Por Maria Cristina Fernandes | Valor Econômico
SÃO PAULO - O velho já morreu mas o novo ainda não pode nascer. Aos interlocutores que o procuram em busca de saídas para a crise, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem lançado mão de Gramsci para situar a encruzilhada em que vive o país. O presidente Michel Temer dificilmente terá condições de reunir apoio político para se manter no poder, mas as alternativas para sua substituição ainda não estão claras. Daí porque o PSDB, que estava a um passo de deixar o governo, recuou. O partido não aposta na proposta de emenda constitucional para a realização de eleições diretas e aguarda os procedimentos para o funcionamento do colégio eleitoral. Da definição de quem pode ser candidato e como se daria a eleição decorrerá a configuração da disputa.
Ao permanecer no governo, o PSDB não fez uma aposta na continuidade do governo Temer, mas na manutenção da aliança com o PMDB. Sem o aliado, o partido não acredita que possa ganhar a disputa no Congresso para se manter no poder e chegar às eleições de 2018 em condições de competitividade. O nome a ser escolhido não terá como atender de maneira equitativa o Congresso, o mercado e a população se as expectativas forem, respectivamente, o freio na Lava-Jato, a aprovação da reforma da Previdência e a retomada do emprego.
O nome a ser buscado para cumprir a transição tampouco pode ter ambições pessoais que invadam a sucessão presidencial de 2018. A quem sugere seu próprio nome para conduzir o país sobre a pinguela - e a convocação é frequente - o ex-presidente enumera as dificuldades impostas pela idade (85 anos) e as resistências da família a que aceite uma missão do gênero.
Os dois outros nomes que vê como mais com mais condições de assumir a tarefa são o ex-ministro Nelson Jobim e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Reconhece, no entanto, que ambos têm óbices para se desincumbir da missão. Contra o primeiro pesam as vinculações com o BTG, banco de André Esteves, que já cumpriu prisão preventiva no âmbito da operação Lava-Jato, e contra o segundo a pouca inserção no 'Centrão' da Câmara dos Deputados, Casa que tem 86% dos votos no colégio eleitoral do futuro presidente.
Ao adiar o rompimento com o governo, o PSDB ganhou tempo para costurar com o PMDB e evitar que o futuro presidente seja um refém desse bloco parlamentar. O atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na visão da cúpula do partido, não teria condições de exercer por mais do que os 30 dias regulamentares, a Presidência da República sob pena de ser capturado pelo que há de mais retrógrado no Congresso. Faltam nomes que transitem nos extremos da Casa, não recebam vetos no centro e tenham respaldo no empresariado. A busca de um governador que possa preencher este vazio esbarra na ausência de nomes que estejam fora do radar da Lava-Jato.
As dificuldades de convergência entre FHC e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir da posse deste no governo, em 2002, teria acabado por abrir espaço ao crescimento do centrão ao qual o chefe do Executivo tem que se curvar para governar.
A morte das mulheres os aproximou. Lula foi ao velório de Ruth Cardoso, acompanhado de Marisa, e Fernando Henrique esteve no Sírio Libanês, acompanhado do ex-secretário José Gregori, quando esta se ultimava em fevereiro deste ano. Lula o recebeu na companhia do ex-chanceler Celso Amorim e do dirigente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Quando chegou em casa a foto do encontro deles já estava nas redes sociais.
Naquele dia, ficaram de se encontrar. Um tem o telefone do outro e, por isso, dispensariam intermediações. FHC foi incluído como testemunha de defesa do processo movido contra Lula pelo armazenamento, às custas da OAS, do acervo de presentes recebidos em sua passagem pela Presidência da República. No depoimento, Fernando Henrique respaldou, em grande parte, a tese da defesa de Lula, que ligou para agradecer a visita ao hospital e o testemunho. Ficaram de conversar pessoalmente, mas o encontro não aconteceu.
Hoje uma reaproximação com seu sucessor custaria a produzir saídas para a crise. A ponte com o PT é mantida por intermédio do ex-prefeito Fernando Haddad, do ex-ministro José Eduardo Cardozo, do deputado Arlindo Chinaglia (SP) e do senador Jorge Viana (AC), mas o ex-presidente teme que a busca de convergências com o partido passe pela necessidade de se colocar um freio na Lava-Jato.
É com o PMDB de Michel Temer que a transição teria que ser construída. Na eventualidade de vir a deixar o Palácio do Planalto, Temer ficaria, assim como Lula, à mercê de juízes de primeira instância. Ao contrário do petista, no entanto, o atual presidente não tem retaguarda na sociedade, o que o deixaria mais vulnerável para uma eventual prisão. Fernando Henrique tem convergido com seus interlocutores na ideia de que a saída para a crise passaria pela garantia de que Temer, na eventualidade de vir a deixar o cargo, possa vir a responder à justiça em liberdade.
O governo Temer surpreendeu Fernando Henrique positivamente com a aprovação do teto dos gastos, com o avanço da reforma trabalhista e com a formatação da equipe econômica. A cúpula do PSDB trabalhava com a expectativa de que a instituição da idade mínima na Previdência passaria não tivesse o governo sido flagrado pelas delações de Joesley Batista.
Esse rumo não teria como ser garantido pela assunção do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à cadeira de presidente. A comparação com o período em que foi gestado o Plano Real não faz sentido para tucanos. Quem quer que assuma hoje o fará com um déficit de legitimidade que dificilmente permitirá avanço nas reformas, mas tem a chance de construir uma aliança política que devolva aos partidos no poder aquilo que já haviam perdido: a viabilidade eleitoral em 2018.
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