistia para Jair Bolsonaro não haverá eleições em 2026”. Faltou explicar se ele conta com um golpe verde-amarelo ou se espera ajuda dos amigos americanos.

O relator do processo não pode ser acusado de incoerência. Em discursos e vídeos na internet, Freitas pede anistia aos golpistas e prega o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. No mês passado, defendeu o motim que ocupou a mesa da Câmara em protesto contra a prisão domiciliar de Bolsonaro. No governo do capitão, Freitas se entusiasmou com os decretos que desfiguraram o Estatuto do Desarmamento. Dizia defender o “sagrado direito à legítima defesa”.

O deputado aprendeu a combinar extremismo com fisiologismo. Nas redes, apresenta-se como “campeão de emendas” e capitaliza a distribuição de verbas para municípios do interior de Minas. Em ritmo de campanha permanente, entrega trator, viatura e ambulância a prefeitos convertidos em cabos eleitorais.

Quando o ministro Flávio Dino mandou suspender o pagamento das emendas, em meio a suspeitas de corrupção, Freitas acusou o Supremo de “interferir na Casa do Povo”. “Temos que liberar os recursos para que cada deputado e senador seja valorizado lá na ponta”, discursou, deixando claro que a captura do Orçamento é mais útil aos parlamentares do que aos cidadãos.

Em vídeo que voltou a circular na sexta-feira, o delegado posa com Eduardo Bolsonaro, a quem chama de “amigo”, e promete apoio incondicional a seu pai. A ligação com o clã não impediu que ele fosse escolhido para relatar o processo no Conselho de Ética. O presidente do colegiado, Fabio Schiochet, já declarou que não vê quebra de decoro na sabotagem do Zero Três ao Brasil. Se depender dessa turma, o deputado em fuga pode continuar a delinquir em paz.

 

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