O Povo (CE)
O Brasil que naturaliza e até mesmo celebra a
morte brutal de 134 pessoas em uma operação policial é o mesmo país que convive
há décadas com altíssimos níveis de desigualdade e de precarização da vida de
amplas parcelas de sua população. Que negligencia suas periferias e territórios
populares, e criminaliza a pobreza, construindo uma narrativa onde o
"inimigo" mora no morro, na favela ou na quebrada. É também um país
que não resolveu as heranças de seu passado autoritário e escravocrata.
É possível entender a indiferença social diante do sofrimento e da morte como produto de um longo processo de desumanização das pessoas mais pobres, assim como das pessoas negras. Processo que transforma o sofrimento em rotina, que reduz a empatia e fortalece a ideia de que a violência e a brutalidade são não apenas justificáveis, como inevitáveis.
Esse comportamento expressa também a forma
como o Brasil convive com sua desigualdade, assumindo-a como algo natural.
Populações inteiras são desqualificadas e tratadas como perigosas, o que, no
limite, permite que se defina quem deve ser protegido e quem é descartável, e
pode ser eliminado. Em suma, quando parte da sociedade aplaude a barbárie, é
porque foi ensinada a ver essas mortes como uma "limpeza" necessária,
rumo à "vitória contra o mal".
Neste contexto, é que se torna defensável que
uma política de segurança seja implementada como operação de guerra. É que são
exterminados os "inimigos", quando se deveria proteger vidas. Nas
megaoperações, o governo não apenas reprime o crime, mas encena o controle. A
violência se torna espetáculo, produzindo efeitos midiáticos e
político-eleitorais.
Entender esse processo é crucial para superar
a ilusão de que operações letais, como a que resultou na chacina do dia 28 de
outubro de 2025, representam "vitórias", e para reconhecermos que a
comemoração da morte e a aceitação de que algumas vidas valem mais do que
outras, são sintomas cruéis de uma sociedade cuja trajetória merece ser
repensada.
*Sociólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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