O plano é bem concebido, mas, de imediato,
enfrentará resistência do Hamas por conta de legítimas desconfianças em relação
aos seus patrocinadores, Donald Trump e Benjamin Netanyahu. Como os palestinos
podem confiar na condução do processo de paz por um conselho presidido pelo
presidente Trump, aliado incondicional de Netanyahu e que já declarou, mais de
uma vez, suas pretensões empresariais, com a transformação de Gaza num grande
resort turístico? A arrogância do presidente Trump é tal que, após o anúncio da
proposta, em vez de chamar o Hamas para negociar eventuais ajustes e detalhes
que ainda não estão claros, lançou uma ameaça brutal: “se o Hamas rejeitar a
proposta, os Estados Unidos apoiarão medidas militares para eliminar o
grupo terrorista de forma definitiva”. É pegar ou largar e, neste caso, ser
esmagado. É assim que Trump negocia.
Além disso, parece pedir muito que o Hamas
acredite num processo de paz na Palestina enquanto Israel for governado por
Benjamin Netanyahu, que continua repetido que, em nenhuma hipótese, aceitará a
formação de um Estado palestino na região, na direção contrário ao anunciado. A
proposta começou errada porque está sendo apresentada como definitiva, sem
espaços para ouvir a outra parte do conflito, o Hamas e o povo palestino.
Netanyahu tem declarado e demonstrado que pretende destruir ou expulsar o povo
palestino e ocupar os seus territórios. Além de esmagar a Faixa de Gaza, ele
estimula a expansão da ocupação de assentados nas terras que a Autoridade
Palestina ainda controla na Cisjordânia. São mais de 670 mil colonos
israelenses assentados em áreas dispersas do território palestino, protegidos
pelos militares e isolando algumas cidades palestinas. Assim, inviabiliza a
formação de um Estado palestino. Sem território e sem povo – a nação palestina
esmagada ou expulsa – não existe Estado. O território de Israel se estenderia,
então, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo.
Como o Hamas está mesmo numa situação militar
e política desesperadora, é possível que termine aderindo ao acordo. Mas, a
derrota e até a sua dissolução como organização estão longe de significar o
reconhecimento do Estado de Israel, menos ainda o abandono da luta armada e
mesmo do terrorismo. Muito pelo contrário, o massacre de Gaza e a humilhação da
derrota deixam um rastro de ódio e ressentimento que tendem a alimentar nova
onda de terrorismo na região. A história demonstra que o Estado de Israel tem
sido agredido sistematicamente, desde a sua constituição, pelos grupos terroristas,
como o Hamas e por alguns Estados muçulmanos da região. O Hamas, o Hezbollah, o
Irã e outros países da região não destroem o Estado de Israel porque não têm
poder. E até já tentaram mais de uma vez, a primeira delas, em 1948, logo
depois que as Nações Unidas dividiram o território do antigo protetorado inglês
para a constituição de dois Estados autônomos. Depois de três tentativas
fracassadas de destruição do Estado de Israel, os israelenses triplicaram o seu
território, ocupando terras originalmente destinadas aos palestinos.
Ao longo de quase 80 anos da história
recente, o conflito foi deixando um elevando grau de intolerância e
desconfiança entre palestinos e judeus, que tende a se acentuar agora com a
agressão criminosa do governo de Israel na Faixa de Gaza e a ampliação dos
colonos na Cisjordânia. Nestas condições, um entendimento para a construção da
paz não será viável enquanto não surgirem lideranças responsáveis e confiáveis
dos dois lados do conflito. Nem a direção do Hamas nem Netanyahu são confiáveis
e suficientemente tolerantes e flexíveis para negociação de um acordo de paz,
menos ainda quando o patrocinador central se chama Donald Trump. Este o drama
do momento na palestina: a carência dramática de lideranças responsáveis e
ousadas a ponto de negociar acordos capazes de quebrar a hegemonia israelense e
contornar os ressentimentos acumulados de parte a parte.
Houve um momento na história recente da
região que se chegou muito perto da constituição de dois Estados autônomos e
independentes convivendo e colaborando: o acordo Oslo, de 1993, assinado pelo
governo de Israel e a OLP-Organização para a Libertação da Palestina, quando
foi criada a Autoridade Palestina e houve uma retirada gradual de israelenses
dos territórios palestinos ocupados. Este acordo foi possível apenas graças uma
configuração especial de lideranças responsáveis e qualificadas dos dois lados
do confronto: Yasser Arafat, representando o povo palestino, e o ministro das
relações exteriores, Shimon Peres, e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, pelo
governo de Israel. E mais, o presidente dos Estados Unidos na época era Bill
Clinton e não, Donald Trump. O fanatismo latente dos dois lados impediu a
implementação dos acordos assinados em Oslo, fanatismo que levou ao assassinato
de Yitzhak Rabin por um terrorista judeu.
A realidade política atual, na região e no mundo, é muito desfavorável a qualquer entendimento, a começar pela liderança dos judeus pelo criminoso Benjamin Netanyahu e a ausência total de líderes palestinos com disposição e capacidade de negociação política. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, é muito fraco, o Hamas, que sempre defendeu a destruição do Estado de Israel, sairá derrotado e humilhado e, provavelmente, mais radicalizado. E Trump só pensa nos seus negócios imobiliários para o litoral Mediterrâneo da Faixa de Gaza. Nesta configuração política é muito difícil ser otimista em relação ao sucesso desta proposta do presidente dos Estados Unidos.
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