quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Limites políticos para o ajuste fiscal. Por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Interesses estabelecidos no Congresso Nacional são empecilhos poderosos

Mais uma vez, o Congresso Nacional mostra que há limites políticos para o ajuste fiscal. Embora o corte de gastos tributários seja tema da moda, o relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) para a Medida Provisória (MP) 1.303/2025 preservou uma renúncia fiscal de R$ 40 bilhões existente nos títulos privados isentos do Imposto de Renda, como as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e as Letras de Crédito Imobiliárias (LCIs).

A MP propunha uma taxação de 5%, inferior aos 17,5% que serão cobrados nas demais aplicações financeiras. Zarattini manteve a isenção. Além disso, o relator recuou na proposta de aumento da taxação das bets.

Com isso, a proposta foi “desidratada” e deverá produzir em 2026 cerca de R$ 17 bilhões. A previsão original era de R$ 20,9 bilhões. A perda é relativamente pequena porque a taxação só alcançaria os títulos novos, e não o estoque. Mas o recuo no fim da isenção mantém um tratamento privilegiado que tem gerado distorções no mercado. O mercado desses papéis cresceu a ponto de competir com o Tesouro Nacional na emissão de títulos da dívida pública.

No total, a isenção dos títulos é do tamanho do programa seguro-desemprego, comparou o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto. Enquanto o mercado cobra do governo a redução de gastos, um benefício tributário caro e regressivo como esse é preservado, acrescentou.

O agro e as bets são exemplos de setores bem articulados no Congresso Nacional, capazes de barrar propostas que os façam pagar mais impostos. Isso coloca uma dúvida sobre o passo seguinte a ser empreendido pelo governo.

Para repor a perda da ordem de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões na MP, a aposta da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é cortar gastos tributários, ou seja, outras isenções de impostos e contribuições.

O Projeto de Lei Complementar (PLP) 182/2025, apresentado pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), contém a proposta elaborada pelo Ministério da Fazenda de cortar, de forma linear, 10% das renúncias fiscais. São preservados os benefícios protegidos pela Constituição, como Simples e Zona Franca.

Além dos setores potencialmente atingidos, mobilizam-se contra a proposta as empresas que declaram Imposto de Renda pelo regime de lucro presumido, que terão aumento de carga.

Questionado em entrevista ao Valor sobre essa pauta, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o corte de gastos tributários é prioridade. Mas não mencionou o projeto de Guimarães. Apontou para outras duas proposições que tramitam no Congresso, uma de autoria do senador Esperidião Amin (PP-SC) e outra do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE). O de Amin estabelece a avaliação dos benefícios, mas não faz cortes. O de Benevides determina uma redução de 10%, mas deixa a critério do Executivo a forma como essa economia será alcançada.

“A priori, o que está colocado é mexer apenas em projeto de lei. A partir disso, quais setores serão afetados? Onde está a maior fatia do gasto tributário? Temos que fazer esse diagnóstico e, então, o Congresso se debruçar sobre o corte”, disse Motta.

É uma discussão que dificilmente seria concluída neste ano, algo necessário para gerar efeitos na arrecadação em 2026, se o benefício envolver o Imposto de Renda.

Assim, a tendência é a abertura de um pequeno buraco na arrecadação prevista para 2026, incluída no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). As discussões no Congresso convergem para a peça orçamentária, disse Pinto.

“Acho que vai ter uma discussão com a sociedade do que tem de cortar para cumprir o arcabouço fiscal que foi proposto e que foi aprovado pelo Parlamento”, disse o secretário.

O mesmo foi dito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, após uma reunião com líderes do Senado na tarde de ontem. Ele falou em fazer pequenos ajustes no Orçamento em função dessa perda de receitas.

Não é preciso ir muito longe para encontrar outros exemplos de propostas de ajuste fiscal elaboradas pelo Executivo que foram barradas pelo Congresso Nacional. O pacote de medidas formulado no fim do ano passado para dar sobrevida ao arcabouço fiscal continha um dispositivo que obrigava o governo a mirar no centro da meta fiscal para, a cada bimestre, definir eventuais congelamentos de despesas. Hoje, os técnicos buscam o limite inferior da margem de tolerância porque entendem que a lei assim determina. A diferença entre os dois pontos de mira é de R$ 31 bilhões neste ano. A proposta que embutia maior rigor foi rejeitada pelo Congresso Nacional.

No mês passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que o governo deve, sim, mirar o centro da meta, e não o limite inferior da margem de tolerância. Como essa decisão será tratada é algo que se discute no âmbito do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026.

Esses episódios mostram que interesses estabelecidos no Congresso Nacional são empecilhos poderosos ao ajuste fiscal, ainda mais para um governo com base parlamentar instável.

 

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