quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Economia formal é onde mais cresce o crime organizado

Por O Globo

Adulteração de combustíveis e bebidas está entre negócios mais rentáveis de facções como PCC

Ao menos 251 postos de combustível em quatro estados foram vinculados aos investigados na Operação Carbono Oculto, a maior já deflagrada mirando o braço financeiro do Primeiro Comando da Capital (PCC), revelou levantamento do portal g1. A infiltração preocupante do crime organizado em atividades formais também está presente no mercado ilegal de bebidas adulteradas e de cigarros. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as organizações criminosas lucram mais com a venda ilegal de combustíveis, bebidas, cigarro e ouro (cerca de R$ 146 bilhões por ano) que com o tráfico de drogas (RS 15 bilhões).

Em agosto, a Carbono Oculto revelou o uso de postos de combustíveis, fintechs e fundos sediados no coração financeiro paulistano, a Avenida Faria Lima, para lavar dinheiro das atividades criminosas do PCC. Segundo as investigações, o esquema permeava toda a cadeia de combustíveis, das usinas de cana-de-açúcar às bombas. Em grande parte, os valores que os postos recebiam em dinheiro ou cartão eram canalizados para o PCC, somando R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. A maioria dos postos identificados no levantamento do g1 fica no Estado de São Paulo, especialmente na Região Metropolitana da capital e na Baixada Santista. Quase metade não tem vínculo com distribuidoras, mas também há na lista marcas conhecidas, amplamente usadas pelos brasileiros.

A produção clandestina de bebidas e a venda de produtos falsificados ou adulterados ganharam destaque nas últimas semanas com a sucessão de mortes e internações sob suspeita de intoxicação por metanol em produtos como gim, vodca e uísque — vários deles usando também marcas conhecidas. Embora a polícia não tenha encontrado evidências de relação com organizações criminosas, a hipótese não foi descartada.

A atuação dos grupos criminosos que aterrorizam a população e catapultam os índices de violência não é danosa apenas do ponto de vista da segurança pública. Produtos adulterados resultam também em crimes contra o consumidor e até em problemas graves de saúde. Nunca se sabe o que está dentro de uma garrafa de bebida produzida em fundo de quintal, à margem das normas sanitárias, ou qual o resultado de abastecer o carro nos postos controlados pelo crime.

O combate às quadrilhas precisa ser abrangente e sistemático. A extensão da infiltração do crime na economia formal exige uma estratégia consistente, que não se resuma a intervenções pontuais ou a megaoperações. Primeiro, é fundamental coibir empresas que ajudam a lavar o dinheiro das atividades ilegais e dão sustentação financeira às quadrilhas, como fez a Carbono Oculto. Embora tais investigações não acabem com o crime organizado, servem para asfixiá-lo e enfraquecê-lo. Segundo, é preciso garantir ao Estado os poderes de investigação e punição necessários no combate às máfias, previstos na PEC da Segurança felizmente em discussão no Congresso. Também é essencial elaborar e aprovar a Lei Antimáfia, fundamental no combate a grupos sofisticados como o PCC. Por fim, é crítico o envolvimento de Executivo, Legislativo e Judiciário para debelar a contaminação das instituições pelo crime e evitar a transformação do Brasil num narcoestado.

Despreparo de prefeituras para mudanças climáticas é preocupante

Por O Globo

Apenas 13% dos municípios em oito estados têm planos de adaptação, revela estudo

Quase um ano e meio depois das enchentes que arrasaram municípios do Rio Grande do Sul, matando mais de 180 moradores, é frustrante constatar que prefeituras de diferentes estados não aprenderam a lição. Apenas 13% das cidades têm e divulgam planos de adaptação às mudanças climáticas, revela estudo da Transparência Internacional-Brasil. O levantamento foi realizado em 233 das maiores cidades brasileiras em oito estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Piauí, Bahia, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina.

Os planos são importantes não só para identificar os pontos de maior vulnerabilidade a inundações, deslizamentos de terra, seca ou incêndios, mas também para definir ações capazes de reduzir os impactos na população. Para a Transparência Internacional-Brasil, o cenário encontrado denota “fragilidade institucional para enfrentar riscos climáticos, maior vulnerabilidade da população e dificuldade para acessar recursos destinados à adaptação”.

O estudo mostra que apenas 8,5% dos municípios analisados têm os quatro planos fundamentais — diretor, de habitação, saneamento básico e resíduos sólidos — para garantir que a cidade esteja preparada a responder adequadamente às mudanças climáticas. O orçamento é outro problema. Somente 5% preveem recursos para a crise do clima. Chama a atenção também o pouco-caso com a Defesa Civil. Menos da metade (42%) dispõe de previsão orçamentária para ações de proteção, e somente 38% elaboraram plano de contingência, instrumento de preparação para eventos extremos. É preocupante também que apenas um em três divulgue informações sobre alertas.

Mapeamento de áreas de risco e bom planejamento são fundamentais para enfrentar a crise climática. É comum gestores negligenciarem os riscos, culpando a chuva pelos desastres. Há casos realmente excepcionais, como o do Rio Grande do Sul no ano passado, mas, quanto mais bem preparadas estiverem as cidades, mais vidas serão poupadas.

É boa notícia a entrada em operação do novo supercomputador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que permitirá aperfeiçoar a previsão do tempo. A máquina indicará com precisão maior quando e onde choverá, bairro por bairro. A expectativa é que seja de grande utilidade não só para a agricultura, mas também na prevenção de desastres. Não basta, porém, existir a informação sobre o evento extremo se as cidades não puderem reagir com rapidez quando ele ocorrer.

As últimas tragédias climáticas no Brasil têm mostrado que é preciso agir preventivamente, pois, quando as águas sobem e as barreiras deslizam, tudo se torna mais difícil. A própria ação da Defesa Civil pode ficar inviável. Não são raras cenas dramáticas de moradores implorando por socorro nos telhados. Daí a necessidade de planos e estratégias bem definidos. Eventos extremos não darão trégua, ao contrário. Não há outra alternativa a não ser preparar-se para enfrentá-los.

2 anos depois, futuro da guerra em Gaza passa por Trump

Por Folha de S. Paulo

Israel está mais poderoso e mais isolado; morticínio precisa parar, mas Hamas não pode ser recompensado

Grupo terrorista reagiu com "não" disfarçado de "sim" ao plano do americano, aceitando libertar os reféns, mas não o cronograma

Completados dois anos de horror nesta terça (7), a guerra na Faixa de Gaza tem nas negociações forçadas por Donald Trump a melhor chance de chegar ao fim. Sem a pressão do instável mandatário americano, o morticínio irá continuar.

Deve-se manter a cautela ante as negociações que ora se desenrolam no Egito. O mesmo Trump já sugeriu a limpeza étnica dos cerca de 2 milhões de palestinos do território e a transformação das ruínas fumegantes em um atrativo resort mediterrâneo.

O republicano também já foi iludido em outras ocasiões por Binyamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense que é tachado de genocida em boa parte do planeta. Desta vez, até o Hamas tirou vantagem do voluntarismo da Casa Branca, que anunciou um plano de 20 condições para encerrar o conflito.

O grupo terrorista reagiu com um "não" disfarçado de "sim", aceitando libertar os reféns remanescentes do ataque de 7 de outubro de 2023, mas não o cronograma proposto. Declarou interesse no plano, que pede seu desarmamento e retirada do poder, mas exige debatê-lo.

Tudo pode dar errado, portanto, prolongando a agonia de um conflito que há muito deixou de ser a justa guerra de punição do Estado judeu após o maior atentado contra sua existência.

O Hamas não pode ser recompensado. Se tudo naquela região é multifatorial, é fato que foram os terroristas palestinos armados pelo Irã com a ajuda do Qatar que mataram 1.170 pessoas e sequestraram outras 251 numa manhã de sábado.

O que veio depois foi trágico. De acordo com as contas do Hamas, que a ONU aceita como confiáveis, 67.160 pessoas já morreram no território, número contestado por Israel. Um quarto dos moradores de Gaza passa fome, 80% deles estão deslocados, e mais de 90% dos edifícios, destruídos ou danificados.

A terra arrasada aplicada por Netanyahu pune indiscriminadamente. Pior, se conseguiu reduzir o Hamas de exército a uma guerrilha, o premiê falhou na sua promessa de libertar reféns e destruir o grupo por completo.

Israel teve mais sucesso na ampliação da guerra, que mudou a geopolítica da região e sempre mirou Teerã: impôs derrotas também ao temido Hezbollah libanês e à teocracia iraniana, atacada com ajuda dos Estados Unidos. De quebra, viu rebeldes do Iêmen serem colocados sob pressão e a ditadura síria implodir.

Buscando um ritmo de conflito eterno que preserve o apoio dos extremistas no Parlamento, evitando um acerto de contas com a Justiça em casos de corrupção, para não falar em crimes de guerra, Netanyahu acabou por tornar seu país mais poderoso e também mais isolado do que nunca.

Seu futuro, para o desalento da ativa fatia da sociedade civil israelense farta de sangue, entrelaçou-se ao do Estado judeu no curto prazo. E tanto a guerra quanto a paz dependem do mesmo fiador: o nada confiável Donald Trump.

Homicídios demais sem solução

Por Folha de S. Paulo

Taxa brasileira de esclarecimento de assassinatos é baixa e não mostra tendência de melhora

Só 36% dos homicídios de 2023 foi solucionado até o fim de 2024; é preciso investir mais em inteligência policial e em bancos de dados

A taxa de homicídios solucionados no Brasil permanece baixa e sem tendência de melhora na última década, evidenciado deficiências de políticas de segurança pública.

De 24,1 mil casos de assassinato registrados em 16 estados mais o Distrito Federal em 2023, só em 36% deles ao menos um suspeito foi identificado e denunciado à Justiça até o final de 2024, segundo a pesquisa Onde Mora a Impunidade do Instituto Sou da Paz, divulgada na segunda (6) pelo Café da Manhã, podcast da Folha.

O indicador caiu 3 pontos percentuais em relação a 2022; desde o início da série histórica em 2015, a taxa variou entre 32% e 44%.

A estatística mais recente não leva em conta os números de 10 estados que não informaram as datas dos crimes no material enviado aos pesquisadores. Mesmo nos 17 que o fizeram, faltam dados sobre o perfil das vítimas, como raça e faixa etária.

A solução de homicídios é indicador fundamental em políticas públicas do setor —dado que a impunidade incentiva a violência— e ferramenta importante de escrutínio pela sociedade.

Ministério Públicos e Tribunais de Justiça, órgãos aos quais as informações foram solicitadas, precisam alocar os vultosos recursos públicos que recebem de forma mais racional para incrementar seus bancos de dados. Secretarias de Segurança e Ministério da Justiça deveriam atuar de forma integrada para padronizar informações e calcular o indicador.

De acordo com relatório de 2019 do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime, a taxa brasileira de 36% aferida pelo instituto está muito abaixo da média global (63%) e é menor que a das Américas (43%), a pior entre os cinco continentes.

Há discrepâncias regionais no país. Distrito Federal (96%) e Rondônia (92%) têm taxas similares à da Europa (92%), e Bahia (13%) e Rio de Janeiro (23%) estão no fim do ranking. São Paulo (31%), que tem um dos maiores PIB per capita do país, é o 13º.

Com homicídios caindo a cada ano, o poder público não consegue esclarecê-los a contento, embora continue prendendo muito.

Segundo o levantamento, de 1990 a 2024, a população carcerária subiu 900%, mas só 13% dela estava presa por homicídio no ano passado, ante 40% por crimes contra patrimônio e 31% por crimes relacionados a drogas.

Já que assassinatos exigem mais inteligência policial, e os outros crimes estão mais ligados a flagrantes, indica-se que o policiamento ostensivo tem sido o foco do poder público, o que deveria ser corrigido pelas secretarias estaduais de Segurança.

Tarifaço tem efeito retardado, e comércio global cresce

Por Valor Econômico

O comércio global avançará 2,4% este ano, com a ausência de retaliação dos demais países, investimentos vultuosos em IA e o crescimento das trocas entre os países emergentes

O tarifaço do presidente Donald Trump terá efeito retardado e poderá mostrar seu poder destrutivo no ano que vem. O relatório da Organização Mundial de Comércio divulgado ontem revisou drasticamente suas previsões e estima agora que o comércio global avançará 2,4% este ano, ante 0,9% da previsão de abril, com movimento inverso no ano que vem, com expansão de 0,5% ante 1,8% na estimativa anterior. Vários fatores explicam o efeito diluído do choque tarifário americano. A ausência de retaliação dos demais países é um deles, a gigantesca movimentação de bens provocada pelos investimentos vultuosos em Inteligência Artificial é outro, ao lado do rápido crescimento das trocas entre os países emergentes.

Se os EUA representam cerca de 22% de importações e exportações mundiais, o resto do mundo seguiu crescendo em ritmo mais que suficiente para amortecer o impacto das tarifas unilaterais americanas. Para o efeito das estatísticas do ano, o primeiro semestre mostrou que as encomendas preventivas feitas pelos importadores americanos, e o rápido aumento das exportações para supri-las, especialmente da Ásia (e nela, da China) fizeram com que o volume de mercadorias global subisse 4,9% no primeiro semestre, bem acima dos 2,8% do mesmo período de 2024. Em dólares, houve aumento de 6%, o triplo do ritmo do ano anterior (2%).

A formação de estoques americanos, mais o fato de as tarifas “recíprocas” só terem começado de fato a vigorar a partir da metade de julho, foram também determinantes para retardar os efeitos das barreiras protecionistas dos EUA. Segundo a OMC, enquanto estoques formados para atender a choques de demanda tendem a escoar rapidamente, os acumulados para atender choques de oferta, como é o caso agora, são desovados mais lentamente, o que significa que os efeitos da taxação de importações ainda não foram plenamente sentidos.

O tarifaço irrompeu em um cenário favorável ao comércio internacional. Segundo a OMC, a inflação em queda, salários em alta e déficits fiscais elevados nos países desenvolvidos impulsionaram as trocas mundiais. A boa performance dos emergentes, incluindo Brasil, fez com que o comércio Sul-Sul aumentasse 8% em valor, e 9% se a China for excluída. Ásia e África serão os destaques nas exportações globais, com avanço previsto de 5,3% no ano, seguido pela América do Sul (2,4%). A África vai liderar em importações (11,8%) e, depois, a América do Sul (8,8%).

Naturalmente, a América do Norte (leia-se EUA) lidera o declínio das importações, com -4,9% e -5,8% neste e no próximo ano, uma consequência esperada, menos, talvez, para Donald Trump, que espera conter o déficit fiscal adicional provocado pela diminuição dos impostos sobre empresas e pessoas de alta renda com as receitas provenientes de tarifas, que decrescerão. Os EUA perderão competitividade com o protecionismo: a previsão para as exportações também é de queda: 3,1% e 1% em 2025 e 2026.

Trump pretende resolver o problema do déficit americano de mercadorias (é superavitário em serviços) com tarifas, quando o país consome mais do que poupa, uma das causas do crônico resultado negativo. Um exercício feito pela OMC aponta que para estancar o déficit comercial atual seria preciso que a taxação subisse 45 pontos percentuais (a tarifa média após tarifaço gira em torno de 17,5%). Um ajuste global entre países superavitários e deficitários de 2,5% de crescimento da poupança nos EUA — e decréscimo em outros países da Ásia e Europa — teria o mesmo efeito que a muralha tarifária, ainda que outros fatores interajam para provocar os resultados negativos americanos.

A mais interessante explicação para a resistência do comércio global, porém, foi a explosão das trocas relacionadas à Inteligência Artificial (semicondutores, servidores, equipamentos de telecomunicações etc). Cem linhas tarifárias desses produtos movimentaram US$ 1,92 trilhão na primeira metade do ano (US$ 1,61 trilhão em 2024). Nesse período, “46% do avanço do comércio global em valor foi puxado por produtos relacionados à IA, que constituem só 15% das trocas totais”, relata a OMC. A expansão ocorre em todas as regiões e não é impulsionada apenas pela guerra comercial de Trump contra o mundo, mas “representa uma ampla onda de investimentos em infraestrutura digital”.

Essa onda atingiu também a América do Sul, segundo o estudo, com aumento de importações em equipamentos de computação e de nuvem “particularmente no Brasil e no Chile, onde os provedores de serviços de nuvem estão ampliando seus hubs regionais”.

O alvo principal de Trump, a China, teve bom desempenho. O volume de exportações do país cresceu 12% na primeira metade do ano, um resultado muito acima de seu PIB. Boa parte da expansão ocorreu por aumentos de vendas à Ásia. A região, com peso determinante da China, viu as transações relacionadas à IA crescerem 19% no primeiro trimestre e 25,2% no segundo. Com performance ainda forte, Pequim consegue progredir sem enormes prejuízos (até agora) mesmo após ter sido o único governo a retaliar as exportações dos EUA.

O custo da farra da energia limpa

Por O Estado de S. Paulo

Excesso de energia no sistema é consequência da força dos lobbies no Congresso e da falta de liderança do governo, que precisa retomar o controle do setor elétrico e acabar com os subsídios

Reportagem publicada pelo Estadão nesta semana descreve uma situação sui generis no setor elétrico. No dia 10 de agosto, Dia dos Pais, o País por pouco não passou por um apagão. Mas diferentemente daqueles causados por picos de demanda de eletricidade, falhas em linhas de transmissão ou queda de postes, foi o excesso de energia injetado que por pouco não deixou o País às escuras.

Entre as 13h e 13h30 daquele fatídico domingo, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) teve de mandar desligar quase todas as usinas eólicas e solares centralizadas e reduzir a produção de hidrelétricas e termoelétricas. Por alguns momentos, quem abasteceu o País foi a micro e minigeração distribuída, segmento mais conhecido pelos painéis fotovoltaicos instalados em telhados e em fazendas solares.

O que em tese seria uma boa notícia é, na verdade, um problema de alcance bilionário e que, a exemplo da maioria das crises que acometem o setor elétrico, pode sobrar para o consumidor. Embora estejam à disposição do sistema, os geradores são obrigados a reduzir a produção de energia de forma a manter a rede estável para aqueles que não estão sujeitos às ordens do ONS – no caso, os detentores de painéis solares.

De acordo com o Instituto Acende Brasil, o prejuízo gerado por esses cortes até agosto é de R$ 3,85 bilhões, valor que, segundo a entidade, compromete o equilíbrio econômico-financeiro dos empreendimentos afetados e que pode provocar uma crise no setor elétrico.

Como o consumidor pode perceber em sua conta de luz, o excesso de oferta não tem se convertido em preços mais baixos. Isso se deve ao fato de que essa fartura não é estrutural, mas pontual.

Só há sobra de energia enquanto o Sol brilha forte. Assim que anoitece ou em dias nublados ou chuvosos, o ONS ordena que as mesmas usinas que determinou que parassem mais cedo entrem em operação imediatamente para abastecer o País.

O problema tem sido cada vez mais frequente e, a bem da verdade, não está restrito ao Brasil. Mas as soluções técnicas que alguns países têm adotado para resolver a pendenga não são simples de adotar por aqui – sobretudo por razões políticas.

Isso porque o Congresso, da mesma forma que assumiu o controle de parte do Orçamento, passou a ter a última palavra sobre o planejamento e expansão do setor elétrico nos últimos anos. É ao Congresso que os lobbies recorrem quando não encontram respaldo a seus pedidos no governo.

Fragmentado em dezenas de associações, o setor elétrico trava uma guerra fratricida para terceirizar custos e prorrogar subsídios. Todo projeto de lei ou medida provisória que tramita no Congresso sai de lá com um novo jabuti para garantir um privilégio.

Boa parte da expansão dos investimentos em energia renovável – sejam usinas eólicas e solares centralizadas, sejam painéis fotovoltaicos – se deu por meio de subsídios criados quando essas fontes não eram competitivas e precisavam deles para se viabilizar.

Esses subsídios já não são mais necessários há tempos, mas continuam a ser pagos por milhões de consumidores que nem sabem que patrocinam esses empreendimentos. Se eles fossem extintos, a conta de luz ficaria mais barata, mas, como são mantidos, têm ampliado o lucro dos empreendedores.

Nas poucas vezes em que o Executivo tentou retirar ou reduzir esses incentivos, o Legislativo se insurgiu contra cada uma das iniciativas. Mas quando esses custos chegam às tarifas na forma de tarifaços, os parlamentares culpam a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Foi assim que o País chegou a esse paradoxo. Há muita energia limpa e intermitente disponível nos horários com baixo consumo, mas pouca energia firme – e, muitas vezes, poluente – para atender o consumidor quando ele mais precisa.

O consumidor não pode pagar por essa farra. A solução não é gastar mais na construção de linhas de transmissão para escoar essa sobra, mas passa por distribuir esses custos a todos os geradores que causaram esse excesso de oferta, inclusive os donos de painéis solares, e por dar fim a subsídios que já deveriam ter acabado há anos.

A guerra civil de Trump

Por O Estado de S. Paulo

O presidente americano quer fazer das Forças Armadas sua guarda pessoal, parte do projeto que instrumentaliza o Estado, subverte instituições e coloca o desejo de vingança acima da Constituição

Em uma reunião com centenas de oficiais das Forças Armadas, o presidente americano Donald Trump voltou a falar como se os EUA estivessem às portas de uma guerra civil. Evocou uma “invasão de dentro”, sugeriu que a repressão ao crime em “cidades perigosas” dos EUA servisse como treinamento para as tropas e descreveu concidadãos como “inimigos internos” a serem “contidos antes que saiam do controle”. Longe de mera excentricidade verbal, essa pantomima, que caberia bem num discurso do ditador venezuelano Nicolás Maduro para suas tropas, foi mais um degrau na escalada de um projeto que instrumentaliza o Estado, subverte a cultura institucional e coloca a vingança pessoal acima da Constituição.

Trump já mobilizou a Guarda Nacional a pretexto de suprimir “insurreições” em cidades governadas por democratas. Agora, cercado de subordinados escolhidos por sua lealdade e amparado por um Congresso dócil, radicaliza a cruzada. A lógica é transparente: com o controle do Executivo sem freios, maneja as alavancas do poder não para governar sob a lei, mas para esmagar adversários. O mesmo padrão se manifesta nos processos bilionários que Trump moveu contra jornais, nas ameaças de cassação de licenças de TV, na perseguição a universidades, na caça a servidores “infiéis” e no uso da máquina judiciária como garrote para punir desafetos.

Esse ethos vingativo ficou cristalizado numa declaração franca de Trump durante uma homenagem a Charlie Kirk, ativista trumpista que foi assassinado: “Ele (Kirk) não odiava seus oponentes. Eu odeio meus oponentes. E não quero o melhor para eles. Eu não suporto o meu oponente”. A fórmula expõe em carne viva a libido dominandi de que falavam os clássicos: a pulsão de converter o Estado em arma de revanche. Não é preciso dissolver o Congresso ou abolir eleições para corroer uma democracia. Basta distorcer o funcionamento ordinário das instituições até que se tornem caricaturas de si mesmas.

No caso militar, o risco é mais grave. A neutralidade das Forças Armadas sempre foi um pilar da democracia americana. A Constituição dos Pais Fundadores foi concebida precisamente para evitar que soldados se transformassem em gendarmes de conveniência política. Ao politizar os quartéis, Trump ameaça a coesão das tropas, introduzindo divisões partidárias numa instituição que só sobrevive pela confiança recíproca. Mais grave: arrisca converter o Exército em guarda pretoriana, desvirtuando sua missão essencial: dissuadir rivais e vencer guerras. O mundo conhece o resultado de tal desvirtuamento: da Rússia à Venezuela, regimes que dobraram generais ao capricho de um chefe colheram queda de profissionalismo, corrupção endêmica e vulnerabilidade diante de inimigos reais.

Ao transformar soldados em figurantes de sua retórica, Trump mina também a confiança da sociedade no Exército como instituição de todos. Se parte do público passar a vê-lo como tropa partidária, evapora-se o vínculo de legitimidade que sustenta o serviço voluntário e a autoridade junto à sociedade civil. O resultado será o enfraquecimento simultâneo da democracia e da capacidade de defesa do país.

Os verdadeiros adversários certamente assistem a tudo isso com regozijo. Cada passo na politização interna fornece aos ditadores da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, a prova de que a democracia liberal americana não é mais exceção, mas só mais um regime que manipula instituições ao sabor do governante da vez. Ao tentar subverter a força armada mais respeitada do mundo em instrumento de retaliação doméstica, Trump não engrandece a América: apequena-a, alijando aliados, corroendo confiança e oferecendo munição à propaganda autocrática.

Cabe ao Congresso, às lideranças militares e à sociedade civil reafirmar a fronteira que separa Exército e política. Cabe aos juízes e legisladores recordar que ordens ilegais não merecem obediência. E cabe aos cidadãos exigir que as Forças Armadas permaneçam o que sempre foram: instituição da República, não milícia de um presidente.

A tentação autoritária costuma se apresentar disfarçada de normalidade. Trump não é exceção. A diferença é que, desta vez, a normalização do abuso ameaça deixar cicatrizes permanentes em uma das poucas instituições que ainda gozam de respeito transversal na sociedade americana. Permitir que seja arrastada ao lamaçal da vingança política não seria apenas capitulação. Seria traição.

Milton e a demência

Por O Estado de S. Paulo

Ao expor sua doença, o cantor lança luz sobre o drama de muitos idosos sem assistência

O diagnóstico recente de Milton Nascimento, de demência por corpos de Lewy, que motivou uma onda de consternação mundo afora, recoloca em pauta o desafio de moldar políticas de saúde pública ao atendimento de uma população que envelhece acelerada e continuamente.

O fenômeno, que é mundial, atinge o País de forma particularmente forte. De acordo com o Relatório Nacional sobre a Demência, divulgado no ano passado pelo Ministério da Saúde, cerca de 1,8 milhão de brasileiros vivem com algum tipo de demência. O mesmo estudo projeta o triplo para 2050, com 5,7 milhões de pessoas acima de 60 anos com esse diagnóstico.

Aos 82 anos, Milton, um dos mais respeitados artistas da música brasileira, é assistido 24 horas por enfermeiros em sua casa, no Rio, como detalhou o filho, Augusto, ao tornar pública a enfermidade e os cuidados dedicados ao pai. Mas essa, infelizmente, não é a realidade da ampla maioria de cidadãos acometidos por moléstias cognitivas que lhes roubam gradativamente a autonomia.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 33 milhões de idosos, população que praticamente duplicou em pouco mais de duas décadas. Estimativas da Fiocruz apontam que 75% deles dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS).

Levando em consideração expectativas de crescimento futuro da população idosa, que em 2070, com mais de 75 milhões, deve representar cerca de 38% do total de brasileiros, é possível antever as dificuldades à espreita de um sistema público de saúde já sobrecarregado. A adequação imediata é a única maneira de evitar o colapso logo adiante.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) havia fixado para este ano o prazo para que os 194 Estados-membros elaborassem um plano de ação global para resposta da saúde pública à demência. A pedido dos países, o prazo foi prorrogado para 2031.

O Brasil possui um sistema de saúde que, por sua abrangência, universalidade e gratuidade, é considerado referência mundial. É preciso preparar o SUS a essa nova realidade, que não é simples. Inclui qualificação de profissionais para atendimento multidisciplinar, reabilitação e cuidados paliativos a uma população extremamente vulnerável.

O próprio Ministério da Saúde calcula que cerca de 45% dos casos de demência poderiam ser prevenidos ou, ao menos, retardados já que, pelo que se conhece até agora, alguns fatores de risco podem ser modificados. Entre eles estão alguns facilmente identificáveis, como isolamento social, inatividade física, comorbidades que contribuem para a acelerar o processo degenerativo, como diabetes, hipertensão, perda auditiva e obesidade, e até elementos socioeconômicos, como a baixa escolaridade.

Milton Nascimento, gênio da música brasileira, presta um grande serviço ao País ao lançar luz sobre seu drama pessoal – e o de milhares de idosos brasileiros anônimos, muitos dos quais desprovidos de qualquer ajuda ou cuidado.

Maior arrecadação precisa ter impacto em áreas estruturais

Por Correio Braziliense

Mas a sociedade tem o papel de cobrar qualquer gestão por um país melhor. Aumento de arrecadação precisa, sempre, resultar em mais investimentos

Desde que o atual governo assumiu, a equipe do presidente Lula tem defendido a justiça social em prol da diminuição da desigualdade. Projetos como a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, e o Gás do Povo, que leva o botijão para 15,5 milhões de famílias, vão nessa linha. São programas necessários, de fato. Mas não podem estar sozinhos nessa empreitada por equidade. 

No caso do IR, a proposta encaminhada ao Senado prevê justiça tributária a partir de uma maior taxação da fatia mais rica da população. Na mesma toada, o governo tem atuado para aumentar a arrecadação a partir de tarifas que respondem aos mais ricos e às empresas privadas, como a tributação de offshores e fundos de investimento anunciada em 2023, e a regulação das casas de apostas esportivas, que tiveram que pagar uma outorga de R$ 30 milhões, cada uma, para operar no Brasil. 

Nesse contexto, as recentes propostas de justiça tributária e regulação de fontes de arrecadação, até então pouco ou mal exploradas, ganham importância: podem ser peças para compor um arcabouço que combine crescimento, redistribuição e reforço do papel do Estado.

 Assim, esse aumento de receitas precisa ser acompanhado por um projeto desenvolvimentista robusto, sobretudo em áreas historicamente frágeis do poder público, como saneamento básico e fornecimento de água. Estima-se que, hoje, por exemplo, 32 milhões de pessoas vivem no país sem acesso à água potável e que três em cada 10 municípios brasileiros não têm rede de esgoto.

Se há aumento de receitas, é hora de direcionar essa arrecadação para quem mais precisa, não só a partir da promoção de programas assistencialistas,  mas também por meio de obras estruturais, capazes de solucionar problemas crônicos do país. Vale lembrar que a Lei 14.026 de 15 de julho de 2020, conhecida como Marco Civil do Saneamento, coloca 2033 como meta para o Brasil atender 99% do território nacional com abastecimento de água e outros 90% com tratamento de esgoto.

Além disso, o governo tem a missão de cumprir promessas audaciosas feitas no início do terceiro mandato de Lula que obedecem à tendência desenvolvimentista. Na área da educação, precisam ser entregues 100 novos institutos federais; assim como as intervenções no âmbito do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), política pública marcada por problemas em gestões anteriores dos petistas.  É claro que a engenharia, por vezes, apresenta imbróglios não esperados. No entanto, a população brasileira está ansiosa por justiça social e quer ver essa diminuição da desigualdade se manifestar em melhoria da sua vida prática.

O governo acerta ao promover a justiça tributária, ao bater recorde na geração dos empregos e ao retomar a autonomia da Petrobras como maior empresa brasileira. Mas a sociedade tem o papel de cobrar qualquer gestão por um país melhor. Aumento de arrecadação precisa, sempre, resultar em mais investimentos.

Homicídios recebem pouca atenção do poder público

Por O Povo (CE)

Se o reconhecimento do problema da insegurança pública é um passo necessário para resolvê-lo, as providências seguintes já estão mais do que atrasadas

Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que os crimes contra a vida recebem menos atenção do poder público, em comparação àqueles praticados contra o patrimônio. A maioria das prisões acontece por infrações patrimoniais (40%) e relacionados a drogas (31%) — que estão vinculadas a flagrantes —, percentual bem acima dos encarcerados por homicídio, que somam 13%.

Dados consolidados do estudo Onde Mora a Impunidade revelam que apenas 36% dos homicídios ocorridos no País em 2023 foram esclarecidos até o final de 2024. Para o Sou da Paz, a situação reflete a "histórica priorização do policiamento ostensivo" e à "construção do quê e de quem é percebido como perigo a ser combatido". Ou seja, o patrimônio é mais protegido do que a vida.

A pesquisa calculou o indicador para 17 unidades da federação, com informações dos Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça. Dez estados não entraram no estudo, por enviarem dados incompletos.

Observa-se que o problema é crônico, pois, desde 2015, a porcentagem de elucidações fica em torno de 35%, com melhora somente em 2018, com 44% de esclarecimentos. O Brasil está muito abaixo da média de países da Europa, com 92% de homicídios esclarecidos e da taxa global de 63%, em média.

No período estudado, aconteceram 2.785 homicídios no Ceará, com o Ministério Público oferecendo 910 denúncias, representando 32,67% de esclarecimentos dos crimes cometidos. Nas oito edições do relatório, o Estado nunca conseguiu ultrapassar a marca de 33% de elucidações, considerado baixo pelos organizadores do levantamento. É uma situação dramática, que se mostra pior ainda em alguns outros estados, como a Bahia (13%), Piauí (23%) Rio de Janeiro (23%), Pernambuco (30%) e São Paulo (31%).

Frente a esse quadro desolador, as autoridades deveriam prestar mais atenção à proposta de criar um indicador nacional unificado de esclarecimentos de homicídios. Segundo Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, o instrumento possibilitaria "identificar boas práticas, locais com maiores dificuldades (de esclarecer crimes) e para induzir políticas públicas nas esferas federal e estadual, focadas na melhoria da investigação policial".

Tratar como prioridade as investigações, melhorar e integrar os dados policiais, como propõe a PEC da Segurança Pública, são medidas que contribuíram para o aumento do percentual de elucidações de crimes contra a vida.

A insegurança está entre os temas que mais preocupa os brasileiros, tornando-se prioridade de governos municipais, estaduais e federal. No entanto, se o reconhecimento do problema é um passo necessário para resolvê-lo, as providências seguintes já estão mais do que atrasadas.

 

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