O Globo
Ao fazer piada com falsificação de Coca-Cola,
governador lembra o padrinho e expõe descaso com vítimas do metanol
São Paulo concentra mais de 80% dos casos de
intoxicação por metanol, incluindo as três mortes já confirmadas no país. Na
segunda-feira, o governador Tarcísio de Freitas chamou a imprensa para comentar
o assunto. Em tom de piada, afirmou: “No dia em que começarem a falsificar
Coca-Cola, vou me preocupar”.
Tarcísio quer ser presidente e busca ser identificado como o herdeiro de Jair Bolsonaro. Para isso, parece disposto a copiar os piores traços do padrinho.
No início da pandemia, o então presidente
tentou fazer graça ao ser questionado sobre o aumento de mortes causadas pela
Covid-19: “Não sou coveiro, tá?”. Tempos depois, ele julgou apropriado debochar
das famílias em luto: “Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até
quando?”.
As falas expõem governantes indiferentes à
dor de quem os elege. A diferença entre criador e criatura se esconde nos
detalhes. Enquanto um receitava cloroquina, o outro prescreve refrigerante.
A crise do metanol começou no fim de
setembro, com o registro de nove casos de intoxicação em São Paulo. Três dias
depois, Tarcísio abandonou o estado e pegou um avião para visitar Bolsonaro na
prisão domiciliar. Quando finalmente voltou ao trabalho, o governador divergiu
da Polícia Federal e disse descartar o envolvimento do PCC na adulteração de
bebidas. Pela convicção, era de esperar que ele esclarecesse a origem do crime
em poucos dias. Ainda não aconteceu.
Aliados de Tarcísio ofendem a inteligência
alheia ao descrever suas declarações como meros deslizes. O governador sabe o
que diz e aonde quer chegar. No ano passado, após uma chacina policial, ele
afirmou: “Pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem
aí”. Em setembro, quando Bolsonaro marchava para a condenação, ele incitou coro
contra o Supremo e chamou o ministro Alexandre de Moraes de “ditador” e
“tirano”.
No dia em que Tarcísio fez a piada do
refrigerante, Bruna Araújo de Souza, de 30 anos, tornou-se a terceira vítima da
quadrilha do metanol. Ela vivia em São Bernardo do Campo, batalhava num salão
de beleza e morreu após tomar suco de pêssego com vodca adulterada. Não há
notícia de que o governador tenha ligado para consolar sua família. Após o
gracejo com a Coca-Cola, ele arrematou: “A minha é normal”.
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