quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O tempo passa. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Nova 'química' entre Trump e Lula é resultado de lobby de empresas e boa diplomacia

Razão de fundo, porém, é enfraquecimento do poder de Bolsonaro, que fica cada vez menos influente

O mundo é um remake de "Casablanca", o filme estrelado por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. "Sempre teremos Paris", uma das frases icônicas da fita, foi utilizada ironicamente por ministros do STF depois que vários deles tiveram seus vistos para os EUA cancelados pela Casa Branca, em represália a medidas judiciais tomadas contra Jair Bolsonaro.

Mas o mundo, a exemplo do enredo de "Casablanca", dá voltas. "Acho que este é o começo de uma bela amizade", outra frase marcante da obra, se presta bem a descrever a "química" que rolou entre Donald Trump e Lula, que agora estão se falando e se entendendo.

O que aconteceu? Várias coisas. O lobby de empresários (brasileiros e americanos), ao lado de uma diplomacia discreta e certeira, acabou fazendo com que Trump deixasse de lado a ideia de salvar Bolsonaro e se concentrasse em questões econômicas. Café e hambúrguer mais caros não são do interesse dos americanos. Mesmo num mundo conturbado como o que nos encontramos, a racionalidade às vezes triunfa.

O ingrediente principal da reviravolta, porém, me parece ser o clássico esvaziamento da expectativa de poder. O fenômeno já entrou para o folclore político de vários países. Nos EUA, governantes com data marcada para deixar o poder são chamados de "lame ducks" ("patos mancos"), aves que acabam ficando para trás e se tornam alvo fácil para predadores. No Brasil, diz-se até que os copeiros dos palácios percebem quando um dirigente não manda mais e nem se preocupam mais em servir-lhe o café quente.

O cerco sobre Bolsonaro se fechou. Ele não pode candidatar-se a nada e passará alguns anos preso em regime fechado. Ainda mantém alguma influência eleitoral, mas esse é um poder claramente declinante. A exemplo dos copeiros e de Trump, antigos aliados vão aos poucos o abandonando. O projeto de anistia que o beneficiaria vai ficando cada vez mais franzino.

Isso nos remete à terceira frase famosa de "Casablanca" —"Play it, Sam!"—, quando o personagem de Bogart pede ao pianista que toque "As Times Goes By".

 

 

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