quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Paz que seja paz. Por Rodrigo Craveiro

Correio Braziliense

Seria mais do que justo conceder o Nobel da Paz à ativista sueca Greta Thunberg ou aos jornalistas palestinos, incansáveis heróis na documentação da guerra genocida encampada por Israel na Faixa de Gaza

Quase sempre acho o Nobel da Paz fascinante e justo. É um prêmio dado a quem realiza contribuições reais e críticas para a paz no mundo. À exceção de uns poucos laureados, vejo que a escolha do Comitê Nobel Norueguês costuma ser pautada pela coerência. Em 27 anos de jornalismo, tive a honra de entrevistar dez dos 111 indivíduos premiados com o Nobel da Paz. Vi, em todos eles, humildade e senso de entrega pela causa. A queniana Wangari Maathai recebeu a honraria em 2004. Era meu último ano no jornal O Popular, de Goiânia, antes de ser contratado pelo Correio. Na manhã do anúncio do prêmio, Wangari atendeu ao telefonema com uma risada e confessou-me estar honrada pelo reconhecimento. Ela criou um movimento entre as mulheres do Quênia que plantou 51 milhões de árvores. Anos depois, em nova entrevista, mostrou simpatia e reagiu ao meu telefonema com uma pergunta: "Como eu poderia me esquecer de sua voz?". Vítima de um câncer, ela deixou-nos em 2011. 

Em 2011, o avião com a ativista liberiana Leymah Gbowee tinha acabado de atravessar os Estados Unidos de oeste a leste e aterrissar em Nova York. "Estou apenas chorando, oh, meu Deus", disse-me Gbowee, depois de contar que foi surpreendida por centenas de ligações não atendidas e mensagens assim que ligou o celular. Ela mobilizou as mulheres dos combatentes da Libéria para exigir o fim da guerra civil,  em ações de protesto que incluíram até mesmo greve de sexo. Em 2021, a  jornalista filipina Maria Ressa contou-me ter ficado atordoada com a ligação do Comitê Nobel. "Foi um lembrete não apenas para mim e para os jornalistas filipinos, mas para jornalistas de todo o mundo, de que não estamos sozinhos", afirmou a repórter que denunciou os abusos e violações dos direitos humanos durante o governo de Rodrigo Duterte e tornou-se porta-voz da luta contra as fake news.  

Citei as três laureadas para reforçar que o Nobel da Paz não se curva a pressões de pretensos candidatos à láurea. Ao menos até agora tem sido assim. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que não receber o prêmio seria um "insulto" e atribui a si mesmo a façanha de ter colocado fim a oito guerras. O plano de paz para o Oriente Médio seria a cartada final do republicano para massagear o próprio ego inflamado. Trump omite que ajudou Israel a bombardear instalações nucleares do Irã. Também parece não levar em conta que montou uma campanha de terror contra estrangeiros não documentados de seu país e, ao arrepio do direito internacional, determinou o bombardeio de supostas embarcações do Mar do Sul do Caribe, perto da costa da Venezuela. Sem contar a tentativa de perpetuar-se no poder depois que perdeu as eleições para Joe Biden.  

Seria mais do que justo conceder o Nobel da Paz à ativista sueca Greta Thunberg ou aos jornalistas palestinos, incansáveis heróis na documentação da guerra genocida encampada por Israel na Faixa de Gaza. Trump chegou a alegar que Barack Obama recebeu o Nobel e, portanto, ele também mereceria. Agraciar o presidente republicano equivale a colocar em xeque a credibilidade do Comitê Nobel Norueguês e do propósito do prêmio. É preciso premiar "a paz que seja paz". Verdadeira, lúcida, desprovida de ego ou de arrogância.

 

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