segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Repatriação cuidadosa – Editorial / Folha de S. Paulo

A Câmara dos Deputados deve votar nesta semana um projeto de lei que concede anistia a quem remeteu dinheiro para o exterior de maneira clandestina. A iniciativa permite a regularização dos recursos não declarados, desde que, tendo origem lícita, retornem ao Brasil mediante pagamento de imposto e multa por parte de seus detentores.

Pela própria natureza desses bens, não se sabe ao certo quais os valores em discussão. Estima-se, porém, que as cifras possam montar a US$ 100 bilhões.

Entende-se, assim, por que o governo Dilma Rousseff (PT), vivendo em estado de penúria, tem especial interesse na aprovação desse projeto. Tal urgência, contudo, bem como outras vantagens da repatriação –experiência implementada por diversos países–, não pode apressar debate tão delicado.

Não convém ignorar o desconforto provocado por medidas desse tipo, pois não raro configuram uma injustiça, um prêmio para ilegalidades e um desrespeito com quem cumpre suas obrigações.

Tampouco é o caso de relevar as contraindicações. Anistias estimulam comportamentos deletérios, pois criam a expectativa de impunidade e podem prejudicar a concorrência, premiando quem obtém vantagens por meio da sonegação.

É preciso, portanto, que a cobrança de impostos e multas seja rigorosa e que o perdão se dirija a uma restritíssima lista de crimes –evasão de divisas e a decorrente sonegação fiscal figuram nesse rol.

Também é necessário um padrão de verificação da licitude dos bens, com responsabilidades para as instituições encarregadas da repatriação, de modo a evitar o quanto possível a lavagem de dinheiro.

Os deputados, porém, parecem dispostos a ir muito além do aceitável, autorizando a legalização dos lucros de doleiros e de diversos outros crimes. Não se pode afirmá-lo com todas as letras, mas parece que legislam em causa própria –e que perderam o pudor de fazê-lo.

Uma emenda, por exemplo, desautoriza que o documento apresentado na repatriação seja usado para investigar pessoas que não consigam provar a origem legal dos recursos. É um incentivo para que criminosos tentem a sorte.

Deve ficar claro, ademais, que se trata de chance única. Do contrário, haverá incentivo a novas fraudes.

Liberalidade maior nem faz sentido. Tornou-se mais difícil a movimentação de recursos sujos, graças à cooperação internacional e ao endurecimento da legislação nacional. A porta aberta para a repatriação é quase um favor, e o governo deve cobrar caro de quem descumpriu a lei, fazendo concessão transitória e sob regras estritas. Seria intolerável um trem da alegria para lavadores de dinheiro.

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