Folha de S. Paulo
Exemplo mexicano deveria ser considerado
antes de se defender que sistema eleitoral misto pode oferecer blindagem contra
financiamento político ilícito
Não existe sistema eleitoral capaz de impedir
que os recursos do crime organizado interfiram nos resultados eleitorais
Não é a primeira vez que utilizo este espaço
para abordar o
tema da reforma eleitoral.
Retomo o tema porque, antes de qualquer
mudança, é preciso que se tenha clareza sobre o problema que se pretende
resolver. Sem isso, não podemos avaliar a adequação do remédio proposto. Isso
vale também para o debate sobre a mudança do
sistema de governo.
Usualmente, essas duas reformas –a adoção de um sistema parlamentarista e/ou de um sistema majoritário puro (também conhecido como distrital) ou combinado com o sistema proporcional (o sistema misto)– são apresentadas como soluções mágicas: resolveriam todos os problemas da política brasileira.
Agora, a reforma é
defendida como instrumento de blindagem da representação
política contra o crime organizado. Segundo o presidente da Câmara dos
Deputados, a mudança do sistema eleitoral vai "preservar a
política do financiamento criminoso." Ele só não explica como essa
blindagem ocorreria.
Antes de defender essa relação de
causalidade, deveríamos olhar para o exemplo mexicano.
Além de sofrer com problemas de violência e
controle de territórios por grupos vinculados ao tráfico de drogas, o México
adota um sistema eleitoral misto desde a década de 1990, o mesmo defendido como
solução para o Brasil.
O financiamento ilícito proveniente dos
cartéis do tráfico é uma realidade na política mexicana.
Edgardo Buscaglia, professor de Columbia, já
alertava há mais de 10 anos que algo entre 55% e 65% das campanhas eleitorais
no México estavam infiltradas por organizações de tráfico de drogas, inclusive
com repasse de recursos.
Uma rápida visita ao site do Wilson Center permite ao leitor acessar diversos
artigos publicados por ocasião das eleições de 2024 no México, que destacam a
crescente preocupação com o aumento do financiamento ilícito proveniente de
grupos do narcotráfico.
Com tetos de gastos de campanhas considerados
insuficientes, candidatos utilizam dinheiro em espécie, disponibilizados por
esses grupos e não declarados para a Justiça Eleitoral, para financiar suas
campanhas.
Podemos inclusive argumentar em sentido
contrário ao defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados: ao desenhar
distritos, o sistema pode facilitar a coordenação territorial do crime organizado
e incentivar a disputa por controle de áreas, ampliando sua influência sobre
resultados eleitorais.
O medo da violência imposta pelo crime
organizado seria suficiente para direcionar o voto do eleitor, e, com o
distrito definido, não haveria dúvida de qual é o candidato apoiado pelas
facções criminosas.
Mais do que isso. Como no sistema distrital
misto o eleitor tem direito a dois votos para os cargos legislativos, um para
cada regra eleitoral distinta, podemos argumentar que o sistema tem potencial
de aumentar a bancada do crime.
Não existe sistema eleitoral capaz de impedir
que os recursos do crime organizado interfiram nos resultados eleitorais.
As medidas nesse sentido devem ter outras
origens: nas atividades de inteligência, segurança pública, fiscalização do
processo eleitoral e presença efetiva do Estado, com oferta de serviços
públicos e condições dignas de vida, tornando menos atraente para jovens e
populações vulneráveis a associação com o crime.
*Professora na Escola de Economia de São
Paulo (FGV-EESP) e pesquisadora do Cepesp. Doutora em ciência política pelo
IESP-UERJ

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