Folha de S. Paulo
Nova 'química' entre Trump e Lula é resultado
de lobby de empresas e boa diplomacia
Razão de fundo, porém, é enfraquecimento do
poder de Bolsonaro, que fica cada vez menos influente
O mundo é um remake de "Casablanca",
o filme estrelado por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. "Sempre teremos
Paris", uma das frases icônicas da fita, foi utilizada ironicamente por
ministros do STF depois que vários deles tiveram seus vistos para os EUA
cancelados pela Casa Branca, em represália a medidas judiciais tomadas
contra Jair
Bolsonaro.
Mas o mundo, a exemplo do enredo de "Casablanca", dá voltas. "Acho que este é o começo de uma bela amizade", outra frase marcante da obra, se presta bem a descrever a "química" que rolou entre Donald Trump e Lula, que agora estão se falando e se entendendo.
O que aconteceu? Várias coisas. O lobby de
empresários (brasileiros e americanos), ao lado de uma diplomacia discreta e
certeira, acabou fazendo com que Trump deixasse de lado a ideia de salvar
Bolsonaro e se concentrasse em questões econômicas. Café e hambúrguer mais
caros não são do interesse dos americanos. Mesmo num mundo conturbado como o
que nos encontramos, a racionalidade às vezes triunfa.
O ingrediente principal da reviravolta,
porém, me parece ser o clássico esvaziamento da expectativa de poder. O
fenômeno já entrou para o folclore político de vários países. Nos EUA,
governantes com data marcada para deixar o poder são chamados de "lame
ducks" ("patos mancos"), aves que acabam ficando para trás e se
tornam alvo fácil para predadores. No Brasil, diz-se até que os copeiros dos
palácios percebem quando um dirigente não manda mais e nem se preocupam mais em
servir-lhe o café quente.
O cerco sobre Bolsonaro se fechou. Ele não
pode candidatar-se a nada e passará alguns anos preso em regime fechado. Ainda mantém
alguma influência eleitoral, mas esse é um poder claramente declinante. A
exemplo dos copeiros e de Trump, antigos aliados vão aos poucos o abandonando.
O projeto de anistia que o beneficiaria vai ficando cada vez mais franzino.
Isso nos remete à terceira frase famosa de
"Casablanca" —"Play it, Sam!"—, quando o personagem de
Bogart pede ao pianista que toque "As Times Goes By".
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