quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Clima melhora, mas incerteza fiscal persiste. Por Vera Magalhães

O Globo

Correria com MP editada para tapar buraco do decreto do IOF mostra que ênfase na arrecadação ainda é a única toada do governo na busca por cumprir meta

A maré de sorte de Lula é inegável, e a recente videoconferência amistosa com Donald Trump é mais um indicador disso. Mas um problema estrutural do governo, que atingiu seu ápice no meio do ano, persiste e voltou a ditar a correria do Executivo e do Legislativo neste início de semana: a fragilidade da situação fiscal, principal ponto fraco a minar a confiança dos setores produtivo e financeiro no presidente.

Mais uma vez foi deixada para a última hora a negociação da Medida Provisória 1303 — já editada, aliás, como tapa-buraco diante do impasse com o decreto que elevava o Imposto sobre Operações Financeiras para várias transações e aplicações. A MP visa a gerar receitas para compensar parte das perdas com o aumento do IOF derrubado pelo Congresso.

De puxadinho em puxadinho, o governo vai tentando fazer com que o arcabouço fiscal proposto em 2023 por Fernando Haddad pare de pé até as eleições. Acontece que a tentativa de elevar a tributação de investimentos, criptoativos e bets esbarrou nos lobbies relativos a cada um desses setores e na desconfiança da oposição em relação à contingência de aumentar a arrecadação do governo em pleno ano eleitoral.

Como o governo estava com as mãos cheias tratando de outros assuntos, com o tarifaço imposto por Trump, a negociação do projeto do IR e a tentativa da oposição de avançar com diversas propostas que gravitam em torno da ideia de anistia para Jair Bolsonaro, a negociação da MP foi ficando para depois, e agora ela está na contagem das 12 badaladas do relógio, com risco de virar abóbora — caducar.

Portanto, nem a dificuldade de negociação política no Congresso nem o problema estrutural da busca do cumprimento da meta fiscal apenas pelo aumento de arrecadação a qualquer preço foram superados com a mudança do vento político que levou Lula a colecionar boas notícias nos últimos dois meses.

Caso consiga salvar a MP na bacia das almas, bastante desidratada de seu escopo original, o governo respirará mais ou menos aliviado quanto à perspectiva de arrecadação em 2026. Mas a simples aprovação dessas medidas não assegura a durabilidade do arcabouço como está desenhado, uma vez que as despesas obrigatórias continuam a crescer sem freio e sem que o governo acene com gatilhos capazes de contê-las ou com medidas de fundo que ataquem o crescimento exponencial do gasto público.

A proximidade das eleições tem um efeito que pode até ajudar a mitigar as dificuldades de trânsito de Lula no Parlamento, mas também funciona, como se viu em 2022, como sinal de alerta para a possibilidade de que todos, Executivo e Legislativo, afrouxem os controles e empurrem as contas para o “próximo” governo — mesmo correndo o risco de que o presidente seja reeleito.

Existe uma bipolaridade no ar no Congresso: ao mesmo tempo que um pedaço importante do Centrão constrói um projeto alternativo a Lula, tentando vencer a resistência de Jair Bolsonaro para colocar logo na rua uma candidatura da centro-direita, um movimento contrário nesses próprios partidos enxerga na recuperação paulatina da popularidade do petista um sinal de que o melhor é ficar no barco em que já estão.

Isso explica a decisão de ministros como André Fufuca e Celso Sabino de permanecer nos postos, ignorando os “ultimatos” da federação União Progressista. Também pode ajudar a salvar a MP 1303 e, por tabela, o marco fiscal claudicante.

Trata-se, porém, de um arranjo frágil, sujeito a sofrer abalos à medida que os ventos eleitorais mudarem ou que as dificuldades ainda não superadas por Lula — juros altos e até a questão do tarifaço, cuja negociação mal começou — se mostrarem mais difíceis de transpor.

Que a situação fiscal do país dependa de algo tão imprevisível é razão mais que suficiente para explicar o nervosismo persistente dos agentes econômicos, mesmo com a “química” ajudando a conhecida estrela de Lula.

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