- O Estado de S. Paulo
Ponto central das solenidades que constituem a cerimônia de posse de governos, o discurso presidencial no Congresso, pela sua feição geralmente programática, tem na expectativa que gera sua principal função.
É dele que os atores políticos e econômicos, internos e externos, e a sociedade extraem a linha de ação de um governo e avaliam a melhor forma de se conduzirem, moldando suas estratégias para uma gestão que se anuncia sob o compromisso constitucional.
A intensidade desses momentos é sempre mais reduzida em casos de reeleições, pela continuidade de um governo que já se conhece da experiência do primeiro mandato, do qual se espera correções de rumos, ampliação de realizações ou simplesmente a consolidação de ações que mereçam conclusão.
É portanto nesse pronunciamento presidencial que o governo diz o que pensa fazer, explicitando ações e conceitos que vão orientá-lo na gestão que se inicia. O discurso da presidente reeleita, Dilma Rousseff, ontem, não teve nenhum desses elementos.
A dissimulação dos problemas faz parte do jogo político quando é exercida em favor de um espaço mais generoso para as propostas que possam incutir otimismo, mas mesmo essa concessão não se aplica à fala presidencial de ontem - uma consolidação enfadonha de declarações produzidas no bimestre final do primeiro mandato.
Poderia ser dito que a presidente Dilma fez o discurso possível, mas também essa conclusão não exprime fielmente o contexto da posse no Congresso Nacional. O que mais sobressai no discurso da presidente é a dificuldade de contornar uma realidade negativa sem expor contradições.
Dilma reafirmou a opção por um ajuste amplo na economia, com disciplina fiscal, respeito à meta de inflação e outros pressupostos que alinham sua segunda gestão ao que seu partido condena como política neoliberal.
E o faz inserindo esses pressupostos entre as virtudes de seu primeiro mandato, o que remete o ouvinte à dúvida sobre até onde irá a autonomia da nova equipe econômica, autorizada a aplicar uma receita recessiva para desfazer as consequências de erros que não são admitidos por quem a convocou.
No campo político, a presidente não só dissimula as preocupações com os graves episódios de corrupção que abalarão sua base de sustentação política, como faz um contorcionismo poucas vezes visto para isolar seu governo, e o partido pelo qual se elegeu, das investigações em curso na Petrobrás.
Propõe um pacto contra a corrupção, atribuindo ao seu governo os méritos pelo resultado das ações do Ministério Público e da Polícia Federal, sugerindo que os resultados positivos dessa assepsia não ocorreriam sem o estímulo do Palácio do Planalto.
Aqui a presidente vai mais longe e ultrapassa a fronteira da dissimulação e das generalidades para reescrever a história recente, contando com uma amnésia coletiva para apagar a memória do boicote de seu governo às CPIs da Petrobrás.
A fala na posse manteve assim a característica preventiva adotada por Dilma desde o estouro do caso da Petrobrás.
O Ministério do segundo mandato, ao qual deu posse coletiva ontem, se insere nesse contexto preventivo: contempla todos os partidos de sua base, distribui estratégica e proporcionalmente o poder federal entre eles, e reúne perfis conhecidos pela capacidade combativa, do que são exemplos Eliseu Padilha, Eduardo Braga, Aldo Rebelo, Kátia Abreu, Ricardo Berzoini, entre outros chamados no ambiente político como "bons de briga".
Esses nomes não estarão a serviço apenas da luta congressual com a oposição, mas também do combate interno, cuja intensidade se pode medir na reação do PT à guinada conservadora na economia, que já atinge direitos trabalhistas e previdenciários. Tem-se, portanto, lado a lado, um roteiro recessivo na economia e um Ministério para resistir ao "fogo amigo".
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