Por Luísa Martins, Maíra Magro e Rafael Bitencourt | Valor Econômico
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) só vai decidir sobre a continuidade ou suspensão do inquérito contra o presidente Michel Temer depois de concluída uma perícia oficial no áudio da conversa comprometedora gravada pelo empresário Joesley Batista.
O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, determinou o encaminhamento das gravações à perícia da Polícia Federal. O ministro manifestou que a Corte só tomará uma decisão sobre o andamento do inquérito após o resultado da avaliação oficial. Fachin poderá decidir sozinho ou manter a ideia inicial de encaminhar o tema ao plenário.
Ontem, a defesa de Temer divulgou um laudo encomendado ao perito Ricardo Molina atestando que o áudio conteria 70 "obscuridades", que impediriam qualquer chance de atestar sua veracidade - o que, segundo Molina, invalidaria o uso da conversa como prova judicial.
Mesmo que os áudios sejam considerados imprestáveis como provas, como defendem os advogados do presidente, a delação dos executivos da JBS traz outros indícios que podem ser levados em conta por Fachin para decidir sobre o inquérito, conforme avaliam fontes ligadas ao relator.
Até a manhã de ontem, estava previsto para quarta-feira o julgamento, pelo plenário do STF, de um pedido da defesa de Temer para suspender o inquérito até a realização da perícia oficial. Com a iniciativa de Fachin de encaminhar o áudio à PF, e a decisão de avaliar o caso só após o resultado da perícia oficial, os próprios advogados de Temer retiraram o pedido de suspensão do inquérito, que investiga o presidente pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de justiça.
A defesa do presidente também protocolou ontem nova petição no STF pedindo celeridade na conclusão do inquérito. O advogado de Temer, Gustavo Guedes, reuniu-se Fachin por poucos minutos. Segundo ele, a defesa de Temer sentiu-se atendida com a decisão de Fachin de encaminhar as gravações à PF. Para Guedes, que estava acompanhado do subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha, o pemedebista "quer que esse assunto seja resolvido o mais rápido possível", pois precisa "dar uma resposta ao país".
Na nova petição, os advogados anexaram uma perícia particular, feita pelo professor da Unicamp Ricardo Molina, que classificou como "imprestável" a gravação feita por Joesley Batista. O perito apontou que o aparelho usado para gravar o áudio seria "barato" e de má qualidade e também criticou os trabalhos da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os áudios foram uma das evidências que embasaram pedido de abertura de inquérito aceito por Fachin.
Molina apontou diversas fragilidades no áudio e na degravação da conversa. De acordo com ele, a fala de Joesley Batista divulgada pela PGR como "todo mês" seria, na verdade, "tô no meio". O termo foi interpretado como indicação, na conversa com Temer, de que Joesley faria um pagamento mensal para comprar o silêncio de Cunha, e que teria contado com aval do presidente. Ainda de acordo com Molina, os comentários de Temer que seguem essa fala são ininteligíveis. "Como se pode falar de sequência lógica [apontada pela PGR] se mais da metade da fala do presidente com certeza é ininteligível?", questionou.
De acordo com Molina, a "baixa inteligibilidade" não seria o pior problema. "Existem inúmeros pontos ao longo da gravação nos quais se poderia efetuar, sem deixar qualquer vestígio, uma edição envolvendo corte de material original", afirmou. Segundo ele, algumas descontinuidades poderiam ser atribuídas, em tese, à má qualidade do gravador. Porém, como não haveria padrão para todas as descontinuidades encontradas, as falhas técnicas não poderiam ser aceitas como justificativa.
Molina também disse que o trecho de 17 segundos da conversa entre Temer e Joesley, que foi considerado o mais comprometedor, apresenta sinais de possível edição. Ele se referia novamente à parte da gravação em que Temer teria dado aval à compra do silêncio de Cunha. Segundo Molina, foram detectados seis pontos de "possível edição" nesse trecho.
"O comportamento caótico e sem um padrão discernível no aparecimento das descontinuidades aumenta a suspeição sobre a gravação", afirmou. Questionado, por outro lado, se houve manipulação do arquivo de áudio, Molina disse que não dá para afirmar com total segurança. "Se me colocarem contra a parede, vou dizer que é mais provável que tenha havido". Disse que, se perguntassem sua opinião, diria que houve manipulação. Porém, de acordo com ele, a perícia sempre parte da necessidade de comprovar se é possível atestar a autenticidade, e não demonstrar a presença de edição.
O perito concluiu que a gravação não pode ser usada como prova no processo. "É uma gravação tão contaminada que não posso levar a sério. Diria que só está sendo levada a sério pela Procuradoria [Geral da República (PGR)], que é ingênua e impotente. É coisa de leigo, de gente que não sabe mexer em áudio". Para Molina, os representantes da PGR preferiram "se esconder" na classificação da gravação com "índice provável de confiabilidade" em vez de assumir o erro de dar crédito à pretensa prova.
O advogado de Temer, Gustavo Guedes, disse que a perícia contratada pelo escritório de advocacia - e não pelo Planalto, frisou - "é a melhor do Brasil". "Pedimos a suspensão [do inquérito] pois havia dúvidas sobre a integridade do áudio, de acordo com perícias contratadas pela imprensa. Agora, com o resultado de uma perícia em que confiamos, temos convicção de que este áudio é imprestável. As demais discussões jurídicas faremos oportunamente."
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