- Valor Econômico
Temer provavelmente cederá mais
Uma frase atribuída a Getúlio Vargas definia a política como a arte de ser obrigado a fazer o que se quer. É a lógica que no universo da negociação justifica a colocação de bodes na sala e que, ao menos em parte, explica o movimento atual que acontece no Congresso em relação à reforma da Previdência.
Na visão que o Planalto quer fazer prevalecer, Temer liberou oficialmente o processo de negociação do texto da reforma, delimitando o que considera inegociável. O que pode ser conversado é exatamente o que foi colocado no texto com este fim, e, portanto, não haveria recuo algum por parte do governo. Tudo conforme o planejado. Veteranos da base governista, contudo, mostram dúvidas sobre a eficácia desta estratégia. O governo pode ter errado a mão e ser obrigado a fazer concessões que ultrapassam a linha divisória.
"O que aconteceu agora não foi negociação. O padrão até o momento é o seguinte: coloca-se algo absolutamente exagerado na mesa, há uma reação enorme e aí, mudam, retiram o que puseram. Conversaram com quem antes? Tiveram entendimento com quem?", indaga o deputado federal Reinhold Stephanes (PSD-PR), o autor da reforma da Previdência apresentada pelo governo Fernando Henrique, quando foi ministro da área.
Se Temer está indo pelo caminho descrito por Stephanes, o que houve de fato foi concessão sem contrapartida clara estabelecida. E neste caso abre-se a porteira para muitas outras coisas. O tratamento diferenciado para a aposentadoria rural pode ser acompanhado da manutenção de privilégio para o Ministério Público ou para a magistratura, por exemplo. Há muitos pedágios na estrada que o relator da reforma irá percorrer até dia 18.
Um exemplo do que seria uma concessão pouco negociada, de acordo com o deputado José Fogaça (PMDB-RS), foi o lance de 16 dias atrás, quando Temer ameaçou retirar dos servidores estaduais e municipais da reforma. "De que serviu aquilo?", perguntou o gaúcho.
A manchete de ontem do jornal "Estado de S.Paulo", dando conta de que o governo federal estaria em minoria na Câmara em relação ao tema, sugere que serviu de pouco. O que pode ter sido providencial foi a pesquisa em si. "Ela serve como instrumento de pressão, ainda que tenha mostrado a posição sobre algo que não existe mais, que é o texto original do governo", comentou Fogaça.
Pressionado pela magnitude da crise econômica e da necessidade de buscar no mercado o lastro que não tem nas ruas, o governo optou por mandar para o Congresso um texto que se propõe a resolver os próximos 50 anos, sem mediação ou pactuação política. Ocorre que as únicas lideranças envolvidas na questão que não se colocam como candidatas em 2018 são o presidente Michel Temer, seu ministro da Fazenda e seu titular da Casa Civil. Todo o restante precisa de voto e vive o desafio de se reeleger quando a tendência é de renovação da Câmara e a estrutura de financiamento das campanhas foi desorganizada.
Stephanes aponta um sentimento difuso, estranho, indefinível, de inquietação na base governista que proporcionou tantas vitórias a Temer. "É visível que a reforma tem menos apoio do que tinha um mês atrás. Não há razão específica. A água escapa entre os dedos", afirmou.
A conclusão é que a negociação sobre a reforma da Previdência começa agora. Quanto mais curto o prazo que o governo fixar para o cronograma da mãe de todas as suas batalhas, maior será o risco da derrota. Se estender a negociação demais, a eleição de 2018 fica perigosamente próxima. O Planalto terá que ceder provavelmente mais do que os cinco pontos anunciados ontem, e fará uma reforma que corre o risco de durar tanto quanto a emenda do teto do gasto. Algo como 10 ou 15 anos, antes de um novo ajuste no sistema.
Temer optou pelo onirismo tecnocrático para abrir os trabalhos, talvez porque sua própria experiência o tenha acautelado em relação aos resultados que podem ser auferidos da moderação. Nos anos 90, quando Fernando Henrique apresentou a sua proposta, Temer foi um de seus relatores na Câmara. Era um texto tímido, pé no chão, prudente, que se recusou a abraçar uma das grandes teses advogadas à época, que era o de se partir para um regime de capitalização da previdência. O resultado ficou aquém do desejado. O Brasil conseguiu a proeza de ter uma reforma da Previdência sem idade mínima.
Diferenças e semelhanças
É correto comparar o prefeito de São Paulo, João Doria, com o ex-presidente Fernando Collor? Os paralelos entre o que foi 1989 e o que poderá ser 2018 são muitos, mas as diferenças entre os dois não podem ser desprezadas. A comparação é pertinente quando se leva em consideração o "making of" da construção da candidatura presidencial 'collorida' e o caldo de cultura que a nutriu.
A aproximação é descabida em relação aos fatores que provocaram a queda de Collor: não há nada que vincule Doria a esquemas de corrupção, o tucano tem lastro partidário e não comanda um governo fracassado do ponto de vista econômico. Para traçar uma comparação entre Doria e Collor é preciso recuar o cenário a como estava o Brasil em maio de 1988, um ano e meio antes da eleição, do mesmo modo como se está agora. Há muito paralelismo.
A seu modo, o país vivia um mau momento econômico, era comandado por um vice tornado presidente em circunstâncias traumáticas, com legitimidade em questionamento permanente. Jamais se imaginaria no Brasil daquele tempo algo como a Lava-Jato, mas o ambiente de degradação moral do cenário político era cantado e prosa em verso, como qualquer fã de Cazuza e Renato Russo sabe.
Não havia um sucessor claro para Sarney. As especulações começaram com Jânio e terminaram com Silvio Santos. Collor usou das mais modernas técnicas de comunicação disponíveis para se projetar nacionalmente e não se encontrava, na elite política, quem poderia barrar a ascensão da esquerda que flertava com o passado, campo em que Brizola parecia mais temível que Lula. Collor, então governador do PMDB, representava uma renovação conservadora, o "nome novo" que não rompia o sistema. Collor era o que havia para a hora e eis aqui outra diferença fundamental em relação a Doria. Prefeito do maior colégio eleitoral do país e escolado na relação com a elite empresarial paulista, Doria parece um risco calculado, e não um gesto de desespero.
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