O Globo
Trata-se de questão de Estado e de toda a
sociedade, não problema dos partidos, da esquerda ou da direita
A Operação Overclean, da Polícia Federal,
entrou na oitava fase na última sexta-feira. Em investigações ordenadas pelo
Supremo Tribunal Federal, já apanhou contratos suspeitos que chegam a R$ 1,4
bilhão. Os envolvidos são políticos de expressão nacional e funcionários de
governos estaduais e prefeituras. A fonte do dinheiro roubado é pública:
emendas parlamentares.
O esquema da corrupção se repete pelo país:
empresas-fantasmas ficam com parte dos recursos destinados por deputados e
senadores a obras e serviços públicos. Trata-se, portanto, de roubar a
população. O cardápio inclui, além da grossa corrupção: organização criminosa,
peculato, lavagem de dinheiro e fraude em licitações. É aqui, nessas fraudes,
que está a base dos “negócios”.
Na sexta-feira, a Polícia Federal apurou casos ocorridos no Tocantins, mas também foram cumpridas ordens de busca e apreensão no Distrito Federal, em Goiás e em São Paulo. Nas sete fases anteriores da Overclean, foram investigados casos em vários outros estados. O crime é nacional.
Não passa semana sem que se descubra um caso
desses. Significa que polícias e Judiciário trabalham bastante, mas também
mostra como a corrupção está espalhada. Mesmo com as ações policiais, políticos
e funcionários parecem não se preocupar. Talvez por acreditar que, no final dos
processos, acabarão se livrando das acusações.
A corrupção é sempre aliada do crime
organizado, como nota a economista Maria Cristina Pinotti em artigo publicado
no Valor Econômico, no último dia 3 de outubro (“Como enfrentar organizações
mafiosas”). Ela tem se dedicado a estudos que mostram os impactos da corrupção
na sociedade, inclusive os econômicos. A roubalheira e a violência acontecem
quando há governos fracos e ineficientes, o que obviamente prejudica o
desenvolvimento do país e a vida da sociedade.
Portanto, o combate às organizações criminosas
deve ser abrangente. Para Pinotti, há três pilares. Primeiro: leis que elevem o
custo do crime e reduzam a impunidade. E processos mais rápidos, paralelos ao
sistema jurídico tradicional. A polícia e a Justiça têm de ser mais eficientes
que o crime. O Projeto de Lei antifacção, enviado ao Congresso na última sexta,
vai nessa direção.
O segundo pilar, nota Pinotti, é “a oferta
eficaz de serviços públicos — segurança, saúde, educação, infraestrutura —,
retirando dos criminosos a vantagem de substituir o Estado em troca da
submissão dos cidadãos”. O Estado e as instituições, incluindo a polícia, têm
de estar presentes todos os dias. Entrar numa comunidade controlada pelo
Comando Vermelho para matar ou capturar seus líderes não adianta nada se nos
dias seguintes o local volta à rotina de controle das organizações criminosas.
É necessária também a participação da
sociedade civil para pressionar as instâncias de poder. Tivemos recentemente um
exemplo de como isso pode funcionar: as grandes manifestações de rua que
fizeram os parlamentares recuar da “PEC da Blindagem”, a Proposta de Emenda à
Constituição que tornava praticamente impossível investigar e processar
deputados e senadores.
O combate ao crime organizado também exige
colaboração e atuação conjunta dos governos federal, estaduais e municipais.
Drogas e armas do crime circulam pelo país todo, passam por portos e
aeroportos. Trata-se, portanto, de uma questão de Estado e de toda a sociedade,
não um problema dos partidos, da esquerda ou da direita.
Finalmente, a questão internacional.
Organizações criminosas brasileiras tornaram-se multinacionais. Drogas e armas
das organizações brasileiras chegam de países vizinhos. O dinheiro é escondido
em paraísos fiscais. Não haverá combate eficaz sem colaboração internacional.
E, se ainda há dúvidas sobre o tamanho do
desastre, basta verificar alguns dados anotados por Pinotti. Com apenas 3% da
população mundial, o Brasil responde por 10% das mortes violentas globais. Na
América Latina e no Caribe, a violência do crime organizado é a maior do mundo,
segundo relatório do Banco
Mundial.

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