quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Lula deve ficar atento ao ‘melindre’ de Trump. Por Fernando Exman

Valor Econômico

Planalto deve manter o discurso de que o tarifaço não pode ser considerado um “presente”

O alerta, considerado depois pela Polícia Federal um ato de coação contra autoridades brasileiras com o objetivo de evitar a conclusão do julgamento da trama golpista, chegou ao telefone celular do ex-presidente Jair Bolsonaro em 10 de julho. Um dia depois de o presidente Donald Trump divulgar uma carta pública pelas redes sociais anunciando que o tarifaço dos Estados Unidos aos produtos brasileiros totalizaria 50%.

O remetente era o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que pressionava o pai a agradecer a injustificável sanção que o governo americano acabara de impor ao Brasil. Para ele, era preciso publicar nas redes sociais com urgência uma mensagem “vaselina”. Afinal, a qualquer momento havia o risco de a Casa Branca mudar de foco e deixá-los de lado.

“O cara mais poderoso do mundo está a seu favor. Fizemos a nossa parte”, escreveu Eduardo dos EUA, para onde mudou com o objetivo de articular as sanções contra o Brasil. Ele sustentava que a opinião pública compreenderia o movimento e, se fosse o caso, haveria tempo para “reverter” eventual problema com o eleitorado doméstico. “Vc não vai ter tempo de reverter se o cara daqui virar as costas para você. Aqui é tudo muito melindroso.”

E complementou: a falta de uma manifestação não seria bem-vista no governo americano. “Mas tenho receio que por aqui as coisas mudem. Mesmo dentro da Casa Branca tem gente falando para o 01 [Trump]: ‘ok, Brasil já foi. Vamos para a próxima’”, vaticinou na troca de mensagens que estava em um celular apreendido pela PF e depois foi tornada pública.

As coisas, de fato, mudaram. Jair Bolsonaro era citado nas primeiras linhas da carta divulgada por Trump no dia 9 de julho. Em um trecho que causou indignação no governo e no Supremo Tribunal. Federal (STF), o presidente americano cobrava em letras garrafais que a suposta “caça às bruxas” contra o então aliado deveria acabar “imediatamente”.

Corretamente, governo e STF não cederam. Com a ajuda do setor privado, conseguiram fazer chegar à Casa Branca as ponderações de que o tarifaço prejudicaria o consumidor americano e a economia do país. E como por lá tudo parece realmente “muito melindroso”, no telefonema trocado por Trump e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (6), Bolsonaro foi solenemente ignorado por ambas as partes. Trump virou-lhe as costas, mas isso em nada garante que não irá mudar novamente de estratégia.

Ao escalar o secretário de Estado, Marco Rubio, para liderar o diálogo com o Brasil, o presidente Donald Trump sinaliza que o país e a América do Sul passam a ocupar um lugar de mais destaque na política externa americana. Pelo menos neste momento: a crescente pressão dos EUA sobre a Venezuela já era sinal disso. Diante da falta de resultados com sanções tradicionais, os americanos passaram à ameaça militar contra a ditadura de Nicolás Maduro.

Até então, não havia espaço para a região entre as prioridades de Washington. Trump ocupou-se primeiro em tentar executar uma estratégia para promover um redesenho do Oriente Médio e dar um fim à guerra na Ucrânia. A rivalidade com a China também sempre esteve no topo da agenda que repousa sobre a mesa presidencial do Salão Oval.

O aceno de Trump ao Brasil ocorreu em um momento de crescente estreitamento das relações do governo Lula com a China, um movimento compreensível e até mesmo legitimado pelas agressões vindas de Washington. Mas o telefonema do presidente americano já foi capaz de fazer Lula calibrar a política externa, que, em uma dinâmica pendular, continua a buscar benefícios de ambos os lados.

Cogita-se, agora, que Lula e Trump se encontrem à margem da cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), na Malásia, no fim de outubro. Um terreno neutro, mas simbólico. A China é o principal parceiro comercial do bloco, e ainda é incerta a presença do presidente Xi Jinping no encontro. Se antes havia a expectativa em relação a uma eventual reunião entre Trump e Xi durante a cúpula, agora as atenções se voltarão para as articulações do líder americano em uma área de grande influência de Pequim.

Com o início das negociações entre Brasil e EUA, o Planalto deve manter o discurso de que o tarifaço não pode ser considerado um “presente” a Lula, que vinha, de crise em crise, batalhando para recuperar a popularidade. A reação do governo que foi correta, sustentam as fontes, e por isso as pesquisas de opinião apuram uma alta na avaliação do Executivo.

Para esses interlocutores, a defesa da democracia não será uma plataforma que, por si só, será capaz de garantir a permanência do PT no poder. A campanha à reeleição precisará apresentar à sociedade um projeto de país, algo que, na visão de auxiliares do presidente, só foi feito por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e no primeiro mandato de Lula. A intenção é conectar o discurso de defesa da soberania, trabalhado após o assédio diplomático dos EUA à institucionalidade brasileira, a uma estratégia voltada ao crescimento e ao desenvolvimento do país.

O mesmo discurso consta do repertório da oposição. Antes de seu recuo tático nas discussões sobre uma possível candidatura à Presidência, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, parafraseou justamente o slogan de Juscelino e disse que a próxima administração precisa fazer “40 anos em 4”.

Enquanto reformata o diálogo com o Brasil, as autoridades americanas acompanham de perto a pré-campanha. Afinal, como diz Eduardo Bolsonaro, nos EUA “tudo é muito melindroso e qualquer coisinha afeta”.

 

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