sábado, 4 de outubro de 2025

Faltam lideranças confiáveis. Por Sérgio C. Buarque

Revista Será?

Diante da indignação mundial com o massacre de Gaza pelo governo israelense e da reação de alguns países europeus favoráveis à criação de um Estado Palestino, o presidente Donald Trump apresentou esta semana um novo plano de paz para a região. De fato, a pressão internacional contra os crimes de Netanyahu cresceu tanto que a França, o Reino Unido e a Espanha se somaram aos mais de 150 países que defendem dois Estados autônomos na região. Dos cinco membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apenas os Estados Unidos, do inominável Donald Trump, apoiam o governo de Israel e rejeitam a formação de um Estado palestino. O plano de paz que ele anunciou agora é bastante abrangente e consistente e tem merecido o apoio de grande parte da comunidade internacional, incluindo os países árabes. De acordo com a proposta, se o Hamas concordar, será instalado um cessar-fogo imediato no território, seguido da libertação de todos os reféns e do desarmamento do grupo terrorista palestino, com anistia para os seus militantes. Em contrapartida, Israel retiraria gradualmente as suas tropas no território e seria criado um conselho internacional com a responsabilidade de administrar a transição para o retorno da Autoridade Palestina a Gaza após reformas, ainda não detalhadas.

O plano é bem concebido, mas, de imediato, enfrentará resistência do Hamas por conta de legítimas desconfianças em relação aos seus patrocinadores, Donald Trump e Benjamin Netanyahu. Como os palestinos podem confiar na condução do processo de paz por um conselho presidido pelo presidente Trump, aliado incondicional de Netanyahu e que já declarou, mais de uma vez, suas pretensões empresariais, com a transformação de Gaza num grande resort turístico? A arrogância do presidente Trump é tal que, após o anúncio da proposta, em vez de chamar o Hamas para negociar eventuais ajustes e detalhes que ainda não estão claros, lançou uma ameaça brutal: “se o Hamas rejeitar a proposta, os Estados Unidos apoiarão medidas militares para eliminar o grupo terrorista de forma definitiva”. É pegar ou largar e, neste caso, ser esmagado. É assim que Trump negocia.

Além disso, parece pedir muito que o Hamas acredite num processo de paz na Palestina enquanto Israel for governado por Benjamin Netanyahu, que continua repetido que, em nenhuma hipótese, aceitará a formação de um Estado palestino na região, na direção contrário ao anunciado. A proposta começou errada porque está sendo apresentada como definitiva, sem espaços para ouvir a outra parte do conflito, o Hamas e o povo palestino. Netanyahu tem declarado e demonstrado que pretende destruir ou expulsar o povo palestino e ocupar os seus territórios. Além de esmagar a Faixa de Gaza, ele estimula a expansão da ocupação de assentados nas terras que a Autoridade Palestina ainda controla na Cisjordânia. São mais de 670 mil colonos israelenses assentados em áreas dispersas do território palestino, protegidos pelos militares e isolando algumas cidades palestinas. Assim, inviabiliza a formação de um Estado palestino. Sem território e sem povo – a nação palestina esmagada ou expulsa – não existe Estado. O território de Israel se estenderia, então, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo.

Como o Hamas está mesmo numa situação militar e política desesperadora, é possível que termine aderindo ao acordo. Mas, a derrota e até a sua dissolução como organização estão longe de significar o reconhecimento do Estado de Israel, menos ainda o abandono da luta armada e mesmo do terrorismo. Muito pelo contrário, o massacre de Gaza e a humilhação da derrota deixam um rastro de ódio e ressentimento que tendem a alimentar nova onda de terrorismo na região. A história demonstra que o Estado de Israel tem sido agredido sistematicamente, desde a sua constituição, pelos grupos terroristas, como o Hamas e por alguns Estados muçulmanos da região. O Hamas, o Hezbollah, o Irã e outros países da região não destroem o Estado de Israel porque não têm poder. E até já tentaram mais de uma vez, a primeira delas, em 1948, logo depois que as Nações Unidas dividiram o território do antigo protetorado inglês para a constituição de dois Estados autônomos. Depois de três tentativas fracassadas de destruição do Estado de Israel, os israelenses triplicaram o seu território, ocupando terras originalmente destinadas aos palestinos.

Ao longo de quase 80 anos da história recente, o conflito foi deixando um elevando grau de intolerância e desconfiança entre palestinos e judeus, que tende a se acentuar agora com a agressão criminosa do governo de Israel na Faixa de Gaza e a ampliação dos colonos na Cisjordânia. Nestas condições, um entendimento para a construção da paz não será viável enquanto não surgirem lideranças responsáveis e confiáveis dos dois lados do conflito. Nem a direção do Hamas nem Netanyahu são confiáveis e suficientemente tolerantes e flexíveis para negociação de um acordo de paz, menos ainda quando o patrocinador central se chama Donald Trump. Este o drama do momento na palestina: a carência dramática de lideranças responsáveis e ousadas a ponto de negociar acordos capazes de quebrar a hegemonia israelense e contornar os ressentimentos acumulados de parte a parte.

Houve um momento na história recente da região que se chegou muito perto da constituição de dois Estados autônomos e independentes convivendo e colaborando: o acordo Oslo, de 1993, assinado pelo governo de Israel e a OLP-Organização para a Libertação da Palestina, quando foi criada a Autoridade Palestina e houve uma retirada gradual de israelenses dos territórios palestinos ocupados. Este acordo foi possível apenas graças uma configuração especial de lideranças responsáveis e qualificadas dos dois lados do confronto: Yasser Arafat, representando o povo palestino, e o ministro das relações exteriores, Shimon Peres, e o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, pelo governo de Israel. E mais, o presidente dos Estados Unidos na época era Bill Clinton e não, Donald Trump. O fanatismo latente dos dois lados impediu a implementação dos acordos assinados em Oslo, fanatismo que levou ao assassinato de Yitzhak Rabin por um terrorista judeu.

A realidade política atual, na região e no mundo, é muito desfavorável a qualquer entendimento, a começar pela liderança dos judeus pelo criminoso Benjamin Netanyahu e a ausência total de líderes palestinos com disposição e capacidade de negociação política. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, é muito fraco, o Hamas, que sempre defendeu a destruição do Estado de Israel, sairá derrotado e humilhado e, provavelmente, mais radicalizado. E Trump só pensa nos seus negócios imobiliários para o litoral Mediterrâneo da Faixa de Gaza. Nesta configuração política é muito difícil ser otimista em relação ao sucesso desta proposta do presidente dos Estados Unidos.

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