• Os danos do primeiro mandato precisam ser superados com uma aliança mais sólida com o setor privado
- Valor Econômico
Assumindo minha hipótese de que a presidenta Dilma vai realmente levar adiante o programa de ajuste fiscal de seu novo ministro da Fazenda, é possível desenhar com maior clareza os caminhos da economia brasileira nos próximos dois anos. Embora as incertezas que existem hoje na economia internacional possam influenciá-lo, não creio que as mudanças sejam de ordem a invalidar as conclusões principais.
O fato novo para os próximos dois anos é a convergência da política macro do governo na direção de um ajuste recessivo já em curso pela ação racional dos principais agentes econômicos. É esta convergência de forças - dentro e fora do governo - que abre um espaço significativo para uma economia mais sólida ao fim da primeira metade do segundo mandato da presidenta Dilma.
Vejamos porque este fator - convergência - tem papel importante nas minhas análises. Em 2010, iniciou-se um processo natural de ajuste na economia brasileira sob o peso de dois fatores importantes. O primeiro foi o início do fim do ciclo de commodities, criado pela incrível expansão da demanda chinesa. Digo início do fim porque o pico dos preços ocorreu apenas em 2011, pois os estímulos do governo chinês para tentar manter o crescimento deram uma sobrevida aos preços destes produtos. Em função disto, o período de ouro da nossa economia estendeu-se por mais dois anos também.
O segundo componente desse ajuste foi interno, de natureza microeconômica. Já escrevi várias vezes sobre esta questão; portanto, vou me restringir agora a um resumo rápido dessa dinâmica. Entre 2005 e 2010, a conjugação de uma onda de confiança na política econômica de Lula, por parte de empresários e consumidores, com a existência de bolsões de ociosidade em partes importantes do tecido econômico, em um contexto de vigor de nossas contas externas, provocou um boom de consumo. Esse ciclo, que ocorre em economias de mercado com esse particular cenário micro, foi reforçado pelo processo de formalização do emprego que aconteceu no mesmo período. O resultado final foi um momento mágico de crescimento do consumo, sendo o melhor exemplo a evolução das vendas de automóveis e outros produtos industriais.
Em 2011, com vários mercados cruzando a linha da escassez de oferta, este ciclo chegou ao fim. Trago ao leitor, como melhor fotografia desta passagem, o gráfico do custo unitário do trabalho no setor industrial. Ele fala por si só.
O Palácio do Planalto reagiu a este movimento natural de ajuste na demanda com uma forte política de estímulos de crédito e de gastos fiscais do governo. Ignorando a nova situação micro da economia e o fim dos estímulos externos, tentou dar um novo cavalo-de-pau no crescimento. Apesar de uma resposta inicial mais positiva, a expansão da economia entrou em colapso como resultado de uma política econômica que de um lado perdia credibilidade macro e do outro não conseguia mais resultados positivos do lado micro.
Com o Banco Central saindo de sua letargia e iniciando um ciclo de alta dos juros, o lado do ajuste da demanda ganhou um reforço de peso. Mas permaneceu o estímulo fiscal que, na prática, acelerava a queda das taxas de crescimento pelo aprofundamento das desconfianças dos empresários no futuro da economia. As eleições de 2014 reforçaram essa divergência na medida em que o governo acelerava ainda mais seus gastos e estímulos ao consumo.
Nesse jogo de forças contrárias, desde cedo ficou claro que o vencedor seria o lado do ajuste via a acomodação da demanda. Uma primeira correção veio dos bancos públicos, que voltaram a níveis mais adequados de expansão do crédito. Ao mesmo tempo, a fragilidade da expansão de novos empregos trouxe redução no nível de confiança dos assalariados em sua nova vida de classe média emergente. Também o crédito ao consumo atingia seus limites em uma sociedade que trabalha com controle muito forte da inadimplência dos devedores.
Agora, com a política fiscal mais conservadora, os desafios que nos levaram ao baixo crescimento dos últimos anos poderão ser enfrentados com maior possibilidade de sucesso. Apenas o restabelecimento da confiança nas âncoras que estabilizam as expectativas dos agentes econômicos mais importantes poderá criar as condições necessárias para que - mais à frente - possamos entrar em um período de crescimento mais próximo de nosso potencial de longo prazo.
Mas para isto as mudanças na política econômica do governo Dilma não podem ficar restritas a uma política fiscal mais responsável. Os danos do primeiro mandato nas expectativas dos empresários precisam ser superados com uma aliança mais sólida com o setor privado e uma redefinição do papel do Estado na economia. Mas essas mudanças serão mais difíceis de ocorrer em um governo com valores ideológicos muito consolidados.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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