Lula precisará ser hábil em conversa com Trump
Por O Globo
Ele deve evitar que discussão enverede para
Bolsonaro e se concentrar em comércio e temas da agenda bilateral
Ainda em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, com exceção da soberania nacional e da democracia, “não tem limite” a conversa com o presidente americano, Donald Trump. Foi um evidente exagero. Os limites são claros. Serão ditados pela realidade de países com interesses nem sempre convergentes e de governos com inclinações ideológicas antagônicas. Apesar disso, o Brasil deve fazer o possível para alcançar um acordo com os americanos. A tentativa de golpe perpetrada por Jair Bolsonaro já causou dano demais. O tarifaço e as sanções só alimentam o antiamericanismo. É preciso trabalhar com afinco para superar as tensões. A mera perspectiva do encontro com Trump é sinal de que, até o momento, a estratégia de Lula tem dado certo.
Ele citou várias áreas em que a negociação é
possível: empresarial, tecnológica, científica, comercial e mineral. A agenda
bilateral também inclui a essencial questão militar. Em todos esses temas, pode
haver avanços com benefícios mútuos. Um fator de risco é a imprevisibilidade de
Trump. Outro é a soberba de Lula, que insinuou até assumir um papel nas
negociações entre Rússia e Ucrânia. Ambos, contudo, podem ser perfeitamente
contornados.
Brasileiros e americanos não estão ligados
apenas pela História e pela geografia. O Brasil é o nono maior destino de
produtos americanos e o quinto no ranking dos países com que os Estados Unidos
registraram maior superávit comercial. Na América Latina, as empresas
americanas só investem mais no México. Do ponto de vista brasileiro, os Estados
Unidos são o segundo mercado para as exportações e o país responsável por um
terço dos investimentos estrangeiros. A presença americana é sentida nos
carros, nos smartphones, em supermercados, nas farmácias, do agronegócio ao
setor financeiro.
Trump e Lula têm ideias opostas sobre
democracia, mudanças climáticas, regulação digital ou geopolítica. Por ironia,
o que mais os aproxima são crenças econômicas equivocadas em temas como
protecionismo ou autonomia do Banco Central. Mas os dois só teriam a ganhar com
uma conversa que pusesse fim à pior crise entre os dois países. Eventuais
“vitórias” americanas não necessariamente seriam “derrotas” brasileiras.
Consumidores aqui se beneficiariam de maior abertura comercial. Investimentos
na exploração de terras-raras que incluam refino, com transferência de tecnologia,
também seriam vantajosos. A compra de armamentos americanos tornaria as Forças
Armadas mais eficientes. Novas fábricas da Embraer ou da JBS nos Estados Unidos
abririam espaço à expansão do capital brasileiro.
Há também temas delicados, como a regulação
das redes sociais ou da inteligência artificial. Trump tem sido irredutível na
defesa dos interesses das plataformas digitais mundo afora. Foi convencido por
bolsonaristas de que, no Brasil, elas estão submetidas à censura do Supremo —
uma acusação estapafúrdia. Caso o assunto venha à tona na conversa, Lula deve
reiterar que os Poderes no Brasil são independentes e lembrar que decisões da
Justiça devem ser respeitadas. Faria bem em tentar evitar a todo custo que a
discussão enverede para a condenação de Bolsonaro. Caso o tema seja
incontornável, precisa se esforçar para explicar com serenidade e brevidade que
o julgamento seguiu a lei, foi transparente e puniu crimes graves. Se
conseguir, o Brasil sairá ganhando.
Tempo gasto no transporte equivale a perda de
produtividade para o Brasil
Por O Globo
Nas dez maiores capitais, o cidadão perde em
média 116,5 minutos por dia em deslocamentos, revela estudo
É uma rotina conhecida nas grandes cidades:
perde-se um tempo precioso para ir e voltar de qualquer lugar. Os habitantes
das dez maiores capitais brasileiras gastam em média 116,5 minutos diários em
deslocamentos, revelou a nova rodada da pesquisa “Viver nas cidades: mobilidade
urbana”, do Instituto Cidades Sustentáveis em parceria com a Ipsos. Belém e
Manaus lideram o ranking da lentidão nos transportes, com mais de duas horas
por dia. Mesmo nas capitais com desempenho mais favorável, a marca se aproxima
de uma hora e 40 minutos — no Rio são 118,9 minutos, e em São Paulo 118,5.
Comparações internacionais não servem de
alento. No Relatório Global de Transporte Público 2024, elaborado com base em
dados do aplicativo Moovit, o Rio de Janeiro aparece entre as dez cidades com
maior tempo médio de deslocamento no mundo (58 minutos), com Brasília logo
atrás (57). São Paulo e Curitiba aparecem em patamar semelhante a Madri e
Toronto (55).
O custo econômico do tempo perdido é
inestimável. Tomando o dado médio brasileiro de 116,5 minutos por dia, um
trabalhador que se desloca cinco dias por semana gasta 9,7 horas semanais com
locomoção ou, em 48 semanas úteis, cerca de 466 horas por ano. É o equivalente
a 58 dias de trabalho de oito horas, quase dois meses. Parte do tempo gasto em
deslocamento é decerto inevitável, mas parcela relevante decorre de escolhas
urbanas e políticas públicas que podem ser corrigidas.
O investimento consistente em transporte
coletivo de alta capacidade reduz o tempo de viagem e amplia o acesso. Os
corredores de BRT no Rio significaram ganho relevante de tempo, e o mesmo pode
ser dito da malha de metrô em São Paulo. Embora mais controverso, outro recurso
que funciona para diminuir o tráfego são pedágios urbanos — em Estocolmo, a
queda no trânsito foi de 20%.
Nada, contudo, tem tanto efeito quanto o
desenho urbano. É preciso incentivar a moradia em áreas centrais, perto de onde
estão as oportunidades de trabalho. Por isso são tão importantes programas de
revitalização como o Reviver Centro, no Rio. É fundamental atrair moradores e
serviços de volta ao coração das metrópoles. Além disso, a pandemia mostrou que
há espaço para trabalho remoto e modelos híbridos quando a atividade permite.
Um único dia de home office por semana reduz consumo de energia e emissões
ligadas ao deslocamento. Não vale, evidentemente, para todas as profissões, mas
é necessário integrar esse recurso às políticas de mobilidade.
O poder público deveria estabelecer metas de tempo de viagem nos corredores urbanos e criar indicadores para monitorar as políticas destinadas a trazer moradias para perto do emprego. Do contrário, continuaremos a desperdiçar quase duas horas por dia no transporte. Não é apenas um problema de trânsito, mas de produtividade, saúde e qualidade de vida. Cidades que encurtam deslocamentos produzem mais, poluem menos e garantem mais tempo e liberdade a seus cidadãos.
Sob Fachin, Supremo precisa buscar a
autocontenção
Por Folha de S. Paulo
Concluído o julgamento que condenou
Bolsonaro, corte deve abandonar ativismo, heterodoxias e excessos
Além de tomar para si tarefas que caberiam à
PGR, o STF invadiu a seara do Legislativo, como quando alterou o Marco Civil da
Internet
Não é coincidência que o Supremo Tribunal
Federal esteja prestes a mudar de presidente pouco depois de concluir o
julgamento que condenou, de forma inédita na história do país, um ex-presidente
da República e aliados militares por tentativa de golpe de Estado.
Foi perceptível o esforço da corte em dar
celeridade ao processo, de forma a encerrá-lo ainda sob o comando do
ministro Luís Roberto
Barroso e evitar o prolongamento de tensões políticas até o ano
eleitoral de 2026. Espera-se que, com a chegada de Edson Fachin à
presidência do STF na
segunda-feira (29), o pior de um ciclo difícil e tumultuado tenha sido deixado
para trás.
Desde a vitória de Jair
Bolsonaro (PL) na disputa pelo
Planalto em 2018, as instituições republicanas do país sofreram as pressões
mais agudas em quatro décadas de redemocratização. O Judiciário, com destaque
também para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), soube
enfrentar o assédio subversivo com altivez e teve papel fundamental na
preservação do Estado de Direito.
Esse enfrentamento concentrou as atenções de
quatro presidentes do Supremo no período —antes de Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber,
pela ordem, cada qual com dois anos de mandato— e não se deu sem heterodoxias e
excessos por parte de magistrados. Espera-se que agora seja trilhado o caminho
de volta à normalidade.
Não é que as turbulências tenham se dissipado
por inteiro, vide as movimentações do bolsonarismo por anistia e o tarifaço
aplicado por Donald Trump contra
o Brasil. Mas não há mais motivos para manter medidas que deveriam ser
excepcionais.
Entre elas estão, em especial, os
intermináveis e opacos inquéritos a cargo do ministro Alexandre de
Moraes —como o das milícias digitais, aberto em 2021 e
destinado a vigorar em 2026. Neles se acumulam investigações sem objetivo
claramente definido, decisões de inclinação censória e arbitrariedades como
ordens monocráticas sigilosas.
Além de tomar para si tarefas que em
circunstâncias regulares caberiam à Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo
também invadiu nos últimos anos competências do Legislativo, como quando se arvorou
a modificar o Marco Civil da Internet prejudicando a liberdade
de expressão e a segurança jurídica.
É fato relevante que Fachin tenha sido um dos
três votos vencidos nesse julgamento, tendo se manifestado a favor da
preservação das normas democraticamente debatidas e em vigor há mais de uma
década.
Também é alvissareiro o perfil discreto do
novo presidente do Supremo e sua preocupação, manifestada por meio de poucas e
cuidadosas observações, em separar os embates políticos das decisões jurídicas.
É claro que a normalização de procedimentos
não depende apenas dele, mas é missão que deveria ser assumida pela corte pelo
bem de sua credibilidade.
Benesses de Trump não garantem fôlego a Milei
Por Folha de S. Paulo
Anúncio de ajuda do americano contém corrida
ao dólar, mas cabe ao argentino aprofundar reforma cambial
Milei precisa recuperar apoio político ao
ajuste das contas públicas; prevalecem incertezas acerca da dívida de US$ 8,5
bilhões do país
Sob risco de retrocessos na economia argentina,
o presidente Javier Milei conseguiu
estancar a mais recente hemorragia de dólares no país graças à promessa de
ajuda financeira de seu aliado americano Donald Trump,
na terça (23). O rumo de um plano de estabilização, porém, depende de fatores
políticos que parecem fora de controle.
De seu encontro com Trump, em Nova York,
Milei recebeu até um adiantado apoio do republicano à sua reeleição em 2027. No
dia seguinte, o secretário do Tesouro dos Estados
Unidos, Scott Bessant, esclareceu que benesses à Argentina devem vir
na forma de um acordo de swap (troca de moedas) de US$ 20 bilhões e da compra
de títulos em dólares do país.
O anúncio foi suficiente para reverter a
corrida à moeda americana que, na semana passada, forçara o banco central
argentino a despejar US$ 1,1 bilhão das escassas reservas internacionais no
mercado cambial. As pressões sobre a remuneração dos títulos públicos e a
escalada da taxa de risco-país esmoreceram.
Mas dúvidas em relação ao montante total da
ajuda de Trump e, em especial, sobre quando será enviada ainda mantêm
investidores cautelosos. Prevalecem as incertezas acerca da capacidade do país
de honrar US$ 8,5 bilhões em dívidas a vencerem até julho de 2026 e, com isso,
o risco de novas turbulências no mercado cambial.
Ademais, o mero anúncio da benevolência de
Trump não garante fôlego a Milei até as eleições legislativas de meio de
mandato, em outubro; tampouco facilita a reconquista do apoio de parlamentares
de centro que, nas últimas votações, respaldaram projetos de expansão de
gastos.
Neste momento, o argentino governa com
minoria no Congresso e sob escrutínio da sociedade, que dá sinais de maior
aversão ao ajuste nas contas públicas e a escândalos de
corrupção que comprometem sua gestão.
A queda da inflação em
12 meses, de um pico de 289% em abril de 2024 a 33,6% em agosto deste ano, não
se reflete plenamente na aprovação da Casa Rosada. O recuo da taxa de pobreza a
31,6% no primeiro semestre de 2025, depois de alcançar 40,1% em igual período
de 2023, tampouco assegura a continuidade do necessário programa de ajustes.
Haverá algum respiro se a ajuda americana chegar à Argentina antes da eleição —provavelmente, a partir da contrapartida de encerrar seu acordo de swap com a China. Mas tal alívio não isentará Milei de encarar de vez a flutuação cambial e a redução das taxas de juros, se quiser concluir sua agenda de estabilização.
Em crise, jornalismo precisa de humildade
Por O Estado de S. Paulo
No Dia Mundial do Jornalismo, reafirma-se seu
caráter imprescindível para a democracia, e por isso mesmo é necessário que
seus profissionais lutem para resgatar sua credibilidade
Neste Dia Mundial do Jornalismo, é
incontornável refletir sobre a interdependência entre a imprensa e a
democracia. Nenhuma sociedade livre pode prescindir de informação independente,
produzida com rigor, transparência e responsabilidade. Onde não há jornalismo,
florescem a propaganda, a manipulação e o silêncio – e, com eles, o
autoritarismo.
O jornalismo profissional sempre foi alvo
preferencial dos que aspiram ao poder sem limites. Populistas de direita fazem
da imprensa um inimigo a ser desmoralizado e, se possível, silenciado: Donald
Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán, Narendra Modi – todos recorrem à tática de
acusar a imprensa de fabricar fake news para justificar suas próprias
falsificações. Mas não é só a direita populista que ameaça a liberdade
jornalística. Regimes autocráticos de esquerda, como os do Partido Comunista
Chinês ou de Nicolás Maduro, na Venezuela, perseguem jornais independentes com
ferocidade cada vez maior. O PT, por sua vez, inventou o “Partido da Imprensa
Golpista”, espécie de conluio maligno dos jornais para derrubar os virtuosos
governos petistas, e Lula da Silva nunca renunciou ao sonho do “controle social
da mídia”, agora reciclado para a “regulação das redes digitais”.
Se os inimigos da imprensa são evidentes, não
menos grave é a crise endógena que corrói sua integridade. O descrédito
generalizado da mídia não se deve apenas à desinformação fabricada por
demagogos e redes sociais; decorre também de escolhas viciosas dentro das
próprias redações. A hegemonia progressista no jornalismo profissional erodiu a
confiança de vastos segmentos da sociedade, que passaram a enxergar a imprensa
não como guardiã dos fatos, mas como porta-voz de uma ortodoxia ideológica. A
noção de “clareza moral” degenerou, com frequência, em moralismo militante. A
busca de cliques levou a sacrificar imparcialidade em favor de narrativas
engajadas ou sensacionalistas.
O problema não se restringe à esquerda. O
jornalismo conservador também produziu seus desvios, que beiram o negacionismo
e a fraude. O caso da Fox News, obrigada a pagar quase US$ 800 milhões por
difamar uma empresa de urnas eletrônicas após a eleição americana de 2020,
mostrou até onde pode levar o casamento tóxico entre desinformação, audiência e
lucro. A direita radical descobriu que transformar paranoia em produto
midiático rende cliques e votos, ainda que ao custo de envenenar a democracia –
ou justamente por isso.
Assim, a imprensa se vê sitiada por fora e,
em grande medida, corrompida por dentro: de um lado, populistas que querem calá-la;
de outro, jornalistas que, em nome de causas ou da audiência, traíram seu
compromisso com objetividade e rigor. O resultado é a perda da confiança
pública – exatamente o que autoritários de toda cor desejam.
A saída não está em nostalgia nem em acomodação,
mas em renovação. É preciso recobrar os valores fundacionais do ofício:
objetividade entendida como método disciplinado de verificação; imparcialidade
como lealdade aos fatos, e não a partidos; integridade ética contra a tentação
de se tornar trincheira política. Mais do que nunca, o jornalismo precisa de
humildade – para reconhecer erros, corrigi-los rapidamente e cultivar
proximidade com o público sem se deixar capturar por ele.
Num tempo de desinformação industrial, redes
sociais viciadas em escândalos e inteligência artificial capaz de fabricar
realidades falsas em segundos, o jornalismo profissional é um bem coletivo mais
precioso, não menos. Só ele pode oferecer à democracia uma base factual comum,
sem a qual o debate público se dissolve em gritos inconciliáveis. É um trabalho
árduo, mas indispensável: acender luzes onde o poder quer sombras, dar voz ao
que o autoritarismo quer calar, separar a verdade da propaganda, oferecer
verdades incômodas onde o público quer afagos.
Sem imprensa livre, a democracia se atrofia.
Sem democracia, a imprensa é asfixiada. Por isso, neste Dia Mundial do
Jornalismo, o chamado é duplo: que os governantes cessem seus ataques covardes
contra os repórteres, e que os jornalistas resgatem o sentido maior de sua
profissão. Só assim a liberdade de todos poderá ser preservada.
Quando a delinquência compensa
Por O Estado de S. Paulo
Deputados que organizaram motim para defender
Bolsonaro são premiados com recomendações de penas leves e aprovação de
requerimento de urgência do PL da anistia no plenário da Câmara
Como este jornal já previa, a Corregedoria da
Câmara propôs penas brandas aos deputados bolsonaristas que tomaram de assalto
a Mesa Diretora no início do mês de agosto a título de protestar contra a
prisão domiciliar de Jair Bolsonaro e pressionar o Legislativo a aprovar
projetos para livrar a cara do ex-presidente.
O chefe do órgão, Diego Coronel (PSD-BA),
sugeriu a suspensão dos mandatos de Marcos Pollon (PL-MS), Marcel van Hattem
(Novo-RS) e Zé Trovão (PL-SC), por terem impedido o presidente da Câmara, Hugo
Motta (Republicanos-PB), de reassumir sua cadeira na Mesa Diretora.
A recomendação do corregedor era que a
punição de Van Hattem e Zé Trovão seria de 30 dias, e a de Pollon, de 120 dias,
uma vez que o parlamentar xingou Motta e foi o último a recuar do motim. Mas,
ao analisar os pareceres, a Mesa Diretora propôs 30 dias para os três e
encaminhou os pareceres ao Conselho de Ética, que decidirá se eles deverão ou
não ser punidos antes que os casos sejam analisados pelo plenário.
Apenas os “bagres” que se interpuseram
fisicamente no caminho de Motta e que se recusaram a levantar quando ele chegou
ao seu assento foram alvo de suspensão. Quanto aos demais amotinados que
igualmente impediram o pleno funcionamento da Câmara, inclusive os que
admitiram ser os líderes intelectuais da insurreição, o corregedor sugeriu
apenas censura por escrito, recomendação acatada pela Mesa Diretora e publicada
no Diário Oficial da Câmara.
Há quem tenha considerado que este jornal
havia sido excessivamente duro ao cobrar uma punição exemplar aos delinquentes,
como se a ocupação da Mesa Diretora fosse um instrumento de obstrução previsto
no Regimento. Longe de ser um ato de menor importância, trata-se de medida
arbitrária, violenta e antidemocrática e que cria um precedente perigoso na
Casa. Mas até mesmo Zé Trovão disse, após ser informado sobre o pedido de
suspensão de seu mandato, que “30 dias não são nada” e que repetiria a ação
“mil vezes, se fosse preciso”.
Ora, se até mesmo um dos únicos deputados que
poderão ser suspensos zombou da complacência com que a Corregedoria lidou com
seu caso, os 11 parlamentares que tomaram apenas uma advertência – Allan Garcês
(PP-MA), Bia Kicis (PL-DF), Carlos Jordy (PL-RJ), Caroline de Toni (PL-SC),
Domingos Sávio (PL-MG), Julia Zanatta (PL-SC), Nikolas Ferreira (PL-MG), Paulo
Bilynskyj (PL-SP), Marco Feliciano (PL-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Zucco
(PL-RS) – têm razões de sobra para celebrar o resultado de suas ações.
Afinal, a despeito da humilhação a que
submeteram o presidente da Câmara, Hugo Motta pautou o requerimento de urgência
da proposta que anistia todos aqueles que se envolveram em atos
antidemocráticos desde o dia 30 de outubro de 2022 – exatamente o que os
amotinados desejavam.
O texto, relatado por Paulinho da Força
(Solidariedade-SP), ainda não foi definido, mas o deputado já descartou um
perdão “amplo e irrestrito” e alertou que não há como salvar Bolsonaro de
maneira individual. Ao rebatizar a proposta de “Projeto de Lei da Dosimetria”,
Paulinho sinalizou que pretende atender mais aos idiotas úteis condenados pelos
atos do 8 de Janeiro do que ao ex-presidente.
Esses gestos do relator podem até parecer um
alento, mas apenas se ignorarmos o fato de que uma anistia generalizada, ainda
que fosse aprovada pelo Congresso, seria prontamente derrubada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), por ser inconstitucional. Amplo ou limitado, o simples
fato de que o perdão tenha entrado em pauta é uma vitória para os sediciosos,
que conseguiram paralisar os trabalhos da Câmara em defesa de uma agenda que
nada tem a ver com o interesse do País, e ainda assim saíram praticamente
ilesos.
As imagens da comemoração desses mesmos
deputados no momento em que o requerimento era aprovado dizem mais que qualquer
palavra. A ver quais serão as próximas ações dessa turba para defender
Bolsonaro, animada pela certeza de que a delinquência compensa e de que sempre
poderão contar com o espírito de corpo que move o Legislativo para se safar.
Desperdício no setor elétrico
Por O Estado de S. Paulo
Incentivos dispensáveis causam explosão de
oferta eólica e solar e põem sistema sob risco
Quando apelos políticos suplantam avaliações
técnicas na definição de políticas públicas, o resultado consegue ser ruim
mesmo quando o investimento traz retorno. É o que está ocorrendo no setor
elétrico, no qual a política de incentivo à geração limpa em pouco tempo
multiplicou a oferta eólica e solar a ponto de formar excesso de oferta, o que
leva usinas a paralisações compulsórias, alimenta disputa entre empresas
geradoras e o governo e ameaça encarecer as contas de luz.
O crescimento da produção das usinas eólicas
e fotovoltaicas na matriz elétrica brasileira ocorre de forma rápida e
exponencial. O Balanço Energético Nacional, divulgado pela Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), mostra que a energia gerada pelo vento (eólica) e pelo Sol
(fotovoltaica) representou 23,7% da produção total do País em 2024. Dez anos
antes, as duas juntas não chegavam a 4%. De acordo com acompanhamento do think
tank de energia Ember, em agosto as duas combinadas produziram pela primeira
vez mais de um terço (34%) da eletricidade.
O aumento da geração elétrica de fonte
renovável – para além do parque hidrelétrico que há anos confere ao Brasil a
confortável marca de produção majoritariamente limpa – poderia ser apenas uma
boa notícia, não fosse o diabo que mora dos detalhes. Reportagem recente
do Estadão mostrou
que o consumidor está sob risco de pagar a mais pela sobra de eletricidade,
motivo de conflito entre geradoras, a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) e o Operador Nacional do Sistema (ONS).
Movidos por incentivos federais que
permanecem em vigor, apesar da consolidação do mercado evidenciada pelos dados
de expansão, projetos eólicos e solares se espalham a uma velocidade que não é
acompanhada pela demanda, num país com crescimento econômico ainda aquém do
necessário. O desperdício de energia elétrica é a consequência natural da
equação e, para evitá-lo, o ONS determina paradas obrigatórias das usinas.
As empresas perdem dinheiro, argumentam que
há risco de falências em série e querem que o consumidor pague pela energia
produzida mesmo quando não usada. Ao Estadão, a Aneel alegou que “o pleito não é
razoável”. E não é mesmo. Mas trata-se de um problema criado pela recorrente
falta de planejamento de um governo que insiste em colocar os interesses
políticos à frente da tecnicidade. Oferta e demanda de eletricidade, para
garantir modicidade tarifária e afastar riscos de apagão, têm de manter
evolução equiparada.
Há uma empresa pública cuja função é subsidiar o planejamento do setor energético: a EPE, que presta serviços ao Ministério de Minas e Energia (MME). Mas há também o poderio dos lobbies do setor, que, a julgar pela maioria das decisões tomadas no governo Lula da Silva, têm conseguido papel prioritário. Mais interessados em apoio político a suas pretensões eleitorais, Lula e seu ministro do MME, Alexandre Silveira, acabam por protagonizar situações paradoxais como essa, em que o excesso na geração de energia torna-se um problema, não uma solução.
Avanços na guerra ao crime financeiro
Por Correio Braziliense
O poder público obteve avanços relevantes no
combate às fraudes financeiras cometidas pelo crime organizado no Brasil. É
fundamental manter o objetivo: interromper o fluxo do dinheiro ilegal
Nas últimas semanas, o poder público obteve
avanços relevantes no combate às fraudes financeiras cometidas pelo crime
organizado no Brasil. Em agosto, a Operação Carbono Oculto revelou ao país a
extensão da rede de ilícitos mantida pela maior facção criminosa do país. As
investigações trouxeram a público uma engenhosa cadeia de negócios, que se
estendia da comercialização de combustíveis adulterados, passava por uma
volumosa etapa de lavagem de dinheiro e terminava por contaminar o sistema
financeiro nacional, por meio das fintechs.
Na última quinta-feira, um desdobramento da Carbono
Oculto, batizado de Operação Spare, ampliou a investigação sobre o comércio de
combustíveis, com mais de 260 estabelecimentos suspeitos de conexão com a
facção Primeiro Comando da Capital (PCC). Outros negócios com aparência legal —
motéis, lojas de conveniência e casas de jogos de azar — também entraram na
mira da força-tarefa. Estima-se que esses estabelecimentos movimentaram mais de
R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024.
Ao comentar os resultados das operações,
autoridades deixaram claro que pretendem avançar no esforço de impor um
torniquete no braço financeiro do crime. Uma das medidas anunciadas é o fim do
anonimato do investidor final de fundos exclusivos. "Estamos vivendo um
momento histórico do combate ao crime organizado, especificamente no combate à
sua estrutura financeira. Estamos fechando as brechas", ressaltou o
secretário especial da Receita Federal, Robson Barreirinhas. Segundo o
secretário, a nova regra deve entrar em vigor no prazo de 30 dias.
A ofensiva contra a fortuna do crime não para
por aí. Também atento aos avanços da Operação Spare, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, anunciou a criação de uma delegacia especializada em crimes
contra o sistema financeiro. Uma das finalidades dessa unidade, vinculada à
Receita Federal, é precisamente descontaminar a economia formal de atividades
financeiras comandadas pelas facções. "Por trás daquela atividade
aparentemente regular, tem uma atividade ilícita. E isso complica muito a vida
da economia brasileira", destacou o ministro.
O combate à atividade financeira ilegal
adquire importância ainda maior quando se considera que as facções criminosas
no Brasil se tornaram organizações transnacionais. Segundo o Ministério Público
de São Paulo, o PCC já atua em pelo menos 28 países. Está infiltrado em
unidades prisionais no exterior, a fim de ampliar o recrutamento de membros e
expandir negócios.
É por essa razão que se deve reconhecer o mérito das ações contra o edifício financeiro mantido pelos bandidos. Esse trabalho se junta ao um esforço global contra o crime transnacional, inclusive em parceria com a Interpol — comandada pelo brasileiro Valdecy Urquiza. Nesse esforço interinstitucional, é fundamental manter o objetivo: interromper o fluxo do dinheiro ilegal. O Brasil está dando passos relevantes nesse sentido.
Faltam dados sobre violência sexual contra
crianças e adolescentes
Por O Povo (CE)
Em quase 97% da totalidade de registros, o
"grau de parentesco ou vínculo com a vítima" aparece como "Não
informado". Esse dado alarmante, mote de reportagem publicada no O POVO,
mostra como é difícil a construção de um retrato completo de uma realidade
complexa
Entre 2009 e 2024, houve 6.877 indiciamentos
de pessoas suspeitas de abusar sexualmente de crianças ou adolescentes no
Ceará. Dentre tais registros, apenas 261 elucidam o grau de parentesco entre
vítima e agressor.
Ou seja, em 6.616 casos — quase 97% da
totalidade de registros — o "grau de parentesco ou vínculo com a
vítima" aparece como "Não informado". Esse dado alarmante foi
mote de reportagem publicada no O POVO, nessa quinta-feira, 25, e
disponibilizada antecipadamente para assinantes do OP . O material partiu de
dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) para traçar um
diagnóstico de omissão, que dificulta a construção de um retrato completo de
uma realidade complexa.
A própria estatística de indiciamentos expõe
de forma crua a complexidade da situação. No mesmo período, entre 2009 e 2024,
o Estado contabilizou 23.006 crianças ou adolescentes vítimas de violência
sexual. Em média, são quatro casos por dia. O número de indiciamentos, porém,
chega a menos de um terço do total de registros. Some-se a isso a incompletude
dos dados sobre os agressores, e o combate a esses crimes fica ainda mais
complicado.
Sobre a diferença entre o número de vítimas e
de suspeitos de agressão, a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de
Segurança Pública (Supesp), que compilou os dados, ressalta que "a
quantidade de relacionamentos pode não corresponder à quantidade de
indiciados/suspeitos identificados". O argumento é que o indiciado pode
cometer mais de uma ação criminosa, contra mais de uma vítima, possuindo
diferentes relacionamentos com cada uma das pessoas agredidas.
É necessário, entretanto, ressaltar o que
dizem os especialistas. Integrante da Comissão de Enfrentamento à Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes do Fórum DCA Ceará, Lídia Rodrigues
lembra que casos de abuso "geralmente acontecem dentro de casa".
"(O agressor) Não é o estranho na rua. É o tio, o pai, o padrasto, o
irmão. É alguém com quem a criança convive e em quem confia", argumenta.
Mas os dados oficiais — incompletos — não ajudam a dimensionar a questão.
Segundo avaliação de especialistas ouvidos
pelo O POVO, a ausência de um dado essencial como o grau de parentesco entre
vítima e agressor dificulta a construção de políticas públicas de combate ao
abuso sexual contra crianças e adolescentes. Em última instância, pode ajudar a
gerar impunidade para os perpetradores de atos hediondos contra pessoas em
situação de vulnerabilidade.
O levantamento via LAI em que se ancora a
reportagem assinada por Wanderson Trindade e Ayuri Reis, ilustra outros pontos
centrais nesta difícil construção de políticas públicas. Sabe-se, a partir dos
dados, que 95% dos indiciados são homens, com quase 86% das vítimas sendo
meninas. São dados importantes. Mas, quando incompletos, pintam apenas parte do
cenário.
É necessário um esforço conjunto entre as diferentes esferas de investigação e persecução judicial, de forma a preencher tal lacuna. É um passo essencial para a construção de políticas públicas efetivas de proteção da juventude no Estado do Ceará. O foco principal precisa ser a redução do número de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Para isto, é necessário transparência.
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