O Paraíso do político é aquele lugar em que ele pode ser oposição ou situação, sem ônus, a depender das circunstâncias. Vive em estado de glorificação, entre epifanias múltiplas. Pois é a manobra que o PT tentou, ou sua fração majoritária do lulopetismo, ao colocar no ar, na noite de terça, com Lula de âncora, um programa eleitoral embalado no discurso eleitoreiro da "defesa do trabalhador", num estilo oposicionista, enquanto o partido está sendo forçado a apoiar o ajuste fiscal no Congresso, única forma de evitar o aprofundamento da crise econômica e dar sustentação a Dilma.
O panelaço que ecoou em várias cidades, durante o programa, sinalizou que o truque de fingir ser oposição na TV, enquanto precisa ser governo no Congresso, não funcionou. O som de panelas e de buzinaços que acompanharam o programa deve ser entendido como um alerta ao partido, acometido, por ironia, da antiga síndrome tucana de ficar em cima do muro, diante do apoio a um governo cuja presidente é petista.
A propaganda do partido, muito centrada em críticas à terceirização, cuja regulamentação passou pela Câmara e precisa ser aprovada no Senado, levou o PMDB a cobrar, na manhã de ontem, uma definição do PT: se ele, da base do governo, votaria nas medidas do ajuste fiscal (as MPs 664 e 665, da eliminação de abusos em benefícios previdenciários, no seguro-desemprego e abono salarial) ou não. Neste caso, o PMDB tomaria a mesma posição, e estaria decretada a demolição definitiva da já abalada base parlamentar do Planalto. No regime parlamentarista, seria o caso da convocação de novas eleições legislativas. Na tarde de ontem, enquanto o vice-presidente Michel Temer, responsável pela coordenação política do governo, se movimentava, o PT formalizou apoio ao ajuste, e tudo parecia se encaminhar para o início da votação das medidas provisórias na Câmara.
Mas este surto de perda de identidade do PT produz estragos irreversíveis. Ao fragilizar a base governamental, dá espaço ao presidente da Câmara, o peemedebista Eduardo Cunha, para seguir na sua linha "independente", aproveitando-se das fragilidades políticas de um Planalto sem apoio inclusive entre petistas. É isso que permitiu a Cunha, numa manobra regimental, aproveitar o quórum obtido para a votação de medidas do ajuste fiscal e aprovar a "PEC da Bengala", tirando de Dilma o trunfo de indicar pelo menos mais cinco ministros do Supremo.
Tem lógica estender de 70 para 75 anos o limite de idade para a aposentadoria de ministros, mas a imprevista aprovação definitiva da PEC foi evidente retaliação contra Dilma, orquestrada por quem considera estar implicado no petrolão também devido ao governo.
Não há espaço vazio em política. Nem o vice-presidente Michel Temer consegue revogar esta verdade: diante de uma presidente acanhada, sem apoio claro no próprio partido, que aparece na TV com ares de oposição, outros interesses políticos avançam.
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