sábado, 4 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O Brasil precisa resgatar o Congresso

Por Revista Será?  

O Congresso brasileiro, instituição fundamental da democracia, descolou-se do país e virou as costas para a nação, formando uma casta com interesses próprios e sem a responsabilidade que lhe cabe de representar o povo. Deputados e senadores se curvam às exigências sociais apenas quando sentem os protestos das ruas e as pressões dos eleitores, temendo o desprezo que possa ameaçar sua permanência no poder. Sem isso, atuam prioritariamente no que lhes interessa como corporação.

A chamada “PEC da blindagem”, aprovada na Câmara dos Deputados, foi rejeitada pelo Senado porque dezenas de milhares de brasileiros saíram às ruas para manifestar sua indignação. Desmoralizada pela decisão do Senado, a Câmara apressou-se em aprovar a isenção do Imposto de Renda para brasileiros que ganham até cinco mil reais mensais, tentando melhorar sua imagem já muito maculada. Mesmo sem julgar o mérito, os brasileiros devem reconhecer que, finalmente, os parlamentares analisaram, discutiram e aprovaram um projeto de interesse nacional. A regra, contudo, tem sido um Parlamento movido pela ampliação de seus próprios poderes, pela captura de espaços no Orçamento da União e pela pavimentação do caminho para conservar os mandatos no próximo pleito.

Na mesma semana, o corporativismo parlamentar mostrou sua face com a aprovação de uma alteração na Lei da Ficha Limpa que, entre outros pontos, redefinia o início da contagem dos oito anos de inelegibilidade, reduzindo o tempo de impedimento eleitoral dos parlamentares. O novo desenho da lei foi parcialmente vetado pelo presidente da República. Quase no mesmo dia, a Câmara promoveu um significativo aumento do Fundo Eleitoral, que saltou de um bilhão para 3,9 bilhões de reais — recursos destinados a financiar as próprias campanhas eleitorais. Tudo está armado para que haja o mínimo de renovação no Congresso e, portanto, continue predominando o corporativismo e o fisiologismo na pauta e nas decisões parlamentares.

O instrumento mais importante para essa continuidade, as emendas parlamentares, está em plena execução, disponibilizando mais de 50 bilhões de reais — metade de todas as despesas discricionárias do Orçamento da União — para distribuição por deputados e senadores. Com esse mecanismo, compram a adesão de suas bases eleitorais e desviam recursos públicos para o financiamento de suas campanhas.

A formação de uma partidocracia no Brasil (na expressão de Luís Carlos Azedo) — em que parlamentares e cúpulas partidárias dominam a política — dificulta o surgimento de novas lideranças, consolida o corporativismo e impede a melhoria da qualidade da representação. Quando alguém criticou a baixa qualidade do Congresso, o deputado Ulysses Guimarães ironizou: “Está achando esta legislatura ruim? Espere a próxima.” Não, a próxima legislatura não pode ser pior que esta — nem sequer igual. O Brasil não aguenta. O Brasil precisa resgatar o Congresso. Os eleitores têm esse poder e a oportunidade já nas eleições do próximo ano.

Aprovação de reforma administrativa será conquista histórica

Por O Globo

Congresso precisa dar prioridade às regras que disciplinam a carreira de servidor público

Convivem no funcionalismo salários baixos, categorias cercadas de privilégios e falta de avaliação objetiva, resultando na péssima qualidade dos serviços prestados à população. Corrigir tais distorções é o objetivo da proposta apresentada pelo relator da reforma administrativa, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Aprová-la deve ser prioridade. O Congresso tem, afinal, a oportunidade de corrigir as regras anacrônicas e ineficazes que regem os 11 milhões de servidores públicos. Na União, a folha de pagamentos de R$ 400 bilhões anuais é a segunda maior despesa do Orçamento, abaixo apenas da Previdência. Enquanto esta já passou por mais de uma reforma, as carreiras do funcionalismo jamais foram atualizadas de forma abrangente.

Com a alteração de 40 artigos da Constituição, a proposta estabelece que o funcionalismo seja submetido a avaliações periódicas de desempenho, cujo resultado servirá de base a promoções ou bonificação. O tempo de serviço deixa de ser critério para progressão na carreira. Bônus passam, também, a ter limite: até dois ou, para servidores em cargos de confiança, quatro salários anuais, sobre os quais não incidirá o teto constitucional de R$ 46,3 mil.

O texto estipula um limite de 10% do salário às verbas indenizatórias, os proverbiais “penduricalhos” com que a elite do funcionalismo turbina seus salários. Ficarão dentro desse limite auxílios de alimentação, saúde e transporte, comuns em carreiras no Judiciário e no Ministério Público. A intenção é acabar com o uso de auxílios para aumentar salários e, ao mesmo tempo, resgatar a credibilidade do teto constitucional. Para isso, os gastos com os “penduricalhos” não poderão crescer acima da inflação. A PEC proíbe ainda o pagamento em dinheiro de férias e licenças não usufruídas. Se aprovada, também não haverá pagamentos retroativos sem decisão judicial. Por fim, impõe disciplina ao trabalho remoto, limitando o recurso ao home office.

No cerco para eliminar brechas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ficam proibidos de criar benefícios e gratificações. Outra medida moralizadora é o fim da aposentadoria compulsória como pena judicial. Juízes e procuradores passarão a estar sujeitos à perda do cargo se condenados em casos graves. A aposentadoria forçada equivale a um prêmio.

Para que haja ordem no pagamento ao funcionalismo, será estabelecido o prazo de dez anos para que União, estados e municípios criem uma tabela de remuneração. A partir de 2027, os entes federativos já deverão respeitar um teto em suas despesas com pessoal. Mesmo que haja aumento de receita, ele será incorporado ao gasto à razão de no máximo 2,5% por ano. Com isso, reforça-se a disciplina fiscal e impede-se o crescimento automático da folha de pagamentos. A proposta também fixa limites à estrutura administrativa de governos municipais. Prefeituras com déficit sofrerão restrições no número de secretarias. Os salários de prefeitos, vices e secretários ficarão entre 30% e 80% da remuneração do governador, dependendo da população. Além disso, o Executivo federal terá de fazer revisões anuais de gastos, com diagnósticos sobre a alocação dos recursos.

Ao preencher o vazio regulatório sobre as carreiras do Estado, a reforma administrativa promete uma revolução no serviço público. Se o Congresso conseguir aprová-la sem desidratá-la, será um feito histórico.

Expansão do mercado de bebidas falsificadas exige combate mais eficaz

Por O Globo

Uma fábrica ilegal é fechada a cada cinco dias. Mas ação se mostra incapaz de evitar mortes por metanol

As mortes e internações sob suspeita de intoxicação por metanol expõem o descalabro das fábricas clandestinas que produzem bebidas alcoólicas adulteradas. Entre 2020 e 2024, a quantidade de indústrias ilegais interditadas por autoridades saltou de 12 para 80, segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), como mostrou reportagem do GLOBO. É como se uma fosse fechada a cada cinco dias. Empresas do setor calculam que 36% dos destilados vendidos no Brasil são adulterados. O faturamento dos grupos criminosos é estimado em R$ 62 bilhões por ano, um mercado pujante.

A despeito das sucessivas interdições, a produção clandestina continua a crescer. Entre 2016 e 2022, a quantidade de litros fabricados irregularmente dobrou para 256 milhões, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Como as apreensões de bebidas contrabandeadas têm caído, é razoável supor que os criminosos têm preferido produzi-las no Brasil. Relatórios da ABCF e do FBSP vinculam a falsificação ao crime organizado, embora ainda haja dúvida sobre os casos recentes.

Não se pode dizer que a expansão resulte de falta de fiscalização, mas as interdições não têm conseguido resolver o problema. É preciso que o comércio, onde são vendidos os produtos falsificados, esteja atento. Mais do que nunca, é fundamental comprar bebidas de fornecedores idôneos. Se há produção em massa de bebidas adulteradas, é porque os criminosos encontram mercado para escoá-las.

Nos últimos dias, autoridades têm divulgado orientações aos consumidores para evitar produtos falsificados. Lacres imperfeitos ou rompidos, erros de grafia no rótulo, preços baixos demais, falta do registro no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) devem ser motivo de atenção. São informações úteis, mas o ônus da proteção não pode recair sobre o consumidor. Bares e restaurantes devem ser os primeiros a fazer uma verificação minuciosa. Até porque sofrem as consequências com queda nas vendas.

Na quinta-feira, a Câmara aprovou urgência para um Projeto de Lei que endurece a punição para o crime de falsificação de bebidas e alimentos. Ele repousava na Comissão de Constituição e Justiça desde 2007. Pelo PL, essa prática passaria a ser crime hediondo. A pena, de quatro a oito anos de reclusão, aumentaria para seis a 12 anos. É medida bem-intencionada, mas apenas mudar a legislação não terá o condão de evitar os envenenamentos. Quando a pena é aplicada, o crime já foi cometido.

Os casos suspeitos já se contam às dezenas. Há investigações pelo menos em São Paulo, Pernambuco, Bahia, Distrito Federal, Paraná e Mato Grosso do Sul. Em meio ao clamor popular, a fiscalização e o fechamento de fábricas clandestinas têm sido intensificados, mas ainda não se conhece a dimensão da tragédia, tampouco sua origem. A população continua exposta a enorme risco. É urgente que esse mercado letal seja combatido e eliminado.

Com fundo eleitoral, Congresso mata defesa do ajuste fiscal

Por Folha de S. Paulo

Em contradição, parlamentares elevam valor para campanha de 2026, que chegará a pelo menos R$ 4,9 bi

Se o Congresso apoia ajuste fiscal, deveria diminuir o fundo eleitoral para conter dependência que partidos parecem ter de verba pública

Posar de arauto da contenção de gastos e do enxugamento da máquina pública é atividade a que se dedicam diversos deputados e senadores. Cortar despesas na prática, porém, é bem mais raro no Congresso Nacional —sobretudo quando estão em discussão verbas que beneficiam os próprios parlamentares.

O debate sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o popular fundo eleitoral, constitui exemplo recente e explícito dessa hipocrisia incrustada no Legislativo. Nesse caso, os congressistas não conjugam nenhum sinônimo de "reduzir"; em vez disso, aplicam apenas variações do verbo "suplementar".

Foi com esse espírito que analisaram a rubrica do fundo eleitoral na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem. Pela proposta do governo federal, o valor reservado seria de R$ 1,13 bilhão. Líderes da Comissão Mista de Orçamento do Congresso (CMO), contudo, acharam pouco e julgaram apropriado elevar a cifra para pelo menos 4,9 bilhões.

O montante devidamente turbinado foi aprovado em votação simbólica dentro de um colegiado presidido pelo senador Efraim Filho (União Brasil-PB), que, no começo do ano, fez defesa enfática da tesourada nas despesas.

"Temos a responsabilidade de saber escolher bem e entender que a palavra da moda no Brasil, que é o equilíbrio fiscal, deve ser a premissa na discussão dessa comissão, para evitar qualquer sentimento de gastança desenfreada que causa impacto na sociedade", afirmou ao assumir a presidência da CMO.

Não fez por menos o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Em junho, em meio à queda de braço do IOF, o deputado sustentou que o governo Lula (PT) precisava fazer o dever de casa e cortar gastos, em vez de buscar o equilíbrio fiscal somente pelo aumento das receitas.

Se ambos acertam no diagnóstico, erram ao compactuar com a suplementação do fundo eleitoral ou com os valores ainda mais aviltantes das emendas parlamentares. São mais de R$ 50 bilhões em despesas obrigatórias, que os congressistas gostariam de gastar sem respeitar rudimentos da administração pública.

Com efeito, foi necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para que se tomassem providências básicas de eficiência e transparência, como a vinculação das verbas a um plano de trabalho que informe os detalhes da execução pelas prefeituras e governos estaduais.

Se os congressistas de fato propugnam a melhoria da qualidade do gasto, deveriam ser os primeiros a incrementar os mecanismos de controle, tanto em relação às emendas parlamentares, quanto em relação aos recursos que circulam —nem sempre de forma lícita— no período eleitoral.

Quando o Congresso fizer o dever de casa, sua defesa do ajuste fiscal se tornará mais crível —e um bom começo seria a diminuição do fundo eleitoral, reduzindo a dependência que os partidos parecem ter do dinheiro público.

Populismo penal não é antídoto contra metanol

Por Folha de S. Paulo

Câmara quer tornar adulteração de bebidas crime hediondo, mas medida não atende urgência da situação

Em vez de seguirem evidências, deputados aceleram projeto inócuo que não combate possível fonte do problema, caso do mercado ilegal

Mais uma vez o Congresso Nacional insiste em combater problemas complexos com mero populismo penal. Desta vez, o pensamento mágico dos parlamentares foi incitado pela crise de intoxicação por metanol.

Ministério da Saúde informou, na quinta (2), que recebeu 59 notificações de possível contaminação pela substância após consumo de bebida alcoólica em São Paulo, Pernambuco e no Distrito Federal, incluindo óbitos. Desse total, 11 casos foram confirmados (sendo 1 de morte) e 48 estão em análises (7 de morte).

No mesmo dia, a Câmara aprovou requerimento de urgência para um projeto de lei de 2007 que torna a adulteração de bebidas e alimentos crime hediondo (inafiançável e sem direito a indulto ou anistia). Expandir o rol de atos ilegais com essa qualificação, contudo, em nada ajuda a enfrentar o fenômeno funesto.

O endurecimento penal do crime de "adulteração de bebidas e alimentos pela adição de ingredientes quaisquer ao produto que possam causar risco à vida ou grave ameaça à saúde dos cidadãos" não dialoga com as medidas às quais autoridades deveriam se ater para conter essa atividade.

Sem contar que, até agora, ainda não se sabe se as bebidas foram adulteradas ou se o metanol nos produtos vem de erros na fabricação, provavelmente ilegal.

Assim, deputados aceleram um projeto inócuo, movidos por comoção popular no calor do momento, em vez de seguirem evidências. Há ações mais eficazes no âmbito do Executivo nas três esferas de governo, como conscientização e redução de danos para proteger a população e fiscalização de bares, restaurantes e distribuidores de bebidas suspeitos por parte de autoridades sanitárias e de defesa do consumidor.

Ainda mais importante é o fortalecimento da inteligência policial com rastreamento do mercado ilegal, inclusive de sua movimentação financeira —um possível envolvimento do crime organizado, que não pode ser descartado a priori, deveria ser investigado com seriedade.

Relatório publicado neste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que falsificação, contrabando e produção artesanal ilegal de bebidas alcoólicas geraram uma receita de R$ 56,9 bilhões ao crime organizado no país em 2022 —aumento de 224% em relação a 2017.

De imediato, é preciso atender a urgência da situação, o que inclui negociar a compra do principal antídoto para o metanol (fomepizol), que ainda não tem registro na Anvisa, além de incrementar sistemas de notificação e de rastreamento de casos.

Distorção com aval do STF

Por O Estado de S. Paulo

No que soa como gesto de cortesia ao Congresso, STF contraria sua própria decisão e a Constituição ao manter a atual composição das bancadas estaduais na Câmara, que deturpa a representação

O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou uma decisão liminar do ministro Luiz Fux e acolheu o pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para manter a atual composição das bancadas estaduais na Câmara para as eleições de 2026. Assim, a representação política da sociedade brasileira seguirá distorcida até 2031, em total descompasso com os dados do Censo de 2022. Estados como São Paulo, o mais prejudicado por esse retrocesso institucional, continuarão penalizados por uma sub-representação que desafia a própria lógica da democracia representativa.

O art. 45, § 1.º, da Constituição diz em português cristalino que a representação dos Estados na Câmara deve ser proporcional à população. A Lei Complementar (LCP) 78/1993, que regulamentou esse dispositivo, fixou apenas os limites mínimo (8) e máximo (70) de assentos por unidade da Federação. Portanto, a redistribuição periódica das cadeiras, à luz da demografia, é um mandamento constitucional, não uma liberalidade política.

O mais estarrecedor é que o próprio STF decidira, em 2023, que o Congresso tinha até 30 de junho passado para atualizar a composição da Câmara. A Corte deixou explícito que a ordem era para redistribuir as cadeiras, não aumentar seu número. Entretanto, numa das páginas mais lamentáveis da atual legislatura, o Congresso preferiu inchar a Câmara, aumentando de 513 para 531 o número de deputados. A manobra, além de ser inapelavelmente inconstitucional, revelava o temor dos parlamentares de perder privilégios, haja vista que alguns Estados – Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – deveriam reduzir suas bancadas.

O presidente Lula da Silva, corretamente, vetou esse desatino. Mas, talvez sem votos para derrubar o veto e sob pressão dos Estados que seriam obrigados a encolher suas representações, o sr. Alcolumbre resolveu choramingar sob as barras das togas. E, no que pareceu um gesto de cortesia para amenizar atritos recentes, o Supremo, pasme o leitor, curvou-se ao pedido, contrariando sua própria decisão e, pior, a letra da Constituição.

É difícil exagerar a gravidade dessa decisão. Ao sacramentar a manutenção da distorção representativa, o STF negligenciou seu papel primordial de guardião da Lei Maior. Em nome de uma suposta harmonia entre os Poderes, a Corte escolheu proteger um arranjo político em vez de assegurar o interesse público e o princípio democrático da proporcionalidade do voto. É o que se pode depreender desse julgamento unânime, o primeiro do colegiado sob a presidência do ministro Edson Fachin, que, ao que tudo indica, preferiu começar seu mandato em clima de acomodação com o Legislativo a reafirmar a independência do Judiciário.

Nada justifica a complacência do STF com o conchavo entre Alcolumbre e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cujo Estado, a Paraíba, perderia cadeiras com a aplicação correta da representação demográfica. A manobra, vendida como mecanismo de “apaziguamento” entre as Casas Legislativas após o enterro da infame PEC da Bandidagem no Senado, não passa de escancarado casuísmo. Para satisfazer conveniências políticas de Alcolumbre e Motta e seus grupos, perpetua-se uma desigualdade inaceitável: certos votos continuarão a valer mais do que outros no País.

A democracia representativa se abastarda quando votos deixam de valer a mesma coisa em termos proporcionais. É incrível que o STF tenha optado por perpetuar uma injustiça que privilegia umas poucas bancadas em detrimento da maioria. Em vez de corrigir desigualdades e modernizar a representação política, a Corte escolheu o caminho do compadrio institucional.

O Supremo errou agora e criou um precedente perigoso para o futuro. A mensagem transmitida por sua tibieza à sociedade é inequívoca: a jurisprudência da própria Corte pode ser moldada às conveniências políticas de ocasião. Ora, o respeito à proporcionalidade da representação não é mera questão de conveniência política, mas um postulado democrático fundamental. Ao negar-lhe vigência, o STF cometeu um grave erro.

Mais um teto para ser furado

Por O Estado de S. Paulo

Ao discutir um projeto que estabelece um teto para a dívida pública na proporção do PIB, Senado pode criar uma regra fiscal natimorta e que não resolverá o cerne do problema fiscal do País

O avanço de propostas inviáveis no Congresso quase sempre se deve a uma certa ingenuidade, puro desconhecimento ou mera hipocrisia por parte dos parlamentares. Alguns senadores, portanto, deveriam explicar qual dessas alternativas está por trás do Projeto de Resolução do Senado 8/2025, por meio do qual pretendem estabelecer um teto para a dívida bruta da União. Trata-se de ideia tão simples quanto equivocada, não só no conteúdo como na forma, e que certamente não resolverá os problemas fiscais que se acumulam há anos.

Em princípio, quem defende a responsabilidade fiscal enquanto princípio não teria motivos para se colocar contra a proposta, haja vista que o arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não foi capaz de estabilizar a trajetória da dívida pública, situação que retroalimenta juros elevados.

Juros elevados, por sua vez, encarecem o crédito para o setor privado, diminuem a atratividade de investimentos em infraestrutura e reduzem a expectativa para o crescimento da economia. É provável que tenha sido nesse contexto que surgiu a ideia do teto para a dívida.

De qualquer forma, na justificativa da proposta, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) argumenta que foi a Constituição que deu ao Senado a competência de fixar limites globais para a dívida consolidada da União, Estados e municípios, mas que eles têm sido aplicados somente para os entes subnacionais.

Originalmente, Renan sugeriu que a dívida pública se limitasse a quatro vezes a Receita Corrente Líquida (RCL) da União, mas o relator, Oriovisto Guimarães (PSDB-PR), propôs que ela não ultrapasse 6,5 vezes a RCL e que não supere o nível de 80% do Produto Interno Bruto (PIB).

Que bom seria se todos os desafios nacionais fossem resolvidos com base no que está escrito em lei. Mas, como lembrou ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles em sua coluna no Estadão, o País já conta com um arsenal de leis suficiente para orientar a política fiscal. O diabo está nas exceções que se criam ao longo do tempo para fugir do cumprimento delas. “O que pode ser aprimorado é a execução da política fiscal, sem novas exceções ao sabor do momento”, disse Meirelles.

Também em sua coluna neste jornal, o economista e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman lembrou que o projeto em discussão no Senado padece dos mesmos erros do antigo teto de gastos e do atual arcabouço fiscal: não atacar os gastos obrigatórios, que se expandem em um ritmo acima do crescimento sustentável do PIB. “Fracassam porque tentam conter o sintoma, não sua causa”, definiu.

Exatamente por não resolver a dinâmica do gasto público, o projeto estabeleceria mais um teto para ser furado em tempo recorde. Isso porque a dívida bruta do governo geral já estava em 77,5% do PIB em agosto e deve ultrapassar o nível de 80% do PIB em breve.

O governo fez chegar aos senadores que a proposta poderia paralisar a máquina pública, gerar um choque recessivo e até mesmo levar a um calote, enquanto o BC sinalizou que o projeto imporia dificuldades adicionais à condução da política monetária e à estabilidade financeira.

O mais grave é que, por ser um projeto de resolução do Senado, o texto, uma vez aprovado, entraria em vigor de maneira imediata, sem jamais ter passado pela Câmara e sem estar sujeito a vetos presidenciais. Ora, seria um disparate se um tema de tamanha importância e impacto para as contas públicas fosse decidido apenas pelo Senado.

Após apresentar seu parecer, Oriovisto disse que está disposto a discutir o projeto com o governo e o BC antes que ele seja deliberado e, felizmente, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) decidiu adiar sua votação para debater seus impactos em uma audiência pública com integrantes do Ministério da Fazenda e da Casa Civil.

O melhor mesmo é que o Senado desista de uma vez desse projeto. Afinal, criar uma regra que só serviria para bagunçar ainda mais um conjunto de normas fiscais já bastante confuso e que já nasceria com um prazo de validade curto é tudo de que o País não precisa neste momento.

A encruzilhada da Argentina

Por O Estado de S. Paulo

Às vésperas de eleições cruciais, Milei, defensor do câmbio flutuante, retoma controle sobre o peso

Cinco meses após eliminar algumas das pesadas restrições para a negociação de dólares na Argentina, o governo de Javier Milei deu um passo atrás, retomando a regra que limita o acesso ao câmbio oficial a empresas e indivíduos que negociam a divisa norte-americana com fontes além do provedor oficial, o banco central do país.

Ressalte-se que a eliminação de parte das restrições cambiais foi uma das condições impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em abril, para a liberação de um novo pacote de ajuda à Argentina, cujos desembolsos podem totalizar US$ 20 bilhões.

Em um primeiro momento, tudo andou bem. Além do enésimo acordo com o FMI, de quem a Argentina é devedora contumaz, não houve corrida por dólares e as cotações da divisa americana ficaram longe do teto da banda fixado para a flutuação do peso, o que foi interpretado como um sinal de que o país conseguiria avançar com as reformas instituídas por Milei.

Desacreditada por anos de descalabro econômico, a oposição, à época, ficou sem discurso ante os notáveis feitos de Milei, que tirou a inflação do país da exorbitante casa dos três dígitos e fez a Argentina voltar a ter superávits fiscais.

Mas a maré de Milei começou a virar. Pouco afeito ao diálogo, o presidente já vinha dinamitando pontes com o Congresso e com os governadores de províncias. E o estouro de um escândalo de corrupção, no qual estaria implicada a irmã e principal assessora do presidente, Karina Milei, acabou por dar fôlego a uma oposição até então desmoralizada.

Após a vitória acachapante dos peronistas nas eleições legislativas da província de Buenos Aires, o governo passou a temer um resultado igualmente ruim na eleição nacional para o Congresso argentino, que acontece neste mês.

Minoritário no Legislativo, o partido de Milei, o A Liberdade Avança, precisa ampliar sua participação legislativa para que o presidente possa seguir em frente com sua agenda de reformas, já prejudicada por vetos da oposição. É por isso que Milei agora volta a controlar o câmbio. Embora grande parte dos economistas entenda que o peso está apreciado e defenda uma desvalorização, o presidente libertário teme que tal medida provoque inflação, custando-lhe votos.

Mas o dilema de Milei vai bem além do câmbio. De acordo com o jornal La Nación, a prometida ajuda do presidente dos EUA, Donald Trump, à Argentina está condicionada ao afastamento argentino da órbita de influência chinesa.

Na semana passada, o Tesouro norte-americano anunciou uma linha de swap cambial (troca de moedas) de US$ 20 bilhões para a Argentina, com termos a serem detalhados após as eleições de outubro. Curiosamente, o país sul-americano já tem um acordo desse tipo com a China.

Recentemente, a revista britânica The Economist descreveu a Argentina como um “cemitério de reformas econômicas”. Resta saber se o que Milei até agora construiu como possível legado é sólido o bastante para resistir às pressões eleitorais ou se acabará se revelando um sonho libertário fugaz.

Flotilha deixa governo israelense ainda mais isolado

Por O Povo  (CE)

Segundo o Ministério de Saúde de Gaza, mais de 66 mil palestinos foram mortos no conflito, mais da metade mulheres e crianças. Até quando vai continuar a barbárie?

O governo brasileiro lançou uma dura nota condenando a interceptação da Flotilha Global Sumud pela Marinha de Israel. O bloqueio dos cerca de 40 barcos, que levavam pacificamente ajuda humanitária aos habitantes de Gaza, aconteceu em águas internacionais, o que é ilegal.

Aproximadamente 500 pessoas, ativistas de várias nacionalidades, participam da iniciativa, entre elas a deputada federal, ex-prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, e outros nove brasileiros.

Em uma rede social, Luizianne considerou ter sido "sequestrada pelas forças de ocupação", em referência à ação do Exército israelense em Gaza — e pediu ao governo para brasileiro para "acabar com qualquer relação econômica com Israel", apelando a esforços para trazê-la de volta "para casa".

Por meio de uma nota, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) condenou "nos mais fortes termos" a interceptação da flotilha, exigindo a libertação imediata dos brasileiros detidos. "O Brasil conclama a comunidade internacional a exigir de Israel a cessação do bloqueio a Gaza, por constituir grave violação ao direito internacional humanitário", registrou o Itamaraty.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, a pedido do coordenador da bancada cearense no Congresso, deputado Domingos Neto, disse que vai trabalhar com a diplomacia brasileira, exigindo que Israel respeite as prerrogativas parlamentares de Luizianne. É positivo que o Congresso se junte aos esforços do MRE para fazer tudo o que for necessário para resgatar os brasileiros.

Israel está cada vez mais isolado na comunidade internacional. Além disso, vê aumentar manifestações populares em todo o mundo, pedindo o fim do massacre cometido contra os palestinos, classificado como genocídio pelo governo brasileiro. A flotilha ajuda a expor ainda mais o repúdio generalizado ao governo de Israel.

Dos 193 países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU), 157 já reconhecem a Palestina como um Estado. Após o início do conflito, mais uma leva de nações ampliaram essa lista, como o Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal.

É de se lembrar que a guerra começou depois que o Hamas, em outubro de 2023, invadiu o território israelense matando mais de mil pessoas. No entanto, o ato terrorista não pode ser usado como justificativa para punição indiscriminada contra todo o povo palestino, que sofre os horrores da guerra, incluindo o bloqueio de ajuda humanitária.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 42 mil pessoas em Gaza têm lesões graves, com acesso limitado à reabilitação, mais de cinco mil pessoas sofreram amputações. Outras lesões incluem danos no cérebro, na medula espinhal e queimaduras. Crianças somam 25% dos feridos Apenas 14 dos 36 hospitais continuam funcionando parcialmente.

Segundo o Ministério de Saúde de Gaza, mais de 66 mil palestinos foram mortos no conflito, mais da metade mulheres e crianças.

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