Nenhum país será imune aos efeitos desastrosos de uma guerra comercial entre as maiores potências. Um conflito aberto entre Estados Unidos e China – talvez ampliado com a participação da União Europeia – é hoje uma das principais ameaças à recuperação da economia global, dez anos depois de iniciada a última grande crise. Isso é motivo mais que suficiente para o manifesto em defesa do sistema multilateral apresentado por 41 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). Países desenvolvidos e em desenvolvimento, incluído o Brasil, assinaram a declaração coordenada pela Suíça e anunciada em reunião do Conselho Geral da entidade, em Genebra. Será uma surpresa se esse apelo em favor da paz levar a uma redução das tensões, especialmente porque isso dependeria, em primeiro lugar, de uma mudança de ânimo do presidente americano, Donald Trump, inimigo aberto do sistema multilateral.
Uma delegação formada pelo secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e outros membros de primeiro nível do governo americano esteve na China para um encontro, na semana passada, com representantes da administração chinesa. Mais que negociações, houve a repetição de uma lista de exigências da Casa Branca a respeito das políticas industrial e comercial da China. As cobranças foram rejeitadas pelos chineses. A lista americana incluía um corte de US$ 200 bilhões, até 2020, do superávit comercial chinês com os Estados Unidos. As pretensões iam muito além, portanto, da correção de possíveis violações de normas da OMC.
Fracassada essa tentativa de dobrar o governo chinês, o próximo passo poderá ser a imposição de fato das barreiras anunciadas pela Casa Branca. Se isso ocorrer, a administração chinesa deverá responder com barreiras calculadas para produzir um estrago equivalente. A guerra terá começado.
Falta saber como agirá a União Europeia. Se as ações de Trump atingirem o bloco, a resposta poderá ampliar consideravelmente o conflito. Isso dependerá, naturalmente, da disposição do presidente americano de sustentar guerras com as duas maiores potências concorrentes dos Estados Unidos, a China e a União Europeia.
Se a guerra começar, seja com dois ou com três contendores, nenhum país ficará na condição de espectador imune a balas perdidas ou a estilhaços de bombas. Em alguns casos, nem serão só balas perdidas ou meros estilhaços, porque alguns exportadores que não sejam chineses ou europeus já estarão sujeitos a barreiras tarifárias ou a cotas comerciais.
Será esse, provavelmente, o caso dos produtores brasileiros de aço e de alumínio. Isso dependerá de como o governo americano decida impor as limitações, porque a negociação oficial entre Washington e Brasília foi interrompida por decisão do presidente Trump. Os produtores coreanos deverão estar sujeitos às cotas negociadas entre governos.
Embora seja difícil prever seus efeitos imediatos, o manifesto dos 41 países a favor do sistema multilateral e da solução de conflitos por intermédio da OMC tem um significado político relevante. Uma guerra comercial poderá interromper a recuperação das trocas de mercadorias e prejudicar a retomada do crescimento da economia global. Os autores do manifesto, um documento de apenas quatro parágrafos, mencionam os bons sinais do comércio e da retomada econômica e em seguida declaram sua preocupação diante das tensões crescentes.
Mas o texto vai além dessas advertências. Os 41 países signatários defendem o fortalecimento da OMC, novas negociações comerciais e o preenchimento urgente de vagas no Órgão de Apelação, o nível mais alto de solução de controvérsias. A nomeação de árbitros para os postos vagos tem sido dificultada pelo governo americano, em mais uma tentativa de constranger uma organização global ainda livre de sujeição aos Estados Unidos.
Alguns países avançados, como Suíça, Canadá, Austrália, Noruega e Coreia, participam do manifesto, ao lado de emergentes, como Argentina, Brasil e México. Estados Unidos, China, União Europeia e grandes potências do bloco europeu ficaram fora. Afinal, são os participantes prováveis da guerra.
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