Não é exatamente um espetáculo de que os brasileiros se possam orgulhar, pois exibe sem retoques os meandros da política rasteira que impera em Brasília, mas as surras humilhantes que o PT tem sofrido no Congresso colocam a nu a triste figura a que acabou reduzido um partido político que chegou ao poder com a pretensão de inventar um novo país e hoje, afogado na própria soberba e em contradições insanáveis, tateia às cegas à procura da saída de emergência da encrenca em que se meteu ao mergulhar o Brasil na atual crise política, econômica, social e moral.
A aprovação pela Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira, da chamada PEC da Bengala, proposta de emenda constitucional que eleva de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria de funcionários públicos e ministros de tribunais superiores, está longe de ser uma providência legal urgente e prioritária, tanto que estava engavetada na Câmara havia muitos anos. Mas foi retirada do limbo e incluída na pauta de votação em plenário pelo presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB), numa demonstração de força em sua queda de braço com o Planalto.
Com mais essa lição de manipulação política que impõe ao governo e seu partido, Eduardo Cunha coloca Dilma Rousseff e o PT contra a parede no momento delicado em que a Câmara está na iminência de votar as Medidas Provisórias (MPs) 664 e 665, essenciais ao projeto de ajuste fiscal. Os deputados poderiam ter votado pelo menos uma dessas duas MPs na terça-feira, mas Eduardo Cunha encerrou a sessão em que a matéria estava sendo discutida e em seguida abriu uma sessão extraordinária para discussão e votação da PEC da Bengala. Foi uma manobra claramente destinada a neutralizar uma esperteza do PT.
As MPs 664 e 665, na medida em que impõem restrições a benefícios trabalhistas como parte do ajuste fiscal, provocam reações negativas dentro do próprio partido do governo, que teme perder votos por apoiar medidas impopulares. O PT quer apenas tudo: ver aprovadas as medidas que possibilitarão colocar em ordem as contas do governo e, ao mesmo tempo, manter a pose de não fazer concessões "na defesa dos trabalhadores".
Ao longo de toda a tarde de terça-feira o Planalto se empenhou, inclusive por meio da mobilização de ministros, em convencer os petistas a aprovar as MPs. Chegou-se a anunciar que o problema estava resolvido, mas, ao contrário do que se esperava, o PT não fechou questão em torno da matéria, num claro sinal de que seriam toleradas dissensões que, na verdade, eram desejadas. As raposas peemedebistas imediatamente reagiram a essa tentativa marota de jogar sobre seus ombros a responsabilidade pela aprovação das medidas impopulares. Até porque, em seu programa exibido na mesma noite na TV - aquele que foi recebido em todo o País com um ruidoso panelaço -, o PT fez questão de se colocar na defesa intransigente dos direitos trabalhistas. O resultado foi a fragorosa derrota do governo, com a aprovação da PEC da Bengala, por 333 votos a favor, 144 contra e 10 abstenções.
É inacreditável a vulgaridade a que os parlamentares brasileiros - ressalvadas honrosas exceções - relegaram o exercício do poder legislativo. O comando da Câmara dos Deputados foi empolgado por um hábil manipulador comprometido com a visão de mundo do chamado baixo clero. O Senado permanece sob o talante de um notório oportunista cujas convicções políticas variam conforme seus próprios interesses. Assim, o Poder Legislativo alia sua pouca confiabilidade à incompetência do Poder Executivo, protagonizando juntos o circo de horrores de um país que corre o risco de regredir social e economicamente.
Contra esse tenebroso pano de fundo há o fato auspicioso de que os brasileiros, principalmente de classe média, despertam para a necessidade de se fazerem ouvir. Têm à sua disposição os instrumentos institucionais de um regime democrático ainda incipiente, mas suficientemente sólido para continuar evoluindo. É um caminho que exige paciência e a cautela de evitar atalhos autocráticos. Fora dele, é o retrocesso.
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