O Globo
Correria com MP editada para tapar buraco do
decreto do IOF mostra que ênfase na arrecadação ainda é a única toada do governo
na busca por cumprir meta
A maré de sorte de Lula é inegável, e a
recente videoconferência amistosa com Donald Trump é mais um indicador disso.
Mas um problema estrutural do governo, que atingiu seu ápice no meio do ano,
persiste e voltou a ditar a correria do Executivo e do Legislativo neste início
de semana: a fragilidade da situação fiscal, principal ponto fraco a minar a
confiança dos setores produtivo e financeiro no presidente.
Mais uma vez foi deixada para a última hora a negociação da Medida Provisória 1303 — já editada, aliás, como tapa-buraco diante do impasse com o decreto que elevava o Imposto sobre Operações Financeiras para várias transações e aplicações. A MP visa a gerar receitas para compensar parte das perdas com o aumento do IOF derrubado pelo Congresso.
De puxadinho em puxadinho, o governo vai
tentando fazer com que o arcabouço fiscal proposto em 2023 por Fernando Haddad
pare de pé até as eleições. Acontece que a tentativa de elevar a tributação de
investimentos, criptoativos e bets esbarrou nos lobbies relativos a cada um
desses setores e na desconfiança da oposição em relação à contingência de
aumentar a arrecadação do governo em pleno ano eleitoral.
Como o governo estava com as mãos cheias
tratando de outros assuntos, com o tarifaço imposto por Trump, a negociação do
projeto do IR e a tentativa da oposição de avançar com diversas propostas que
gravitam em torno da ideia de anistia para Jair Bolsonaro, a negociação da MP
foi ficando para depois, e agora ela está na contagem das 12 badaladas do
relógio, com risco de virar abóbora — caducar.
Portanto, nem a dificuldade de negociação
política no Congresso nem o problema estrutural da busca do cumprimento da meta
fiscal apenas pelo aumento de arrecadação a qualquer preço foram superados com
a mudança do vento político que levou Lula a colecionar boas notícias nos
últimos dois meses.
Caso consiga salvar a MP na bacia das almas,
bastante desidratada de seu escopo original, o governo respirará mais ou menos
aliviado quanto à perspectiva de arrecadação em 2026. Mas a simples aprovação
dessas medidas não assegura a durabilidade do arcabouço como está desenhado,
uma vez que as despesas obrigatórias continuam a crescer sem freio e sem que o
governo acene com gatilhos capazes de contê-las ou com medidas de fundo que
ataquem o crescimento exponencial do gasto público.
A proximidade das eleições tem um efeito que
pode até ajudar a mitigar as dificuldades de trânsito de Lula no Parlamento,
mas também funciona, como se viu em 2022, como sinal de alerta para a
possibilidade de que todos, Executivo e Legislativo, afrouxem os controles e
empurrem as contas para o “próximo” governo — mesmo correndo o risco de que o
presidente seja reeleito.
Existe uma bipolaridade no ar no Congresso:
ao mesmo tempo que um pedaço importante do Centrão constrói um projeto alternativo
a Lula, tentando vencer a resistência de Jair Bolsonaro para colocar logo na
rua uma candidatura da centro-direita, um movimento contrário nesses próprios
partidos enxerga na recuperação paulatina da popularidade do petista um sinal
de que o melhor é ficar no barco em que já estão.
Isso explica a decisão de ministros como
André Fufuca e Celso Sabino de permanecer nos postos, ignorando os “ultimatos”
da federação União Progressista. Também pode ajudar a salvar a MP 1303 e, por
tabela, o marco fiscal claudicante.
Trata-se, porém, de um arranjo frágil,
sujeito a sofrer abalos à medida que os ventos eleitorais mudarem ou que as
dificuldades ainda não superadas por Lula — juros altos e até a questão do
tarifaço, cuja negociação mal começou — se mostrarem mais difíceis de transpor.
Que a situação fiscal do país dependa de algo tão imprevisível é razão mais que suficiente para explicar o nervosismo persistente dos agentes econômicos, mesmo com a “química” ajudando a conhecida estrela de Lula.
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