- O Globo
Findo o primeiro trimestre, o governo se viu compelido a tomar medidas custosas para manter a credibilidade da meta fiscal de 2017
Pé-direito é como engenheiros e arquitetos designam a distância do piso ao teto. Quem quer que já entrou num grande salão com teto excessivamente rebaixado, bem sabe quão desagradável e opressivo pode ser um ambiente amplo com pé-direito de pouca altura. Sensação similar à que, afinal, se começa a sentir no país, à medida que o governo se vê obrigado a levar a sério o teto de gastos aprovado pelo Congresso no ano passado.
Agruras do novo regime fiscal. Já não há as saídas fáceis da contabilidade criativa ou da manipulação das projeções de receita tributária esperada. Findo o primeiro trimestre, o governo já se viu compelido a anunciar medidas politicamente custosas para manter a credibilidade da meta fiscal de 2017.
A Fazenda não só anunciou um corte orçamentário da ordem de R$ 42 bilhões, como tomou coragem para desmantelar parte substancial do que ainda restava do estapafúrdio programa de desoneração da folha de pagamento, concebido pela inesquecível equipe econômica do governo Dilma Rousseff.
Antes que outra ala do monstrengo venha abaixo, vale a pena espiá-lo mais uma vez. Para que o país possa extrair as devidas lições desse desafortunado experimento de política econômica, é bom recapitular a sucessão de equívocos que acabou dando lugar a um programa de subsídio tão mal pensado, ineficaz e ruinoso.
A raiz do problema remonta à incurável resistência do governo Dilma Rousseff a políticas horizontais e à sua inequívoca preferência por medidas particularistas, focadas em setores específicos, ou até mesmo em empresas, concebidas ao sabor de interesses especiais.
Em meados de 2011, a equipe econômica do governo entendeu que quatro setores escolhidos a dedo e identificados como intensivos em mão de obra, — confecções, calçados, móveis e software — estavam especialmente assediados por concorrência desleal de importações. E decidiu acudi-los com um projeto-piloto de desoneração. Permitiu que empresas desses setores deixassem de recolher a contribuição patronal sobre a folha de pagamentos e passassem a recolhê-la sobre o valor da receita bruta.
Como as alíquotas sobre a receita bruta seriam de 1,5%, no caso dos três primeiros setores, e de 2,5%, no caso das empresas de software, a nova contribuição sobre receita bruta seria insuficiente para cobrir a perda de arrecadação da Previdência Social, e os quatro setores se beneficiariam de subsídios consideráveis.
Tivesse a pajelança ficado restrita a esses setores, os danos não teriam sido tão grandes. Mas já em abril de 2012, alarmado com a desaceleração da economia, o governo decidiu estender o esquema de desoneração a 11 outros setores, com alíquotas fixadas caso a caso, ao sabor do choro e da influência política de cada setor. E, na mesma medida provisória, ainda reduziu as alíquotas sobre faturamento que vinham sendo pagas pelos quatro setores do projeto-piloto.
A ampliação do programa não pararia aí. Em meados de julho de 2012, ao votar a medida provisória, o Congresso se encantou com a possibilidade de estender tão farta distribuição de benesses a um número bem maior de setores. Se a ideia era favorecer segmentos específicos da economia, os parlamentares não tiveram maiores dificuldades em preparar sua própria lista, nela incluindo não só outros setores industriais como grande parte dos grandes produtores de serviços.
Ao fim e ao cabo da história, nada menos que 56 setores foram agraciados com a possibilidade de passar a recolher a contribuição patronal sobre faturamento e não mais sobre a folha, com alguma desoneração embutida na troca.
Desde 2015, na esteira do agravamento do déficit da Previdência, os subsídios vêm sendo paulatinamente eliminados. E essa caótica colcha de retalhos de alíquotas e bases de incidência em que foi transformada a cobrança de contribuições patronais vem sendo aos poucos reordenada. Mas ainda falta. Grandes setores incluídos pelo Congresso no programa de desoneração permanecem incólumes: construção civil, transportes e comunicações.
*Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Nenhum comentário:
Postar um comentário