Valor Econômico
Interesses estabelecidos no Congresso Nacional são empecilhos poderosos
Mais uma vez, o Congresso Nacional mostra que
há limites políticos para o ajuste fiscal. Embora o corte de gastos tributários
seja tema da moda, o relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) para a
Medida Provisória (MP) 1.303/2025 preservou uma renúncia fiscal de R$ 40
bilhões existente nos títulos privados isentos do Imposto de Renda, como as
Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e as Letras de Crédito Imobiliárias
(LCIs).
A MP propunha uma taxação de 5%, inferior aos 17,5% que serão cobrados nas demais aplicações financeiras. Zarattini manteve a isenção. Além disso, o relator recuou na proposta de aumento da taxação das bets.
Com isso, a proposta foi “desidratada” e deverá
produzir em 2026 cerca de R$ 17 bilhões. A previsão original era de R$ 20,9
bilhões. A perda é relativamente pequena porque a taxação só alcançaria os
títulos novos, e não o estoque. Mas o recuo no fim da isenção mantém um
tratamento privilegiado que tem gerado distorções no mercado. O mercado desses
papéis cresceu a ponto de competir com o Tesouro Nacional na emissão de títulos
da dívida pública.
No total, a isenção dos títulos é do tamanho
do programa seguro-desemprego, comparou o secretário de Reformas Econômicas do
Ministério da Fazenda, Marcos Pinto. Enquanto o mercado cobra do governo a
redução de gastos, um benefício tributário caro e regressivo como esse é
preservado, acrescentou.
O agro e as bets são exemplos de setores bem
articulados no Congresso Nacional, capazes de barrar propostas que os façam
pagar mais impostos. Isso coloca uma dúvida sobre o passo seguinte a ser
empreendido pelo governo.
Para repor a perda da ordem de R$ 3 bilhões a
R$ 4 bilhões na MP, a aposta da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) é cortar gastos tributários, ou seja, outras isenções de impostos e
contribuições.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 182/2025,
apresentado pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), contém a
proposta elaborada pelo Ministério da Fazenda de cortar, de forma linear, 10%
das renúncias fiscais. São preservados os benefícios protegidos pela
Constituição, como Simples e Zona Franca.
Além dos setores potencialmente atingidos,
mobilizam-se contra a proposta as empresas que declaram Imposto de Renda pelo
regime de lucro presumido, que terão aumento de carga.
Questionado em entrevista ao Valor sobre essa pauta, o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o corte de
gastos tributários é prioridade. Mas não mencionou o projeto de Guimarães.
Apontou para outras duas proposições que tramitam no Congresso, uma de autoria
do senador Esperidião Amin (PP-SC) e outra do deputado Mauro Benevides Filho
(PDT-CE). O de Amin estabelece a avaliação dos benefícios, mas não faz cortes.
O de Benevides determina uma redução de 10%, mas deixa a critério do Executivo
a forma como essa economia será alcançada.
“A priori, o que está colocado é mexer apenas
em projeto de lei. A partir disso, quais setores serão afetados? Onde está a
maior fatia do gasto tributário? Temos que fazer esse diagnóstico e, então, o
Congresso se debruçar sobre o corte”, disse Motta.
É uma discussão que dificilmente seria
concluída neste ano, algo necessário para gerar efeitos na arrecadação em 2026,
se o benefício envolver o Imposto de Renda.
Assim, a tendência é a abertura de um pequeno
buraco na arrecadação prevista para 2026, incluída no Projeto de Lei
Orçamentária Anual (PLOA). As discussões no Congresso convergem para a peça
orçamentária, disse Pinto.
“Acho que vai ter uma discussão com a
sociedade do que tem de cortar para cumprir o arcabouço fiscal que foi proposto
e que foi aprovado pelo Parlamento”, disse o secretário.
O mesmo foi dito pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, após uma reunião com líderes do Senado na tarde de ontem. Ele
falou em fazer pequenos ajustes no Orçamento em função dessa perda de receitas.
Não é preciso ir muito longe para encontrar
outros exemplos de propostas de ajuste fiscal elaboradas pelo Executivo que
foram barradas pelo Congresso Nacional. O pacote de medidas formulado no fim do
ano passado para dar sobrevida ao arcabouço fiscal continha um dispositivo que
obrigava o governo a mirar no centro da meta fiscal para, a cada bimestre,
definir eventuais congelamentos de despesas. Hoje, os técnicos buscam o limite
inferior da margem de tolerância porque entendem que a lei assim determina. A
diferença entre os dois pontos de mira é de R$ 31 bilhões neste ano. A proposta
que embutia maior rigor foi rejeitada pelo Congresso Nacional.
No mês passado, o Tribunal de Contas da União
(TCU) entendeu que o governo deve, sim, mirar o centro da meta, e não o limite
inferior da margem de tolerância. Como essa decisão será tratada é algo que se
discute no âmbito do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026.
Esses episódios mostram que interesses
estabelecidos no Congresso Nacional são empecilhos poderosos ao ajuste fiscal,
ainda mais para um governo com base parlamentar instável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário