Valor Econômico
Planalto deve manter o discurso de que o
tarifaço não pode ser considerado um “presente”
O alerta, considerado depois pela Polícia
Federal um ato de coação contra autoridades brasileiras com o objetivo de
evitar a conclusão do julgamento da trama golpista, chegou ao telefone celular
do ex-presidente Jair Bolsonaro em 10 de julho. Um dia depois de o presidente
Donald Trump divulgar uma carta pública pelas redes sociais anunciando que o
tarifaço dos Estados Unidos aos produtos brasileiros totalizaria 50%.
O remetente era o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que pressionava o pai a agradecer a injustificável sanção que o governo americano acabara de impor ao Brasil. Para ele, era preciso publicar nas redes sociais com urgência uma mensagem “vaselina”. Afinal, a qualquer momento havia o risco de a Casa Branca mudar de foco e deixá-los de lado.
“O cara mais poderoso do mundo está a seu
favor. Fizemos a nossa parte”, escreveu Eduardo dos EUA, para onde mudou com o
objetivo de articular as sanções contra o Brasil. Ele sustentava que a opinião
pública compreenderia o movimento e, se fosse o caso, haveria tempo para
“reverter” eventual problema com o eleitorado doméstico. “Vc não vai ter tempo
de reverter se o cara daqui virar as costas para você. Aqui é tudo muito
melindroso.”
E complementou: a falta de uma manifestação
não seria bem-vista no governo americano. “Mas tenho receio que por aqui as
coisas mudem. Mesmo dentro da Casa Branca tem gente falando para o 01 [Trump]:
‘ok, Brasil já foi. Vamos para a próxima’”, vaticinou na troca de mensagens que
estava em um celular apreendido pela PF e depois foi tornada pública.
As coisas, de fato, mudaram. Jair Bolsonaro
era citado nas primeiras linhas da carta divulgada por Trump no dia 9 de julho.
Em um trecho que causou indignação no governo e no Supremo Tribunal. Federal
(STF), o presidente americano cobrava em letras garrafais que a suposta “caça
às bruxas” contra o então aliado deveria acabar “imediatamente”.
Corretamente, governo e STF não cederam. Com
a ajuda do setor privado, conseguiram fazer chegar à Casa Branca as ponderações
de que o tarifaço prejudicaria o consumidor americano e a economia do país. E
como por lá tudo parece realmente “muito melindroso”, no telefonema trocado por
Trump e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (6),
Bolsonaro foi solenemente ignorado por ambas as partes. Trump virou-lhe as
costas, mas isso em nada garante que não irá mudar novamente de estratégia.
Ao escalar o secretário de Estado, Marco
Rubio, para liderar o diálogo com o Brasil, o presidente Donald Trump sinaliza
que o país e a América do Sul passam a ocupar um lugar de mais destaque na
política externa americana. Pelo menos neste momento: a crescente pressão dos
EUA sobre a Venezuela já era sinal disso. Diante da falta de resultados com
sanções tradicionais, os americanos passaram à ameaça militar contra a ditadura
de Nicolás Maduro.
Até então, não havia espaço para a região
entre as prioridades de Washington. Trump ocupou-se primeiro em tentar executar
uma estratégia para promover um redesenho do Oriente Médio e dar um fim à
guerra na Ucrânia. A rivalidade com a China também sempre esteve no topo da
agenda que repousa sobre a mesa presidencial do Salão Oval.
O aceno de Trump ao Brasil ocorreu em um
momento de crescente estreitamento das relações do governo Lula com a China, um
movimento compreensível e até mesmo legitimado pelas agressões vindas de
Washington. Mas o telefonema do presidente americano já foi capaz de fazer Lula
calibrar a política externa, que, em uma dinâmica pendular, continua a buscar
benefícios de ambos os lados.
Cogita-se, agora, que Lula e Trump se
encontrem à margem da cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático
(Asean), na Malásia, no fim de outubro. Um terreno neutro, mas simbólico. A
China é o principal parceiro comercial do bloco, e ainda é incerta a presença
do presidente Xi Jinping no encontro. Se antes havia a expectativa em relação a
uma eventual reunião entre Trump e Xi durante a cúpula, agora as atenções se
voltarão para as articulações do líder americano em uma área de grande
influência de Pequim.
Com o início das negociações entre Brasil e
EUA, o Planalto deve manter o discurso de que o tarifaço não pode ser
considerado um “presente” a Lula, que vinha, de crise em crise, batalhando para
recuperar a popularidade. A reação do governo que foi correta, sustentam as
fontes, e por isso as pesquisas de opinião apuram uma alta na avaliação do
Executivo.
Para esses interlocutores, a defesa da
democracia não será uma plataforma que, por si só, será capaz de garantir a
permanência do PT no poder. A campanha à reeleição precisará apresentar à
sociedade um projeto de país, algo que, na visão de auxiliares do presidente,
só foi feito por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e no primeiro mandato de
Lula. A intenção é conectar o discurso de defesa da soberania, trabalhado após
o assédio diplomático dos EUA à institucionalidade brasileira, a uma estratégia
voltada ao crescimento e ao desenvolvimento do país.
O mesmo discurso consta do repertório da
oposição. Antes de seu recuo tático nas discussões sobre uma possível
candidatura à Presidência, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas,
parafraseou justamente o slogan de Juscelino e disse que a próxima
administração precisa fazer “40 anos em 4”.
Enquanto reformata o diálogo com o Brasil, as
autoridades americanas acompanham de perto a pré-campanha. Afinal, como diz
Eduardo Bolsonaro, nos EUA “tudo é muito melindroso e qualquer coisinha afeta”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário