Economia formal é onde mais cresce o crime organizado
Por O Globo
Adulteração de combustíveis e bebidas está
entre negócios mais rentáveis de facções como PCC
Ao menos 251 postos de combustível em quatro estados foram vinculados aos investigados na Operação Carbono Oculto, a maior já deflagrada mirando o braço financeiro do Primeiro Comando da Capital (PCC), revelou levantamento do portal g1. A infiltração preocupante do crime organizado em atividades formais também está presente no mercado ilegal de bebidas adulteradas e de cigarros. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as organizações criminosas lucram mais com a venda ilegal de combustíveis, bebidas, cigarro e ouro (cerca de R$ 146 bilhões por ano) que com o tráfico de drogas (RS 15 bilhões).
Em agosto, a Carbono Oculto revelou o uso de
postos de combustíveis, fintechs e fundos sediados no coração financeiro
paulistano, a Avenida Faria Lima, para lavar dinheiro das atividades criminosas
do PCC. Segundo as investigações, o esquema permeava toda a cadeia de
combustíveis, das usinas de cana-de-açúcar às bombas. Em grande parte, os
valores que os postos recebiam em dinheiro ou cartão eram canalizados para o
PCC, somando R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. A maioria dos postos
identificados no levantamento do g1 fica no Estado de São Paulo, especialmente
na Região Metropolitana da capital e na Baixada Santista. Quase metade não tem
vínculo com distribuidoras, mas também há na lista marcas conhecidas,
amplamente usadas pelos brasileiros.
A produção clandestina de bebidas e a venda
de produtos falsificados ou adulterados ganharam destaque nas últimas semanas
com a sucessão de mortes e internações sob suspeita de intoxicação por metanol
em produtos como gim, vodca e uísque — vários deles usando também marcas
conhecidas. Embora a polícia não tenha encontrado evidências de relação com
organizações criminosas, a hipótese não foi descartada.
A atuação dos grupos criminosos que
aterrorizam a população e catapultam os índices de violência não
é danosa apenas do ponto de vista da segurança pública. Produtos adulterados
resultam também em crimes contra o consumidor e até em problemas graves de
saúde. Nunca se sabe o que está dentro de uma garrafa de bebida produzida em
fundo de quintal, à margem das normas sanitárias, ou qual o resultado de
abastecer o carro nos postos controlados pelo crime.
O combate às quadrilhas precisa ser
abrangente e sistemático. A extensão da infiltração do crime na economia formal
exige uma estratégia consistente, que não se resuma a intervenções pontuais ou
a megaoperações. Primeiro, é fundamental coibir empresas que ajudam a lavar o
dinheiro das atividades ilegais e dão sustentação financeira às quadrilhas,
como fez a Carbono Oculto. Embora tais investigações não acabem com o crime
organizado, servem para asfixiá-lo e enfraquecê-lo. Segundo, é preciso garantir
ao Estado os poderes de investigação e punição necessários no combate às
máfias, previstos na PEC da Segurança felizmente em discussão no Congresso.
Também é essencial elaborar e aprovar a Lei Antimáfia, fundamental no combate a
grupos sofisticados como o PCC. Por fim, é crítico o envolvimento de Executivo,
Legislativo e Judiciário para debelar a contaminação das instituições pelo
crime e evitar a transformação do Brasil num narcoestado.
Despreparo de prefeituras para mudanças
climáticas é preocupante
Por O Globo
Apenas 13% dos municípios em oito estados têm
planos de adaptação, revela estudo
Quase um ano e meio depois das enchentes que
arrasaram municípios do Rio Grande do Sul, matando mais de 180 moradores, é
frustrante constatar que prefeituras de diferentes estados não aprenderam a
lição. Apenas 13% das cidades têm e divulgam planos de adaptação às mudanças
climáticas, revela estudo da Transparência Internacional-Brasil. O levantamento
foi realizado em 233 das maiores cidades brasileiras em oito estados: São
Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Piauí, Bahia, Espírito Santo, Paraná e Santa
Catarina.
Os planos são importantes não só para
identificar os pontos de maior vulnerabilidade a inundações, deslizamentos de
terra, seca ou incêndios, mas também para definir ações capazes de reduzir os
impactos na população. Para a Transparência Internacional-Brasil, o cenário
encontrado denota “fragilidade institucional para enfrentar riscos climáticos,
maior vulnerabilidade da população e dificuldade para acessar recursos
destinados à adaptação”.
O estudo mostra que apenas 8,5% dos
municípios analisados têm os quatro planos fundamentais — diretor, de
habitação, saneamento básico e resíduos sólidos — para garantir que a cidade
esteja preparada a responder adequadamente às mudanças climáticas. O orçamento
é outro problema. Somente 5% preveem recursos para a crise do clima. Chama a
atenção também o pouco-caso com a Defesa Civil. Menos da metade (42%) dispõe de
previsão orçamentária para ações de proteção, e somente 38% elaboraram plano de
contingência, instrumento de preparação para eventos extremos. É preocupante
também que apenas um em três divulgue informações sobre alertas.
Mapeamento de áreas de risco e bom
planejamento são fundamentais para enfrentar a crise climática. É comum
gestores negligenciarem os riscos, culpando a chuva pelos desastres. Há casos
realmente excepcionais, como o do Rio Grande do Sul no ano passado, mas, quanto
mais bem preparadas estiverem as cidades, mais vidas serão poupadas.
É boa notícia a entrada em operação do novo
supercomputador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que
permitirá aperfeiçoar a previsão do tempo. A máquina indicará com precisão
maior quando e onde choverá, bairro por bairro. A expectativa é que seja de
grande utilidade não só para a agricultura, mas também na prevenção de
desastres. Não basta, porém, existir a informação sobre o evento extremo se as
cidades não puderem reagir com rapidez quando ele ocorrer.
As últimas tragédias climáticas no Brasil têm mostrado que é preciso agir preventivamente, pois, quando as águas sobem e as barreiras deslizam, tudo se torna mais difícil. A própria ação da Defesa Civil pode ficar inviável. Não são raras cenas dramáticas de moradores implorando por socorro nos telhados. Daí a necessidade de planos e estratégias bem definidos. Eventos extremos não darão trégua, ao contrário. Não há outra alternativa a não ser preparar-se para enfrentá-los.
2 anos depois, futuro da guerra em Gaza passa
por Trump
Por Folha de S. Paulo
Israel está mais poderoso e mais isolado;
morticínio precisa parar, mas Hamas não pode ser recompensado
Grupo terrorista reagiu com "não"
disfarçado de "sim" ao plano do americano, aceitando libertar os
reféns, mas não o cronograma
Completados dois anos de horror nesta terça
(7), a guerra na Faixa de Gaza tem
nas negociações forçadas por Donald Trump a
melhor chance de chegar ao fim. Sem a pressão do instável mandatário americano,
o morticínio irá continuar.
Deve-se manter a cautela ante as negociações
que ora se desenrolam no Egito. O mesmo Trump já sugeriu a limpeza étnica dos
cerca de 2 milhões de palestinos do território e a transformação das ruínas
fumegantes em um atrativo resort mediterrâneo.
O republicano também já foi iludido em outras
ocasiões por Binyamin Netanyahu,
o primeiro-ministro israelense que é tachado de genocida em boa parte do
planeta. Desta vez, até o Hamas tirou
vantagem do voluntarismo da Casa Branca, que anunciou um plano de
20 condições para encerrar o conflito.
O grupo terrorista reagiu
com um "não" disfarçado de "sim", aceitando
libertar os reféns remanescentes do ataque de 7 de outubro de 2023, mas não o
cronograma proposto. Declarou interesse no plano, que pede seu desarmamento e
retirada do poder, mas exige debatê-lo.
Tudo pode dar errado, portanto, prolongando a
agonia de um conflito que há muito deixou de ser a justa guerra de punição do
Estado judeu após o maior atentado contra sua existência.
O Hamas não pode ser recompensado. Se tudo
naquela região é multifatorial, é fato que foram os terroristas palestinos
armados pelo Irã com
a ajuda do Qatar que mataram 1.170
pessoas e sequestraram outras 251 numa manhã de sábado.
O que veio depois foi trágico. De acordo com
as contas do Hamas, que a ONU aceita como confiáveis, 67.160 pessoas já morreram
no território, número contestado por Israel.
Um quarto dos moradores de Gaza passa fome, 80% deles estão deslocados, e mais
de 90% dos edifícios, destruídos ou danificados.
A terra arrasada aplicada por Netanyahu pune
indiscriminadamente. Pior, se conseguiu reduzir o Hamas de exército a uma
guerrilha, o premiê falhou na sua promessa de libertar reféns e destruir o
grupo por completo.
Israel teve mais sucesso na ampliação da
guerra, que mudou a geopolítica da região e sempre mirou Teerã: impôs derrotas
também ao temido Hezbollah libanês
e à teocracia iraniana, atacada com ajuda dos Estados
Unidos. De quebra, viu rebeldes do Iêmen serem colocados sob pressão
e a ditadura síria implodir.
Buscando um ritmo de conflito eterno que
preserve o apoio dos extremistas no Parlamento, evitando um acerto de contas
com a Justiça em casos de corrupção, para não falar em crimes de guerra,
Netanyahu acabou por tornar seu país mais poderoso e também mais isolado do que
nunca.
Seu futuro, para o desalento da ativa fatia
da sociedade civil israelense farta de sangue, entrelaçou-se ao do Estado judeu
no curto prazo. E tanto a guerra quanto a paz dependem do mesmo fiador: o nada
confiável Donald Trump.
Homicídios demais sem solução
Por Folha de S. Paulo
Taxa brasileira de esclarecimento de
assassinatos é baixa e não mostra tendência de melhora
Só 36% dos homicídios de 2023 foi solucionado
até o fim de 2024; é preciso investir mais em inteligência policial e em bancos
de dados
A taxa de homicídios solucionados no Brasil
permanece baixa e sem tendência de melhora na última década, evidenciado
deficiências de políticas de segurança pública.
De 24,1 mil casos de assassinato registrados
em 16 estados mais o Distrito Federal em 2023, só em
36% deles ao menos um suspeito foi identificado e denunciado à
Justiça até o final de 2024, segundo a pesquisa Onde Mora a Impunidade do
Instituto Sou da Paz, divulgada na segunda (6) pelo Café da Manhã, podcast
da Folha.
O indicador caiu 3 pontos percentuais em
relação a 2022; desde o início da série histórica em 2015, a taxa variou entre
32% e 44%.
A estatística mais recente não leva em conta
os números de 10 estados que não informaram as datas dos crimes no material
enviado aos pesquisadores. Mesmo nos 17 que o fizeram, faltam dados sobre o
perfil das vítimas, como raça e faixa etária.
A solução de homicídios é indicador
fundamental em políticas públicas do setor —dado que a impunidade incentiva
a violência—
e ferramenta importante de escrutínio pela sociedade.
Ministério Públicos e Tribunais de Justiça,
órgãos aos quais as informações foram solicitadas, precisam alocar os vultosos
recursos públicos que recebem de forma mais racional para incrementar seus
bancos de dados. Secretarias de Segurança e Ministério da Justiça deveriam
atuar de forma integrada para padronizar informações e calcular o indicador.
De acordo com relatório de 2019 do Escritório
das Nações Unidas para Drogas e
Crime, a taxa brasileira de 36% aferida pelo instituto está muito
abaixo da média global (63%) e é menor que a das Américas
(43%), a pior entre os cinco continentes.
Há discrepâncias regionais no país. Distrito
Federal (96%) e Rondônia (92%) têm taxas similares à da Europa (92%), e Bahia
(13%) e Rio de Janeiro (23%) estão no fim do ranking. São Paulo (31%), que tem
um dos maiores PIB per
capita do país, é o 13º.
Com homicídios caindo a cada ano, o poder
público não consegue esclarecê-los a contento, embora continue prendendo muito.
Segundo o levantamento, de 1990 a 2024, a
população carcerária subiu 900%, mas só 13% dela estava presa
por homicídio no
ano passado, ante 40% por crimes contra patrimônio e 31% por crimes
relacionados a drogas.
Já que assassinatos exigem mais inteligência policial, e os outros crimes estão mais ligados a flagrantes, indica-se que o policiamento ostensivo tem sido o foco do poder público, o que deveria ser corrigido pelas secretarias estaduais de Segurança.
Tarifaço tem efeito retardado, e comércio
global cresce
Por Valor Econômico
O comércio global avançará 2,4% este ano, com
a ausência de retaliação dos demais países, investimentos vultuosos em IA e o
crescimento das trocas entre os países emergentes
O tarifaço do presidente Donald Trump terá efeito
retardado e poderá mostrar seu poder destrutivo no ano que vem. O relatório da
Organização Mundial de Comércio divulgado ontem revisou drasticamente suas
previsões e estima agora que o comércio global avançará 2,4% este ano, ante
0,9% da previsão de abril, com movimento inverso no ano que vem, com expansão
de 0,5% ante 1,8% na estimativa anterior. Vários fatores explicam o efeito
diluído do choque tarifário americano. A ausência de retaliação dos demais
países é um deles, a gigantesca movimentação de bens provocada pelos
investimentos vultuosos em Inteligência Artificial é outro, ao lado do rápido
crescimento das trocas entre os países emergentes.
Se os EUA representam cerca de 22% de
importações e exportações mundiais, o resto do mundo seguiu crescendo em ritmo
mais que suficiente para amortecer o impacto das tarifas unilaterais
americanas. Para o efeito das estatísticas do ano, o primeiro semestre mostrou
que as encomendas preventivas feitas pelos importadores americanos, e o rápido
aumento das exportações para supri-las, especialmente da Ásia (e nela, da
China) fizeram com que o volume de mercadorias global subisse 4,9% no primeiro
semestre, bem acima dos 2,8% do mesmo período de 2024. Em dólares, houve
aumento de 6%, o triplo do ritmo do ano anterior (2%).
A formação de estoques americanos, mais o
fato de as tarifas “recíprocas” só terem começado de fato a vigorar a partir da
metade de julho, foram também determinantes para retardar os efeitos das
barreiras protecionistas dos EUA. Segundo a OMC, enquanto estoques formados
para atender a choques de demanda tendem a escoar rapidamente, os acumulados
para atender choques de oferta, como é o caso agora, são desovados mais
lentamente, o que significa que os efeitos da taxação de importações ainda não
foram plenamente sentidos.
O tarifaço irrompeu em um cenário favorável
ao comércio internacional. Segundo a OMC, a inflação em queda, salários em alta
e déficits fiscais elevados nos países desenvolvidos impulsionaram as trocas
mundiais. A boa performance dos emergentes, incluindo Brasil, fez com que o comércio
Sul-Sul aumentasse 8% em valor, e 9% se a China for excluída. Ásia e África
serão os destaques nas exportações globais, com avanço previsto de 5,3% no ano,
seguido pela América do Sul (2,4%). A África vai liderar em importações (11,8%)
e, depois, a América do Sul (8,8%).
Naturalmente, a América do Norte (leia-se
EUA) lidera o declínio das importações, com -4,9% e -5,8% neste e no próximo
ano, uma consequência esperada, menos, talvez, para Donald Trump, que espera
conter o déficit fiscal adicional provocado pela diminuição dos impostos sobre
empresas e pessoas de alta renda com as receitas provenientes de tarifas, que
decrescerão. Os EUA perderão competitividade com o protecionismo: a previsão
para as exportações também é de queda: 3,1% e 1% em 2025 e 2026.
Trump pretende resolver o problema do déficit
americano de mercadorias (é superavitário em serviços) com tarifas, quando o
país consome mais do que poupa, uma das causas do crônico resultado negativo.
Um exercício feito pela OMC aponta que para estancar o déficit comercial atual
seria preciso que a taxação subisse 45 pontos percentuais (a tarifa média após
tarifaço gira em torno de 17,5%). Um ajuste global entre países superavitários
e deficitários de 2,5% de crescimento da poupança nos EUA — e decréscimo em
outros países da Ásia e Europa — teria o mesmo efeito que a muralha tarifária,
ainda que outros fatores interajam para provocar os resultados negativos
americanos.
A mais interessante explicação para a
resistência do comércio global, porém, foi a explosão das trocas relacionadas à
Inteligência Artificial (semicondutores, servidores, equipamentos de
telecomunicações etc). Cem linhas tarifárias desses produtos movimentaram US$
1,92 trilhão na primeira metade do ano (US$ 1,61 trilhão em 2024). Nesse período,
“46% do avanço do comércio global em valor foi puxado por produtos relacionados
à IA, que constituem só 15% das trocas totais”, relata a OMC. A expansão ocorre
em todas as regiões e não é impulsionada apenas pela guerra comercial de Trump
contra o mundo, mas “representa uma ampla onda de investimentos em
infraestrutura digital”.
Essa onda atingiu também a América do Sul,
segundo o estudo, com aumento de importações em equipamentos de computação e de
nuvem “particularmente no Brasil e no Chile, onde os provedores de serviços de
nuvem estão ampliando seus hubs regionais”.
O alvo principal de Trump, a China, teve bom desempenho. O volume de exportações do país cresceu 12% na primeira metade do ano, um resultado muito acima de seu PIB. Boa parte da expansão ocorreu por aumentos de vendas à Ásia. A região, com peso determinante da China, viu as transações relacionadas à IA crescerem 19% no primeiro trimestre e 25,2% no segundo. Com performance ainda forte, Pequim consegue progredir sem enormes prejuízos (até agora) mesmo após ter sido o único governo a retaliar as exportações dos EUA.
O custo da farra da energia limpa
Por O Estado de S. Paulo
Excesso de energia no sistema é consequência
da força dos lobbies no Congresso e da falta de liderança do governo, que
precisa retomar o controle do setor elétrico e acabar com os subsídios
Reportagem publicada pelo Estadão nesta semana
descreve uma situação sui generis no setor elétrico. No dia 10 de agosto, Dia
dos Pais, o País por pouco não passou por um apagão. Mas diferentemente
daqueles causados por picos de demanda de eletricidade, falhas em linhas de
transmissão ou queda de postes, foi o excesso de energia injetado que por pouco
não deixou o País às escuras.
Entre as 13h e 13h30 daquele fatídico
domingo, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) teve de mandar desligar
quase todas as usinas eólicas e solares centralizadas e reduzir a produção de
hidrelétricas e termoelétricas. Por alguns momentos, quem abasteceu o País foi
a micro e minigeração distribuída, segmento mais conhecido pelos painéis
fotovoltaicos instalados em telhados e em fazendas solares.
O que em tese seria uma boa notícia é, na
verdade, um problema de alcance bilionário e que, a exemplo da maioria das
crises que acometem o setor elétrico, pode sobrar para o consumidor. Embora
estejam à disposição do sistema, os geradores são obrigados a reduzir a produção
de energia de forma a manter a rede estável para aqueles que não estão sujeitos
às ordens do ONS – no caso, os detentores de painéis solares.
De acordo com o Instituto Acende Brasil, o
prejuízo gerado por esses cortes até agosto é de R$ 3,85 bilhões, valor que,
segundo a entidade, compromete o equilíbrio econômico-financeiro dos
empreendimentos afetados e que pode provocar uma crise no setor elétrico.
Como o consumidor pode perceber em sua conta
de luz, o excesso de oferta não tem se convertido em preços mais baixos. Isso
se deve ao fato de que essa fartura não é estrutural, mas pontual.
Só há sobra de energia enquanto o Sol brilha
forte. Assim que anoitece ou em dias nublados ou chuvosos, o ONS ordena que as
mesmas usinas que determinou que parassem mais cedo entrem em operação
imediatamente para abastecer o País.
O problema tem sido cada vez mais frequente
e, a bem da verdade, não está restrito ao Brasil. Mas as soluções técnicas que
alguns países têm adotado para resolver a pendenga não são simples de adotar
por aqui – sobretudo por razões políticas.
Isso porque o Congresso, da mesma forma que
assumiu o controle de parte do Orçamento, passou a ter a última palavra sobre o
planejamento e expansão do setor elétrico nos últimos anos. É ao Congresso que
os lobbies recorrem quando não encontram respaldo a seus pedidos no governo.
Fragmentado em dezenas de associações, o
setor elétrico trava uma guerra fratricida para terceirizar custos e prorrogar
subsídios. Todo projeto de lei ou medida provisória que tramita no Congresso
sai de lá com um novo jabuti para garantir um privilégio.
Boa parte da expansão dos investimentos em
energia renovável – sejam usinas eólicas e solares centralizadas, sejam painéis
fotovoltaicos – se deu por meio de subsídios criados quando essas fontes não
eram competitivas e precisavam deles para se viabilizar.
Esses subsídios já não são mais necessários
há tempos, mas continuam a ser pagos por milhões de consumidores que nem sabem
que patrocinam esses empreendimentos. Se eles fossem extintos, a conta de luz
ficaria mais barata, mas, como são mantidos, têm ampliado o lucro dos
empreendedores.
Nas poucas vezes em que o Executivo tentou
retirar ou reduzir esses incentivos, o Legislativo se insurgiu contra cada uma
das iniciativas. Mas quando esses custos chegam às tarifas na forma de
tarifaços, os parlamentares culpam a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel).
Foi assim que o País chegou a esse paradoxo.
Há muita energia limpa e intermitente disponível nos horários com baixo
consumo, mas pouca energia firme – e, muitas vezes, poluente – para atender o
consumidor quando ele mais precisa.
O consumidor não pode pagar por essa farra. A
solução não é gastar mais na construção de linhas de transmissão para escoar
essa sobra, mas passa por distribuir esses custos a todos os geradores que
causaram esse excesso de oferta, inclusive os donos de painéis solares, e por
dar fim a subsídios que já deveriam ter acabado há anos.
A guerra civil de Trump
Por O Estado de S. Paulo
O presidente americano quer fazer das Forças
Armadas sua guarda pessoal, parte do projeto que instrumentaliza o Estado,
subverte instituições e coloca o desejo de vingança acima da Constituição
Em uma reunião com centenas de oficiais das
Forças Armadas, o presidente americano Donald Trump voltou a falar como se os
EUA estivessem às portas de uma guerra civil. Evocou uma “invasão de dentro”,
sugeriu que a repressão ao crime em “cidades perigosas” dos EUA servisse como
treinamento para as tropas e descreveu concidadãos como “inimigos internos” a
serem “contidos antes que saiam do controle”. Longe de mera excentricidade
verbal, essa pantomima, que caberia bem num discurso do ditador venezuelano
Nicolás Maduro para suas tropas, foi mais um degrau na escalada de um projeto
que instrumentaliza o Estado, subverte a cultura institucional e coloca a
vingança pessoal acima da Constituição.
Trump já mobilizou a Guarda Nacional a
pretexto de suprimir “insurreições” em cidades governadas por democratas.
Agora, cercado de subordinados escolhidos por sua lealdade e amparado por um
Congresso dócil, radicaliza a cruzada. A lógica é transparente: com o controle
do Executivo sem freios, maneja as alavancas do poder não para governar sob a
lei, mas para esmagar adversários. O mesmo padrão se manifesta nos processos
bilionários que Trump moveu contra jornais, nas ameaças de cassação de licenças
de TV, na perseguição a universidades, na caça a servidores “infiéis” e no uso
da máquina judiciária como garrote para punir desafetos.
Esse ethos vingativo
ficou cristalizado numa declaração franca de Trump durante uma homenagem a
Charlie Kirk, ativista trumpista que foi assassinado: “Ele (Kirk) não odiava seus oponentes. Eu
odeio meus oponentes. E não quero o melhor para eles. Eu não suporto o meu
oponente”. A fórmula expõe em carne viva a libido dominandi de que falavam os clássicos: a
pulsão de converter o Estado em arma de revanche. Não é preciso dissolver o
Congresso ou abolir eleições para corroer uma democracia. Basta distorcer o
funcionamento ordinário das instituições até que se tornem caricaturas de si
mesmas.
No caso militar, o risco é mais grave. A
neutralidade das Forças Armadas sempre foi um pilar da democracia americana. A
Constituição dos Pais Fundadores foi concebida precisamente para evitar que
soldados se transformassem em gendarmes de conveniência política. Ao politizar
os quartéis, Trump ameaça a coesão das tropas, introduzindo divisões
partidárias numa instituição que só sobrevive pela confiança recíproca. Mais
grave: arrisca converter o Exército em guarda pretoriana, desvirtuando sua
missão essencial: dissuadir rivais e vencer guerras. O mundo conhece o
resultado de tal desvirtuamento: da Rússia à Venezuela, regimes que dobraram
generais ao capricho de um chefe colheram queda de profissionalismo, corrupção
endêmica e vulnerabilidade diante de inimigos reais.
Ao transformar soldados em figurantes de sua
retórica, Trump mina também a confiança da sociedade no Exército como
instituição de todos. Se parte do público passar a vê-lo como tropa partidária,
evapora-se o vínculo de legitimidade que sustenta o serviço voluntário e a
autoridade junto à sociedade civil. O resultado será o enfraquecimento
simultâneo da democracia e da capacidade de defesa do país.
Os verdadeiros adversários certamente
assistem a tudo isso com regozijo. Cada passo na politização interna fornece
aos ditadores da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, a prova de que
a democracia liberal americana não é mais exceção, mas só mais um regime que
manipula instituições ao sabor do governante da vez. Ao tentar subverter a
força armada mais respeitada do mundo em instrumento de retaliação doméstica,
Trump não engrandece a América: apequena-a, alijando aliados, corroendo
confiança e oferecendo munição à propaganda autocrática.
Cabe ao Congresso, às lideranças militares e
à sociedade civil reafirmar a fronteira que separa Exército e política. Cabe
aos juízes e legisladores recordar que ordens ilegais não merecem obediência. E
cabe aos cidadãos exigir que as Forças Armadas permaneçam o que sempre foram:
instituição da República, não milícia de um presidente.
A tentação autoritária costuma se apresentar
disfarçada de normalidade. Trump não é exceção. A diferença é que, desta vez, a
normalização do abuso ameaça deixar cicatrizes permanentes em uma das poucas
instituições que ainda gozam de respeito transversal na sociedade americana.
Permitir que seja arrastada ao lamaçal da vingança política não seria apenas
capitulação. Seria traição.
Milton e a demência
Por O Estado de S. Paulo
Ao expor sua doença, o cantor lança luz sobre
o drama de muitos idosos sem assistência
O diagnóstico recente de Milton Nascimento,
de demência por corpos de Lewy, que motivou uma onda de consternação mundo
afora, recoloca em pauta o desafio de moldar políticas de saúde pública ao
atendimento de uma população que envelhece acelerada e continuamente.
O fenômeno, que é mundial, atinge o País de
forma particularmente forte. De acordo com o Relatório Nacional sobre a Demência, divulgado no ano
passado pelo Ministério da Saúde, cerca de 1,8 milhão de brasileiros vivem com
algum tipo de demência. O mesmo estudo projeta o triplo para 2050, com 5,7
milhões de pessoas acima de 60 anos com esse diagnóstico.
Aos 82 anos, Milton, um dos mais respeitados
artistas da música brasileira, é assistido 24 horas por enfermeiros em sua
casa, no Rio, como detalhou o filho, Augusto, ao tornar pública a enfermidade e
os cuidados dedicados ao pai. Mas essa, infelizmente, não é a realidade da ampla
maioria de cidadãos acometidos por moléstias cognitivas que lhes roubam
gradativamente a autonomia.
De acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 33 milhões de idosos,
população que praticamente duplicou em pouco mais de duas décadas. Estimativas
da Fiocruz apontam que 75% deles dependem exclusivamente do Sistema Único de
Saúde (SUS).
Levando em consideração expectativas de
crescimento futuro da população idosa, que em 2070, com mais de 75 milhões,
deve representar cerca de 38% do total de brasileiros, é possível antever as
dificuldades à espreita de um sistema público de saúde já sobrecarregado. A
adequação imediata é a única maneira de evitar o colapso logo adiante.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) havia
fixado para este ano o prazo para que os 194 Estados-membros elaborassem um
plano de ação global para resposta da saúde pública à demência. A pedido dos
países, o prazo foi prorrogado para 2031.
O Brasil possui um sistema de saúde que, por
sua abrangência, universalidade e gratuidade, é considerado referência mundial.
É preciso preparar o SUS a essa nova realidade, que não é simples. Inclui
qualificação de profissionais para atendimento multidisciplinar, reabilitação e
cuidados paliativos a uma população extremamente vulnerável.
O próprio Ministério da Saúde calcula que
cerca de 45% dos casos de demência poderiam ser prevenidos ou, ao menos,
retardados já que, pelo que se conhece até agora, alguns fatores de risco podem
ser modificados. Entre eles estão alguns facilmente identificáveis, como
isolamento social, inatividade física, comorbidades que contribuem para a
acelerar o processo degenerativo, como diabetes, hipertensão, perda auditiva e
obesidade, e até elementos socioeconômicos, como a baixa escolaridade.
Milton Nascimento, gênio da música brasileira, presta um grande serviço ao País ao lançar luz sobre seu drama pessoal – e o de milhares de idosos brasileiros anônimos, muitos dos quais desprovidos de qualquer ajuda ou cuidado.
Maior arrecadação precisa ter impacto em
áreas estruturais
Por Correio Braziliense
Mas a sociedade tem o papel de cobrar
qualquer gestão por um país melhor. Aumento de arrecadação precisa, sempre,
resultar em mais investimentos
Desde que o atual governo assumiu, a equipe
do presidente Lula tem defendido a justiça social em prol da diminuição da
desigualdade. Projetos como a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha
até R$ 5 mil, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, e o Gás do Povo,
que leva o botijão para 15,5 milhões de famílias, vão nessa linha. São
programas necessários, de fato. Mas não podem estar sozinhos nessa empreitada
por equidade.
No caso do IR, a proposta encaminhada ao
Senado prevê justiça tributária a partir de uma maior taxação da fatia mais
rica da população. Na mesma toada, o governo tem atuado para aumentar a
arrecadação a partir de tarifas que respondem aos mais ricos e às empresas
privadas, como a tributação de offshores e fundos de investimento anunciada em
2023, e a regulação das casas de apostas esportivas, que tiveram que pagar uma
outorga de R$ 30 milhões, cada uma, para operar no Brasil.
Nesse contexto, as recentes propostas de
justiça tributária e regulação de fontes de arrecadação, até então pouco ou mal
exploradas, ganham importância: podem ser peças para compor um arcabouço que
combine crescimento, redistribuição e reforço do papel do Estado.
Assim, esse aumento de receitas precisa
ser acompanhado por um projeto desenvolvimentista robusto, sobretudo em áreas
historicamente frágeis do poder público, como saneamento básico e fornecimento
de água. Estima-se que, hoje, por exemplo, 32 milhões de pessoas vivem no país
sem acesso à água potável e que três em cada 10 municípios brasileiros não têm
rede de esgoto.
Se há aumento de receitas, é hora de
direcionar essa arrecadação para quem mais precisa, não só a partir da promoção
de programas assistencialistas, mas também por meio de obras estruturais,
capazes de solucionar problemas crônicos do país. Vale lembrar que a Lei 14.026
de 15 de julho de 2020, conhecida como Marco Civil do Saneamento, coloca 2033
como meta para o Brasil atender 99% do território nacional com abastecimento de
água e outros 90% com tratamento de esgoto.
Além disso, o governo tem a missão de cumprir
promessas audaciosas feitas no início do terceiro mandato de Lula que obedecem
à tendência desenvolvimentista. Na área da educação, precisam ser entregues 100
novos institutos federais; assim como as intervenções no âmbito do Novo
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), política pública marcada por
problemas em gestões anteriores dos petistas. É claro que a engenharia,
por vezes, apresenta imbróglios não esperados. No entanto, a população
brasileira está ansiosa por justiça social e quer ver essa diminuição da
desigualdade se manifestar em melhoria da sua vida prática.
O governo acerta ao promover a justiça tributária, ao bater recorde na geração dos empregos e ao retomar a autonomia da Petrobras como maior empresa brasileira. Mas a sociedade tem o papel de cobrar qualquer gestão por um país melhor. Aumento de arrecadação precisa, sempre, resultar em mais investimentos.
Homicídios recebem pouca atenção do poder
público
Por O Povo (CE)
Se o reconhecimento do problema da
insegurança pública é um passo necessário para resolvê-lo, as providências
seguintes já estão mais do que atrasadas
Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra
que os crimes contra a vida recebem menos atenção do poder público, em
comparação àqueles praticados contra o patrimônio. A maioria das prisões
acontece por infrações patrimoniais (40%) e relacionados a drogas (31%) — que
estão vinculadas a flagrantes —, percentual bem acima dos encarcerados por
homicídio, que somam 13%.
Dados consolidados do estudo Onde Mora a
Impunidade revelam que apenas 36% dos homicídios ocorridos no País em 2023
foram esclarecidos até o final de 2024. Para o Sou da Paz, a situação reflete a
"histórica priorização do policiamento ostensivo" e à
"construção do quê e de quem é percebido como perigo a ser
combatido". Ou seja, o patrimônio é mais protegido do que a vida.
A pesquisa calculou o indicador para 17
unidades da federação, com informações dos Ministérios Públicos e Tribunais de
Justiça. Dez estados não entraram no estudo, por enviarem dados incompletos.
Observa-se que o problema é crônico, pois,
desde 2015, a porcentagem de elucidações fica em torno de 35%, com melhora
somente em 2018, com 44% de esclarecimentos. O Brasil está muito abaixo da
média de países da Europa, com 92% de homicídios esclarecidos e da taxa global
de 63%, em média.
No período estudado, aconteceram 2.785
homicídios no Ceará, com o Ministério Público oferecendo 910 denúncias,
representando 32,67% de esclarecimentos dos crimes cometidos. Nas oito edições
do relatório, o Estado nunca conseguiu ultrapassar a marca de 33% de
elucidações, considerado baixo pelos organizadores do levantamento. É uma
situação dramática, que se mostra pior ainda em alguns outros estados, como a
Bahia (13%), Piauí (23%) Rio de Janeiro (23%), Pernambuco (30%) e São Paulo
(31%).
Frente a esse quadro desolador, as
autoridades deveriam prestar mais atenção à proposta de criar um indicador
nacional unificado de esclarecimentos de homicídios. Segundo Carolina Ricardo,
diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, o instrumento possibilitaria
"identificar boas práticas, locais com maiores dificuldades (de esclarecer
crimes) e para induzir políticas públicas nas esferas federal e estadual,
focadas na melhoria da investigação policial".
Tratar como prioridade as investigações,
melhorar e integrar os dados policiais, como propõe a PEC da Segurança Pública,
são medidas que contribuíram para o aumento do percentual de elucidações de
crimes contra a vida.
A insegurança está entre os temas que mais preocupa os brasileiros, tornando-se prioridade de governos municipais, estaduais e federal. No entanto, se o reconhecimento do problema é um passo necessário para resolvê-lo, as providências seguintes já estão mais do que atrasadas.
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