• Apesar de ter prometido mais diálogo no segundo mandato, característica centralizadora de Dilma permanece inalterada
Rafael Moraes Moura, Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA Depois de dizer que o primeiro compromisso do segundo mandato seria construir pontes e buscar união, a presidente Dilma Rousseff logo demonstrou que o slogan "governo novo, ideias novas" - mote do horário eleitoral produzido pelo marqueteiro João Santana - seria substituído pelo velho receituário da atual gestão, marcado por centralização na tomada de decisões, pouca disposição para o diálogo e desapreço pela pequena política. A dúvida, agora, é saber se, confrontada com um quadro econômico mais adverso e menos apoio no Congresso, a versão Dilma 2.0 se manterá à imagem e semelhança da Dilma 1.0.
Um dos casos mais emblemáticos do velho jeito Dilma de governar veio à tona na última segunda-feira, quando o Palácio do Planalto convocou a imprensa para anunciar mudanças nas regras de pagamento de cinco benefícios trabalhistas - abono salarial, seguro-desemprego, seguro defeso, pensão por morte e auxílio-doença - sem ter consultado antes a base parlamentar sobre o teor das propostas. O pacote também foi alvo de críticas de centrais sindicais, que alegaram não ter sido previamente chamadas para discutir as medidas. Parlamentares da base do governo já admitem que as novas regras, encaminhadas ao Congresso via medida provisória, deverão encontrar resistência na tramitação.
Replay. Não foi o único caso da transição. O velho estilo também se repetiu por diversas vezes após a vitória no 2.º turno. Mistérios sobre os nomes do primeiro escalão que comporiam o novo governo, falta de atendimento de reivindicações de aliados e demora em tomar decisões deram a tônica da transição. Isso fez com que, entre petistas e não petistas, as velhas queixas e cobranças pela necessidade de um estilo diferente de governar fossem mantidas na transição do primeiro para o segundo mandato.
"Você começa a conversar com ela, ela não deixa acabar o raciocínio, porque ela acha que sabe de tudo. Ela não é uma boa ouvinte", reclamou ao Estado um ministro que deixa o governo. "Ela não tem a verve da política, no sentido do debate, nessa visão de que é preciso disputar o projeto da sociedade. Ela quer realizar as coisas e ponto."
Ciente da manutenção dos ataques, a própria Dilma tratou de rebatê-los. "Esse regime é presidencialista, eu escuto todo mundo, escuto todas as opiniões, cotejo. Eu consulto todo mundo", disse Dilma no último dia 22, ao ser questionada sobre a disposição para ouvir, durante café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto.
"Temos de ser capazes de conviver de forma harmônica, sem haver ruptura, sem haver atritos que não sejam aqueles usuais. Agora, em lugar nenhum do mundo, você vê alguém interditando alguém para qualquer cargo." Na época, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra tentava fazer o Planalto recuar da indicação da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura. Em vão
Para o professor Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, Dilma adotou um estilo autocrático no primeiro mandato, como pôde ser verificado na condução da política econômica.
"A presidente foi alertada várias vezes sobre a necessidade de mudar a equipe e alterar o rumo, mas insistiu em manter o mesmo grupo e o resultado é isso que estamos vendo agora", comentou o especialista.
Na opinião do coordenador do setorial de Direitos Humanos do PT, Rodrigo Mondego, a presidente precisa ampliar o diálogo com os movimentos sociais, após uma relação "muito ruim" no primeiro mandato. "O Congresso está mais conservador e o conjunto da sociedade também. A Dilma está fechando as portas para as forças progressistas com as quais ela poderia abrir diálogo", disse Mondego. "Se não ouvir mais, vai apanhar das ruas e do Congresso."
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