sábado, 4 de outubro de 2025

Enigma tributário. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Pela lógica dos números, democracias deveriam sempre taxar muito pesadamente os mais ricos

Livro analisa dados de 20 países e mostra que alta progressividade é mais a exceção do que a regra

Um dos paradoxos da democracia é por que elas não levam a uma rápida e inexorável elevação da progressividade dos tributos. Democracia, ao fim e ao cabo, é uma questão de números, e há muito mais eleitores que se beneficiariam de um sistema que taxa mais vigorosamente os mais ricos do que os que por ele seriam prejudicados.

No caso do Brasil, o sistema tributário é tão regressivo que a proposta do governo que aumenta a taxação do andar de cima, que avança no Parlamento, não é muito mais do que um bom começo. A discussão, porém, é universal.

Volto ao instigante livro "Taxing the Rich", de Kenneth Scheve e David Stasavage, que já comentei aqui. A dupla analisou dois séculos de dados tributários de 20 países da América do Norte e da Europa, bem como os debates em torno das mudanças na legislação, e chegou a algumas conclusões contraintuitivas.

Democracias, contra as expectativas, parecem ter uma dificuldade atávica em manter por longos períodos sistemas fortemente progressivos. Não é que nunca consigam. Mesmo um país alérgico a tudo o que tenha cheiro de socialismo, como os EUA, chegou a ter uma alíquota máxima de IR de mais de 90% durante a 2ª Guerra Mundial e nos anos subsequentes, mas não manteve essa situação por muito tempo.

E não apenas os EUA. Nações que podemos considerar menos plutocráticas e menos individualistas, como Canadá e Suécia, foram até mais longe que os americanos ao eliminar seus impostos de sucessão.

Para Scheve e Stasavage, discussões tributárias se dão em torno de três eixos: capacidade contributiva, percepção de equidade e eficiência do sistema.

Alíquotas mais elevadas só se materializam quando a sociedade as percebe como justas, seja porque os ricos foram poupados de um grande sacrifício, como ser convocados para lutar na guerra, seja porque foram indevidamente beneficiados por alguma política pública.

É interessante notar que essa história dos tributos basta para desmontar a tese de que o eleitor vota sempre de forma egoísta e privilegiando o bolso.

 

 

 

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