O presidente Michel Temer tornou-se refém da Justiça e busca criar condições favoráveis para permanecer no cargo, após a delação de Joesley Batista. Pode ser uma missão impossível. O centro de gravidade do poder já saiu de suas mãos e está na de seus aliados, em especial o PSDB. Temer já fez três discursos desde que foi alvejado pelo dono da J&F, nos quais combinou indignação, vontade irredutível de não renunciar e argumentos inconvincentes. Com baixo capital político, terá de vencer uma corrida de obstáculos.
O primeiro deles, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de Temer para suspender o inquérito a seu respeito até que seja feita uma perícia oficial das gravações da conversa entre ele e o empresário, pode ter caído por terra ontem. O inquérito prosseguirá, segundo a presidente do STF, Cármen Lúcia, e o STF só se manifestará quando a PF concluir a perícia, tarefa da qual pode ou não se desincumbir até amanhã.
Há divergências sobre se o áudio foi manipulado ou não, e é bom que não existam dúvidas a respeito. Mas esse é apenas um ponto, ainda que importante, das graves acusações que levaram a Procuradoria Geral da República a pedir investigação sobre o presidente por suspeita de que ele cometeu crimes de corrupção passiva, formação de organização criminosa e obstrução de Justiça. Se comprovados, os eventos citados na delação de Joesley indicam que Temer recebeu dinheiro de caixa 2 da JBS nas campanhas de 2010, 2012 e 2016 e que, em pelo menos uma ocasião, teria usado em proveito próprio os recursos.
Além disso, em um trecho da gravação que nunca negou, recomendou que Joesley procurasse um antigo assessor seu, Rodrigo Loures, para resolver um problema da empresa junto ao Cade. Loures foi depois filmado ao receber mala de propinas com R$ 500 mil, vinda de Joesley - dinheiro que ontem à tarde era dado como desaparecido.
Em entrevista à Folha de S. Paulo (22 de maio), o presidente alegou ingenuidade por ter conversado com Joesley no Palácio do Jaburu, no dia 7 de março, a partir das 22h30. O encontro ocorreu fora da agenda, e Joesley deu outro nome (Rodrigo) para entrar no Palácio do Jaburu. Temer alegou que o motivo do interesse do empresário na reunião era a Operação Carne Fraca, que apenas seria deslanchada dez dias depois. E disse que Loures, que lhe prestou serviços em seu gabinete como vice e o acompanhou na Presidência, era uma pessoa de "muito boa índole", mesmo após aparecer em um vídeo em que, apressado, joga uma mala com dinheiro no porta-malas de um taxi.
No sábado, Temer fizera outro discurso no qual chamou os Batistas de "bandidos que "saquearam o país", um tom diferente daquele com que tratou seu visitante noturno, recebido sem identificação própria, a quem qualificou de "falastrão" e lamuriento, usando estes argumentos para não ser acusado de prevaricação diante do relato estarrecedor que acabou ouvindo. Temer disse que não levou em conta as "bobagens" ditas por Joesley.
A fragilidade de Temer tende a tornar impossível a aprovação das reformas e seu empenho para que o Congresso siga com as votações será outro teste de sua força, ou fraqueza. O julgamento político do presidente deve ocorrer bem antes do jurídico. Os partidos discutem com urgência a transição para um novo governo, a saída para amainar a crise é ainda imprevisível. Com a esquerda minoritária no Congresso, as forças aliadas apoiam a votação indireta estabelecida pela Constituição. As mesmas bases que serviram a Dilma e que estão para abandonar Temer buscam um substituto viável e um programa básico que possa ser executado até as eleições de 2018 - e que incluiria as reformas já iniciadas, da Previdência e trabalhista.
Enquanto tucanos, que têm peso decisivo, e outros partidos não se acertarem sobre uma transição segura, Temer continuará sentado na cadeira de presidente. Mantê-lo até o fim colocaria em risco as reformas e, com isso, o ajuste fiscal, únicos motivos pelos quais contou com apoio de políticos e empresários até agora.
A reunião do TSE para julgar a chapa Dilma e Temer, em 6 de junho, será uma prova de fogo para Temer. Sua defesa no processo é a separação de contas, para que as "sujas" de Dilma não contaminassem as suas, "limpas". A delação de Joesley, se comprovada, derruba a tese. Ironicamente, o pedido de cassação da chapa foi feito por Aécio Neves, derrubado pela Lava-Jato, para "encher o saco do PT".
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